"Autocratas fascinavam Trump", diz Merkel em memórias
26 de novembro de 2024
Ex-líder alemã revisita trajetória em "Liberdade". No livro, relata "sensação ruim" após encontro com então presidente dos EUA em 2017, e defende decisões de manter proximidade com a Rússia e barrar a Ucrânia na Otan.
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A ex-chefe de governo alemã Angela Merkel escolheu como título para seu livro de memórias nada menos do que Freiheit (Liberdade). Já às vésperas do ansiosamente aguardado lançamento, marcado para esta terça-feira (26/11), a revista Zeit Magazin publicou alguns trechos instigantes, também sobre as interações da política conservadora com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
Sobre o encontro entre ambos na Casa Branca, em março de 2017, logo após ele assumir o mandato, a ex-chanceler federal relata ter ouvido "uma série de perguntas" do magnata nova-iorquino, que queria saber sobre do histórico dela na Alemanha Oriental e da relação dela com Vladimir Putin.
"Ele estava claramente muito fascinado com o presidente russo [...]. Nos anos seguintes, tive a impressão de que era atraído por políticos com tendências autocráticas e ditatoriais."
O encontro, em que o mandatário republicano repetiu muitas das críticas à Alemanha feitas durante sua campanha eleitoral, deixou a então chanceler federal "com uma sensação ruim".
Pedindo conselhos ao papa sobre Trump
Segundo Merkel, Trump "alegou que eu tinha arruinado a Alemanha ao aceitar tantos refugiados em 2015 e 2016, nos acusou de não gastar o suficiente com defesa e nos criticou por práticas comerciais injustas." Em especial a visão de tantos carros alemães em Nova York era "uma pedra no sapato dele".
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"Estávamos falando em dois níveis diferentes – Trump, no emocional; eu, no factual. Quando ele sequer prestava atenção aos meus argumentos, em geral era para transformá-los em novas acusações."
A política democrata-cristã chegou a pedir conselhos ao papa Francisco sobre o assunto, pouco antes da cúpula de 2017 do G20, em Hamburgo. Sem mencionar nomes, ela lhe perguntou como deveria manobrar opiniões fundamentalmente díspares num grupo de personalidades importantes.
"Ele entendeu logo e me respondeu diretamente: 'Curve, curve, curve, mas se assegure de que não vai quebrar.'" Ela gostou da imagem: "Nesse espírito, eu ia tentar resolver meu problema com o Acordo de Paris e Trump, em Hamburgo, embora não soubesse exatamente o que isso significava, em termos concretos." Em junho daquele mesmo ano, o então presidente americano retirou seu país do acordo do clima.
Merkel ainda defende a Rússia
Freiheit foi lançado nesta terça-feira em 30 países. Abarcando desde a juventude na República Democrática Alemã (RDA), sob regime socialista, aos 16 anos à frente do governo da República Federal da Alemanha (RFA) unificada, o volume de 736 páginas foi coescrito por Beate Baumann, consultora política de Merkel de longa data.
Entre outros temas da política mundial, a ex-líder conservadora, atualmente com 70 anos, defende tanto sua política de manter laços estreitos com a Rússia, quanto sua decisão, na cúpula de Bucareste, em 2008, de barrar o ingresso da Ucrânia e da Geórgia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – ambas posturas severamente criticadas, sobretudo desde o início da guerra russa contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
"Eu entendia o desejo de se tornar membro da Otan o mais rápido possível, porque elas queriam ser parte da comunidade ocidental após o fim da Guerra Fria." No entanto a Aliança Atlântica tinha que considerar o efeito de cada novo filiado potencial em sua própria "segurança, estabilidade e capacidade de funcionar", justifica.
Após a cúpula na capital da Romênia, Merkel voltou para casa com a sensação de que "nós, na Otan, não tínhamos nenhuma estratégia comum para lidar com a Rússia": muitos países da Europa Central e Oriental "pareciam desejar que o país simplesmente desaparecesse, que não existisse".
"Seria difícil culpá-los, pois haviam sofrido por longo tempo sob o regime soviético [...]. Mas a Rússia, com seu arsenal nuclear, existia, sim, e era – e é – geopoliticamente indispensável."
av/ra (AFP,KNA,ots)
Os 16 anos da era Merkel em imagens
A longeva chefia de governo de Angela Merkel deixou o cargo em 2021. Reveja alguns momentos que marcaram os quatro mandatos da chanceler federal.
Foto: Georg Wendt/dpa/picture alliance
O primeiro juramento
Em 22 de novembro de 2005, Angela Merkel prestou juramento perante o então presidente do Bundestag, Nortbert Lammert, como a primeira mulher e a primeira representante do leste alemão a se tornar chanceler federal. Àquela altura, ninguém podia prever que ela permaneceria na chefia de governo por 16 anos.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
O cachorro de Putin
Esta imagem ficará na memória: Merkel se mostrou inabalável durante uma visita ao presidente russo, Vladimir Putin, em 2007 - até mesmo quando o cachorro dele apareceu. Houve quem interpretasse a presença do animal como uma provocação: é fato conhecido que Merkel tem medo de cães desde que foi mordida certa vez.
Foto: Imago/ITAR-TASS
Selfie com a chanceler federal
A selfie de Merkel com o jovem refugiado Anas Modamani, da Síria, rodou o mundo. Quando a chanceler federal visitou o abrigo em que Modamani se encontrava, em Berlim, ele inicialmente não sabia quem ela era. A foto acabou se tornando um símbolo da famosa frase de Merkel "Nós vamos conseguir", proferida no contexto da crise migratória de 2015.
Foto: Getty Images/S. Gallup
Registro diplomático
O governo Merkel é marcado sobretudo por uma série de difíceis encontros políticos - como este da foto, durante a cúpula do G7 de 2018, no Canadá. A imagem ocupou manchetes em todo o mundo. Será que Merkel estava explicando ao então presidente dos EUA, Donald Trump, como as coisas devem ser feitas?
Foto: Reuters/Bundesregierung/J. Denzel
Experiência com personalidades difíceis
Durante uma visita aos EUA em 2017, Merkel ficou visivelmente irritada com o recém-empossado presidente Trump. O encontro gerou especulações: será que o líder americano realmente se recusou a apertar a mão da chanceler federal alemã diante das câmeras? Posteriormente, apesar de todo o o burburinho, Merkel falou numa "troca boa e aberta" com o republicano.
Foto: Reuters/J. Ernst
Uma questão de estilo
Não apenas a política de Merkel, mas também suas roupas foram objeto de discussão: durante uma visita à ópera em Oslo, ela usou um vestido decotado - e assim provocou discussões que chegaram até o nível da coletiva de imprensa do governo federal. Mas, no geral, Merkel optou principalmente por vestir blazers e calças.
Foto: picture-alliance/ dpa
Caminhadas nas horas vagas
Pouco se sabe sobre a vida privada de Merkel - exceto, por exemplo, sobre seu gosto por caminhadas, muitas vezes ao lado do marido, Joachim Sauer, na ilha italiana de Ischia. Uma vez ela revelou que as caminhadas a permitiam se desconectar do trabalho.
Foto: picture-alliance/ANSA/R. Olimpio
Viva o futebol!
Normalmente transmitindo uma imagem bastante tranquila, Merkel mostrou diversas vezes um lado diferente quando se tratava de futebol, como neste momento registrado durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, em que ela comemora um gol da seleção nacional. Uma confidente próxima revelou há alguns anos que particularmente o Bayern de Munique agradava à chanceler federal.
Foto: imago/ActionPictures
Um gesto simbólico
O típico gesto de Merkel - um losango feito com as mãos diante da barriga - tornou-se marca registrada da líder alemã. O losango não foi apenas usado na campanha eleitoral de 2013, mas também transformado em emoji. Quem sentir falta do gesto talvez possa matar as saudades com Olaf Scholz: na campanha eleitoral de 2021, o candidato social-democrata a chanceler federal também adotou o losango.
Foto: REUTERS
Olha o passarinho
Merkel como nunca se viu: às vésperas das eleições federais de 26 de setembro de 2021, quando eleitores foram às urnas para selar o fim da era Merkel, a chanceler federal visitou o Parque de Aves Marlow, no estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. Fotos divertidas da chefe de governo na companhia de passarinhos logo viralizaram, transmitindo uma imagem descontraída da líder alemã.
Foto: Georg Wendt/dpa/picture alliance
Lembrança inusitada
Com blazer vermelho, colar e o típico gesto de losango, este ursinho de pelúcia fabricado pela empresa familiar Hermann homenageia Merkel. Os 500 exemplares do bichinho logo se esgotaram, mas um deles ainda deverá ser presenteado a chanceler federal que em breve deixará o cargo.