"Autocratas fascinavam Trump", diz Merkel em novo livro
22 de novembro de 2024
Ex-líder alemã revisita trajetória em "Liberdade". Nas memórias, relata "sensação ruim" após encontro com presidente dos EUA em 2017, e defende decisões de manter proximidade com a Rússia e barrar a Ucrânia na Otan.
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A ex-chefe de governo alemã Angela Merkel escolheu como título para seu livro de memórias nada menos do que Freiheit (Liberdade). Às vésperas do ansiosamente aguardado lançamento, a revista Zeit Magazin publicou alguns trechos instigantes, também sobre as interações da política conservadora com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
Sobre o encontro entre ambos na Casa Branca, em março de 2017, logo após ele assumir o mandato, a ex-chanceler federal relata ter ouvido "uma série de perguntas" do magnata nova-iorquino, que queria saber sobre do histórico dela na Alemanha Oriental e da relação dela com Vladimir Putin.
"Ele estava claramente muito fascinado com o presidente russo [...]. Nos anos seguintes, tive a impressão de que era atraído por políticos com tendências autocráticas e ditatoriais."
O encontro, em que o mandatário republicano repetiu muitas das críticas à Alemanha feitas durante sua campanha eleitoral, deixou a então chanceler federal "com uma sensação ruim".
Pedindo conselhos ao papa sobre Trump
Segundo Merkel, Trump "alegou que eu tinha arruinado a Alemanha ao aceitar tantos refugiados em 2015 e 2016, nos acusou de não gastar o suficiente com defesa e nos criticou por práticas comerciais injustas." Em especial a visão de tantos carros alemães em Nova York era "uma pedra no sapato dele".
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"Estávamos falando em dois níveis diferentes – Trump, no emocional; eu, no factual. Quando ele sequer prestava atenção aos meus argumentos, em geral era para transformá-los em novas acusações."
A política democrata-cristã chegou a pedir conselhos ao papa Francisco sobre o assunto, pouco antes da cúpula de 2017 do G20, em Hamburgo. Sem mencionar nomes, ela lhe perguntou como deveria manobrar opiniões fundamentalmente díspares num grupo de personalidades importantes.
"Ele entendeu logo e me respondeu diretamente: 'Curve, curve, curve, mas se assegure de que não vai quebrar.'" Ela gostou da imagem: "Nesse espírito, eu ia tentar resolver meu problema com o Acordo de Paris e Trump, em Hamburgo, embora não soubesse exatamente o que isso significava, em termos concretos." Em junho daquele mesmo ano, o então presidente americano retirou seu país do acordo do clima.
Merkel ainda defende a Rússia
Freiheit será lançado na terça-feira (26/11) em 30 países. Abarcando desde a juventude na República Democrática Alemã (RDA), sob regime socialista, aos 16 anos à frente do governo da República Federal da Alemanha (RFA) unificada, o volume de 736 páginas foi coescrito por Beate Baumann, consultora política de Merkel de longa data.
Entre outros temas da política mundial, a ex-líder conservadora, atualmente com 70 anos, defende tanto sua política de manter laços estreitos com a Rússia, quanto sua decisão, na cúpula de Bucareste, em 2008, de barrar o ingresso da Ucrânia e da Geórgia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – ambas posturas severamente criticadas, sobretudo desde o início da guerra russa contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
"Eu entendia o desejo de se tornar membro da Otan o mais rápido possível, porque elas queriam ser parte da comunidade ocidental após o fim da Guerra Fria." No entanto a Aliança Atlântica tinha que considerar o efeito de cada novo filiado potencial em sua própria "segurança, estabilidade e capacidade de funcionar", justifica.
Após a cúpula na capital da Romênia, Merkel voltou para casa com a sensação de que "nós, na Otan, não tínhamos nenhuma estratégia comum para lidar com a Rússia": muitos países da Europa Central e Oriental "pareciam desejar que o país simplesmente desaparecesse, que não existisse".
"Seria difícil culpá-los, pois haviam sofrido por longo tempo sob o regime soviético [...]. Mas a Rússia, com seu arsenal nuclear, existia, sim, e era – e é – geopoliticamente indispensável."
av/ra (AFP,KNA,ots)
Os 16 anos da era Merkel em imagens
A longeva chefia de governo de Angela Merkel deixou o cargo em 2021. Reveja alguns momentos que marcaram os quatro mandatos da chanceler federal.
Foto: Georg Wendt/dpa/picture alliance
O primeiro juramento
Em 22 de novembro de 2005, Angela Merkel prestou juramento perante o então presidente do Bundestag, Nortbert Lammert, como a primeira mulher e a primeira representante do leste alemão a se tornar chanceler federal. Àquela altura, ninguém podia prever que ela permaneceria na chefia de governo por 16 anos.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
O cachorro de Putin
Esta imagem ficará na memória: Merkel se mostrou inabalável durante uma visita ao presidente russo, Vladimir Putin, em 2007 - até mesmo quando o cachorro dele apareceu. Houve quem interpretasse a presença do animal como uma provocação: é fato conhecido que Merkel tem medo de cães desde que foi mordida certa vez.
Foto: Imago/ITAR-TASS
Selfie com a chanceler federal
A selfie de Merkel com o jovem refugiado Anas Modamani, da Síria, rodou o mundo. Quando a chanceler federal visitou o abrigo em que Modamani se encontrava, em Berlim, ele inicialmente não sabia quem ela era. A foto acabou se tornando um símbolo da famosa frase de Merkel "Nós vamos conseguir", proferida no contexto da crise migratória de 2015.
Foto: Getty Images/S. Gallup
Registro diplomático
O governo Merkel é marcado sobretudo por uma série de difíceis encontros políticos - como este da foto, durante a cúpula do G7 de 2018, no Canadá. A imagem ocupou manchetes em todo o mundo. Será que Merkel estava explicando ao então presidente dos EUA, Donald Trump, como as coisas devem ser feitas?
Foto: Reuters/Bundesregierung/J. Denzel
Experiência com personalidades difíceis
Durante uma visita aos EUA em 2017, Merkel ficou visivelmente irritada com o recém-empossado presidente Trump. O encontro gerou especulações: será que o líder americano realmente se recusou a apertar a mão da chanceler federal alemã diante das câmeras? Posteriormente, apesar de todo o o burburinho, Merkel falou numa "troca boa e aberta" com o republicano.
Foto: Reuters/J. Ernst
Uma questão de estilo
Não apenas a política de Merkel, mas também suas roupas foram objeto de discussão: durante uma visita à ópera em Oslo, ela usou um vestido decotado - e assim provocou discussões que chegaram até o nível da coletiva de imprensa do governo federal. Mas, no geral, Merkel optou principalmente por vestir blazers e calças.
Foto: picture-alliance/ dpa
Caminhadas nas horas vagas
Pouco se sabe sobre a vida privada de Merkel - exceto, por exemplo, sobre seu gosto por caminhadas, muitas vezes ao lado do marido, Joachim Sauer, na ilha italiana de Ischia. Uma vez ela revelou que as caminhadas a permitiam se desconectar do trabalho.
Foto: picture-alliance/ANSA/R. Olimpio
Viva o futebol!
Normalmente transmitindo uma imagem bastante tranquila, Merkel mostrou diversas vezes um lado diferente quando se tratava de futebol, como neste momento registrado durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, em que ela comemora um gol da seleção nacional. Uma confidente próxima revelou há alguns anos que particularmente o Bayern de Munique agradava à chanceler federal.
Foto: imago/ActionPictures
Um gesto simbólico
O típico gesto de Merkel - um losango feito com as mãos diante da barriga - tornou-se marca registrada da líder alemã. O losango não foi apenas usado na campanha eleitoral de 2013, mas também transformado em emoji. Quem sentir falta do gesto talvez possa matar as saudades com Olaf Scholz: na campanha eleitoral de 2021, o candidato social-democrata a chanceler federal também adotou o losango.
Foto: REUTERS
Olha o passarinho
Merkel como nunca se viu: às vésperas das eleições federais de 26 de setembro de 2021, quando eleitores foram às urnas para selar o fim da era Merkel, a chanceler federal visitou o Parque de Aves Marlow, no estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. Fotos divertidas da chefe de governo na companhia de passarinhos logo viralizaram, transmitindo uma imagem descontraída da líder alemã.
Foto: Georg Wendt/dpa/picture alliance
Lembrança inusitada
Com blazer vermelho, colar e o típico gesto de losango, este ursinho de pelúcia fabricado pela empresa familiar Hermann homenageia Merkel. Os 500 exemplares do bichinho logo se esgotaram, mas um deles ainda deverá ser presenteado a chanceler federal que em breve deixará o cargo.