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Avô nazista, neto embusteiro

14 de agosto de 2020

Neto de Rudolf Höss, comandante de Auschwitz, se mostrava como alguém disposto a refletir sobre os horrores do nazismo. Mas, na verdade, tentou ganhar dinheiro com o passado tenebroso de sua família.

Rudolf Höss, ao centro em destaque, nos arredores do campo de Auschwitz em 1944
Rudolf Höss, ao centro em destaque, nos arredores do campo de Auschwitz em 1944Foto: picture-alliance/AP Photo/USHMM

Rainer Höss levava uma vida discreta até dez anos atrás como cozinheiro em Baden-Württemberg, no sul da Alemanha. Não havia nada de particularmente incomum sobre o homem de 55 anos – exceto que ele é neto de uma das figuras mais monstruosas da ditadura nazista.

Seu avô Rudolf Höss ajudou a construir o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau e o liderou como comandante por mais de três anos, de maio de 1940 a novembro de 1943. Mais de um milhão de pessoas, principalmente judeus, foram mortas lá até 1945, em escala industrial. Como um criminoso de guerra, Rudolf Höss foi condenado à morte em 1947 e levado à forca no local do antigo campo de concentração.

Vários filhos e netos de figuras importantes do regime nazista se confrontaram com sua história familiar. O jornalista e autor Niklas Frank, por exemplo, se debruçou impiedosamente sobre as atrocidades cometidas por seu pai, Hans Frank, que, como "governador-geral" na Polônia ocupada pela Alemanha, esteve envolvido em vários crimes de guerra.

Mas o caso de Rainer Höss parece ser diferente: suspeita-se que o trabalho de relações públicas feito por ele em torno do nome e do passado do seu avô tenha sido impulsionado por um anseio por reconhecimento e interesses financeiros.

Descoberta

Rainer Höss só descobriu quando adolescente o papel que seu avô desempenhou no regime nazista. Virou palestrante. Há anos conversa com alunos sobre as lições do nacional-socialismo, visitando Auschwitz com turmas de escola e mostrando aos jovens a "Mansão Höss", onde seu avô vivia com a família como comandante do campo.

Em 2010, o jornalista Eldad Beck, do jornal diário israelense Israel Hayom, viajou com ele para o Memorial de Auschwitz. O relato da visita tornou Rainer uma figura pública. Ele apareceu em talk shows, foi cortejado por canais de televisão alemães e estrangeiros. A sobrevivente do Holocausto Eva Mozes Kor o "adotou" simbolicamente.

Neste ano, a Deutsche Welle também entrou no tema e transmitiu um filme sobre Rainer Höss para marcar o Dia da Memória de Auschwitz, em 27 de janeiro. Foi aos 15 anos de idade, conta Rainer no documentário, que ele percebeu o que havia acontecido na guerra. Seu avô havia sido diretor do campo de extermínio. 

O passado havia sido "glorificado" na família, afirma Rainer: "Eu simplesmente vi como esta guinada para a direita está acontecendo cada vez mais no mundo inteiro, e as pessoas em todo o mundo estão começando a ignorá-la novamente." Em solidariedade às vítimas de seu avô, Höss até tem uma estrela de Davi tatuada em seu peito.

Negócio com fotos da família

Mas no jornal Bild am Sonntag de 2 de agosto deste ano, Eldad Beck contou sobre o que, de fato, o levou a chamar a atenção sobre Höss há uma década: o alemão não quis dar uma caixa com fotos de família de seu avô, dos tempos em Auschwitz, para o memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. Em vez disso, tentou vendê-las. O próprio Beck tem vítimas do Holocausto em sua família. E ficou indignado com essa tentativa de transformar o patrimônio do assassino em massa em dinheiro. Por isso, buscou contato com Höss.

Rainer Höss, neto do antigo comandante do campo de AuschwitzFoto: picture-alliance/Zuma/Toronto Star/A.F. Wallace

Mas não apenas Eldad Beck o acusa de explorar sem escrúpulos a história de seu famoso ancestral. O Gelsenzentrum, portal da história urbana e contemporânea da cidade de Gelsenkirchen, por exemplo, acusa Rainer Höss de "capitalizar o sofrimento de milhões de pessoas assassinadas no Holocausto".

Kai Höss, que há muito se mantém em silêncio sobre seu irmão mais novo, agora nega algumas das coisas que Rainer escreve sobre a família em seu livro publicado em 2013. O pastor evangélico disse à edição on-line do jornal Sunday News em julho que, por exemplo, ele não sabia nada sobre o fato de que seu pai havia batido em Rainer quando criança. Kai Höss descreve o pai, Hans-Jürgen Höss, como uma pessoa reservada e passiva.

Sentença por fraude

Até 24 de junho deste ano, o uso que Rainer Höss faz da história de sua família era considerado moralmente questionável por alguns. Mas naquele dia ficou claro que, em alguns casos, também é relevante do ponto de vista criminal.

Isso porque o Tribunal Distrital de Leonberg, em Baden-Württemberg, o condenou a oito meses de prisão por fraude. A pena foi comutada para 80 horas de serviço comunitário, além do confisco de 17 mil euros. Segundo a juíza do caso, Jasmin Steinhart, no processo ficou claro que o réu várias vezes agiu criminalmente e já fora condenado por isso.

O veredicto mais recente diz respeito a um projeto cinematográfico: Rainer Höss recebeu 17 mil euros de um empresário do sul da Alemanha para rodar um filme sobre o Holocausto. Ele disse que, na verdade, tinha milhões de euros, mas que foram investidos em terras nos Estados Unidos e, por isso, estavam inacessíveis. Fato é que Höss está endividado neste momento.

Rainer Höss aparentemente aceitou o desfecho do julgamento. "Não foi interposto recurso", de acordo com uma declaração do Tribunal Distrital de Leonberg à DW. A situação é diferente com as reportagens do Bild e do Gelsenzentrum. Indagado pela Deutsche Welle sobre sua reação, Rainer Höss respondeu em um e-mail: "Após consulta com meus advogados, não faremos nenhuma declaração no momento. Posso dizer que estamos atualmente preparando uma ação judicial sobre este assunto."

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