Ausência de Putin dá tom político a cerimônia em Auschwitz
Rman Goncharenko (pv)26 de janeiro de 2015
Presidente russo alega não ter recebido um convite pessoal da Polônia. Crise na Ucrânia joga sombra sobre ato que lembra libertação do campo de concentração por tropas soviéticas, há 70 anos.
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As vítimas, e não os políticos, devem ficar em primeiro plano na cerimônia desta terça-feira (27/01), que lembra os 70 anos da libertação de Auschwitz. Por isso, diz o museu do antigo campo de concentração, não foram enviados convites formais aos chefes de Estado e de governo. Porém, nos últimos dias, tem-se discutido mais sobre a ausência de um proeminente político do que sobre os sobreviventes do Holocausto.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não irá a Auschwitz – seu porta-voz explicou que "não houve um convite pessoal". E, apesar do convite do governo tcheco, ele também não estará presente em Praga, onde, entre segunda e terça-feira, se realiza o Fórum Mundial do Holocausto.
A Rússia reivindica um papel especial na vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. O Exército Vermelho libertou Auschwitz-Birkenau há exatos 70 anos – em 27 de janeiro de 1945. Mais de um milhão de pessoas, em sua maioria judeus, foram assassinadas ali.
No 60º aniversário da libertação de Auschwitz, Putin esteve presente. Já em 2005, o memorial foi ofuscado por tensões devido à Ucrânia. Entre os convidados estava o recém-eleito presidente pró-ocidental da Ucrânia, Viktor Yushchenko, que chegou ao poder em consequência da chamada "Revolução Laranja". Moscou acusou o Ocidente a ter apoiado o movimento.
Presença de Poroshenko
Desta vez, o atual presidente ucraniano, Petro Poroshenko, também estará em Auschwitz. Porém, a atual crise na Ucrânia supera os incidentes de dez anos atrás. A Rússia acusa o Ocidente de ter apoiado a derrubada, em 2014, do então presidente ucraniano Viktor Yanukovytch.
As potências ocidentais, por sua vez, condenam Moscou pela anexação da península da Crimeia e por dar assistência militar aos separatistas pró-russos no leste da Ucrânia. Ambos os lados se aplicaram sanções mutuamente.
O analista político Gerhard Simon, da Universidade de Colônia, não descarta que Putin não estará em Auschwitz para "não ser visto novamente isolado".
"Possivelmente as experiências de Brisbane ainda estão marcadas", disse Simon. Na reunião do G20, em novembro de 2014, os líderes ocidentais deram as costas ao presidente russo devido aos conflitos na Ucrânia. Putin acabou deixando a Austrália mais cedo.
Receio de Varsóvia
A tensão na Ucrânia repercute também nos países vizinhos. Particularmente os poloneses se sentem ameaçados novamente. Depois da guerra, a Polônia comunista passou a ser parte da União Soviética. Atualmente, o país é membro da União Europeia (UE) e da Otan, mas o medo da Rússia é aparentemente grande.
Desde a crise na Ucrânia, a relação entre Varsóvia e Moscou esfriou. Em agosto, os poloneses negaram o direito de passagem ao avião que levava o ministro da Defesa russo.
Nos dias anteriores ao memorial do Holocausto em Auschiwtz, declarações do ministro das Relações Exteriores da Polônia, Grzegorz Schetyna, irritaram Moscou. Em entrevista, ele afirmou que foram soldados ucranianos que teriam libertado Auschwitz. A imprensa russa reagiu com irritação. Políticos de Moscou acusaram a Polônia de "falsificação da história" e "cinismo".
O jornalista pró-Kremlin Maxim Shevchenko classificou as declarações polonesas de "esnobismo repugnante". Até mesmo o líder da oposição russa, Boris Nemtsov, falou sobre "um grande erro" da Polônia.
No entanto, é provável que não haja grande atrito diplomático no memorial de Auschwitz. Moscou comunicou que o chefe de gabinete da Presidência, Sergei Ivanov, representará a Rússia.
A arte e os horrores de Auschwitz
Exposição em Berlim mostra a obra de artistas que sobreviveram aos campos de concentração nazistas. Além de documentar atrocidades, eles fizeram arte.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Os artistas esquecidos
Enquanto a chamada "arte degenerada" dos artistas perseguidos pelo nazismo desperta atenção, quase ninguém conhece o trabalho dos artistas que estavam em campos de concentração. Pintores como Waldemar Nowakowski (foto) estão quase esquecidos. Por isso a importância do livro e da exposição "A morte não tem a última palavra", a ser aberta no prédio do Bundestag em Berlim, a partir de 27 de janeiro.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Horrores de Theresienstadt em gravura
Por mais de 15 anos, o autor, curador e historiador de arte Jürgen Kaumkötter se dedicou à arte dos perseguidos entre 1933 e 1945. Para isso, não considerou apenas quadros que surgiram nessa época, mas também aqueles que tematizaram os acontecimentos em retrospecto. Leo Haas executou esta gravura sobre Theresienstadt em 1947. Mas há também obras feitas no campo de concentração.
Foto: Bürgerstiftung für verfolgte Künste – Else-Lasker-Schüler- Zentrum – Kunstsammlung Gerhard Schneider
Pinturas no "museu do campo"
É sabido que artistas pintaram em Theresienstadt. Mas também em Auschwitz 1 houve um "museu do campo". Lá havia lápis, papel, pincéis à disposição dos artistas, para que executassem encomendas para a SS. Outros motivos surgiram secretamente. Em contrapartida, praticamente não há obras de arte oriundas de Auschwitz 2. Na foto: "Autorretrado de Marian Ruzamski", de 1943/44.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Imagem de sonhos em Auschwitz
O artista Jan Markiel criou esse retrato, em 1944, sem os materiais que tinha oficialmente à disposição em Auschwitz 1. A filha do padeiro do vilarejo próximo de Jawiszowice ajudou o prisioneiro trazendo pão e intermediando mensagens para a resistência. A têmpera utilizada pelo artista veio de pigmentos raspados da parede. O tecido grosso dos colchões de palha serviu como tela.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Testemunha dos crematórios
Em 1942, aos 13 anos, Yehuda Bacon (na foto, à dir.) veio para Theresienstadt e, em dezembro de 1943, para Auschwitz-Birkenau. Ele foi utilizado como mensageiro – podendo se aquecer nos fornos dos crematórios no inverno. O que testemunhou, ele relatou não somente durante o célebre Julgamento de Auschwitz em Frankfurt, mas também expressou nos desenhos que executou após a guerra.
Foto: Bürgerstiftung für verfolgte Künste – Else- Lasker-Schüler-Zentrum – Kunstsammlung Gerhard Schneider
Símbolo da morte
Yehuda Bacon mostrou esse desenho aos juízes em Frankfurt, como prova dos crimes cometidos em Auschwitz: chaminés retangulares dos crematórios, um chuveiro, pessoas que são apenas esboços. Para o historiador da arte Kaumkötter, esse desenho é um símbolo da morte nas câmaras de gás e da sepultura nos céus. Trata-se não somente de um testemunho, mas também de uma grande obra de arte.
Foto: Yehuda Bacon
A segunda geração
Michel Kichka é um dos cartunistas mais influentes de Israel. Em 2014, ele publicou a novela gráfica "Segunda geração – o que o meu pai nunca me contou", sobre o menino Kichka e o seu pai, sobrevivente de Auschwitz. Os traumas do pai passaram para o filho. Somente quanto ouve o pai contar piadas sobre o campo, Kichka consegue superar seus pesadelos.
Foto: Egmont Graphic Novel
Metáforas do Holocausto
Também os pais da artista israelense Sigalit Landau são sobreviventes do Holocausto, e o professor de desenho dela foi Yehuda Bacon, que trabalha até hoje como artista e professor de arte em Israel. Os trabalhos de Landau são repletos de alusões metafóricas ao Holocausto, como estes sapatos, que logo lembram a montanha de calçados que ainda hoje pode ser vista na exposição permanente de Auschwitz.
Foto: Sigalit Landau
A morte não tem a última palavra
Sigalit Landau coletou cem pares de sapatos em Israel e os afundou no Mar Morto. O mar os envolveu com uma camada de sal curativa – eles se tornaram símbolo da vida, em vez da morte. O desejo da artista era mostrá-los em Berlim, como sinal de que a esperança derrota o desespero. A mostra "A morte não tem a última palavra" está em cartaz até o dia 27 de fevereiro no prédio do Bundestag, em Berlim.