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PolíticaAfeganistão

Avanço do Talibã gera revolta em veteranos alemães

13 de agosto de 2021

Tomada de Kunduz, que já esteve sob responsabilidade de militares alemães, provoca frustração naqueles que arriscaram a vida na região. Eles temem pela segurança dos moradores locais que os ajudaram.

Soldados alemães se dirigindo a helicóptero
A missão de duas décadas da Bundeswehr no Afeganistão custou a vida de 59 militares alemãesFoto: Tim Röhn/Imago Images

A queda de Kunduz para o Talibã é um golpe psicológico devastador para muitos soldados da Bundeswehr, de acordo com veteranos da missão alemã de duas décadas no Afeganistão.

"Ela desencadeou um terremoto nas emoções dos veteranos", diz Wolf Gregis, um ex-soldado e agora escritor e professor de pedagogia da Universidade de Rostock. "Nenhum outro lugar está tão associado ao número de mortos que os militares alemães sofreram do que a própria Kunduz."

Foi na província de Kunduz, cuja capital leva o mesmo nome, que as Forças Armadas alemãs sofreram o maior número de vítimas e onde aconteceram os eventos que moldaram a memória do público alemão sobre a guerra do Afeganistão.

"Este é o lugar onde os soldados alemães aprenderam em grande escala o que significa lutar e morrer em uma guerra assimétrica e como isso é horrível", afirma Gregis (o nome é um pseudônimo, a pedido do entrevistado).

"Ano mais sangrento da Bundeswehr"

Embora fosse inicialmente vista como uma das províncias mais seguras do país, onde a Alemanha poderia assumir o comando de uma das equipes da Otan para a reconstrução de províncias e ajudar a construir uma nova infraestrutura, os combates se tornaram mais intensos na região a partir de 2006.

Foi Kunduz, de acordo com Gregis, que pôs à prova o propósito da missão alemã no Afeganistão – levando alguns a questionar se as tropas estavam lá para cavar poços artesianos e manter as escolas seguras ou simplesmente para travar uma guerra.

Vários incidentes terríveis aconteceram na província. Em setembro de 2009, um oficial alemão ordenou um ataque aéreo dos Estados Unidos contra dois caminhões de petróleo. Relatos da época afirmaram que a ação teria deixado mais de 100 pessoas mortas, gerando um escândalo na Alemanha que acabou causando a saída do então ministro da Defesa Franz Josef Jung. Desde então, entretanto, surgiram algumas dúvidas sobre o ocorrido, com evidências reveladas na semana passada de que as baixas provavelmente foram menores, de cerca de 40 vítimas, com menos civis entre elas.

Membro da Bundeswehr e auxiliares locais: ajudantes dos soldados estrangeiros são alvos preferenciais dos radicais islâmicosFoto: picture-alliance/dpa

Um ano depois, os soldados alemães se envolveram cada vez mais em tiroteios com os talibãs, especialmente em abril de 2010, quando uma patrulha foi emboscada e imobilizada na "Batalha da Sexta-feira Santa", que durou nove horas. Três soldados morreram e outros oito ficaram feridos, salvos por um helicóptero dos EUA.

O confronto marcou o início do que a Bundeswehr descreveu como o "ano mais sangrento de sua história". Ao todo, as tropas alemãs estiveram estacionadas na província de Kunduz de 2003 a 2013, e cerca de 59 soldados alemães perderam a vida no Afeganistão durante a missão de duas décadas.

A visão dos combatentes talibãs invadindo a cidade no último fim de semana deixou muitos veteranos alemães chocados e revoltados. "É difícil descrever", afirma Andreas Eggert, que concluiu a última de suas sete missões no Afeganistão em 2013 e agora é presidente regional da associação de veteranos alemães (BDV, na sigla em alemão). "Muitas coisas passam pela minha cabeça, de um lado, dor; do outro, revolta."

A revolta, para quem conheceu soldados alemães que perderam a vida, tem vários alvos. "É revolta contra o Talibã, que quer forçar as população local a ficar sob seu domínio", diz. "Mas também estou revoltado com a decisão do governo alemão e do Ministério da Defesa [de retirar as tropas do Afeganistão]. Isso era tão previsível, esse dano."

Impotência, tristeza

"É uma sensação extremamente ruim", relata Johannes Clair, um ex-cabo da Bundeswehr que publicou um livro sobre sua missão de sete meses em Kunduz de 2010 a 2011. "Deixamos sangue, suor e lágrimas lá, nossos companheiros foram mortos lá. E era previsível. Em 2014, quando as tropas de combate foram retiradas, estava claro que as forças afegãs não seriam capazes de controlar a situação por conta própria."

"A segunda coisa é que, enquanto estamos todos em casa, os afegãos de lá estão em perigo mortal, especialmente aqueles que cooperaram com o Ocidente – o que torna tudo ainda pior", acrescenta. "Agora estou sentado aqui e não posso fazer nada."

Ao mesmo tempo, Clair acha que a retirada final das tropas ocidentais neste ano foi inevitável e lógica porque toda a missão simplesmente se tornou o que ele chamou de "missão álibi" de indiferença. "É por isso que estou com raiva, porque embora os problemas fundamentais do Afeganistão sejam conhecidos há muito tempo, mesmo em 2010, quando estive lá, eles nunca foram tratados de forma adequada", lamenta.

Durante anos, segundo ele, a Otan e o governo alemão tropeçaram de uma estratégia para outra, na esperança de que desse certo, mas principalmente porque a missão era impopular entre a população alemã, o governo nunca se comprometeu devidamente com sua missão. Tudo isso culminou na retirada das tropas de combate em 2014.

"Ficou completamente claro, então, que os efeitos positivos que havíamos causado não eram sustentáveis", ressalta. "Traímos todo o trabalho que fizemos lá. E, mais do que tudo, traímos os afegãos."

Alternativa para retirada?

Andreas Eggert também critica as decisões políticas da Alemanha. "Nosso ministro da Defesa disse que a decisão [de retirar] não tinha alternativa – concordo, não havia alternativa, mas essa decisão poderia ter sido preparada de forma diferente", avalia. "Estou muito triste porque conheci muitos grandes afegãos durante minha missão lá e sei que eles devem temer por suas vidas agora ou podem até já ter perdido suas vidas."

A questão de se e como os afegãos que ajudaram a Bundeswehr podem solicitar asilo na Alemanha se tornou uma confusão política nas últimas semanas, causada por uma burocracia complexa e pelo que alguns dizem ser indiferença política.

Tanto Clair quanto Eggert acreditam que as tropas alemãs eram mais queridas entre os afegãos do que as americanas, porque eram vistas como mais construtivas e menos "militaristas".

Apesar do ressurgimento do Talibã, Eggert insiste que seus camaradas da Bundeswehr não morreram em vão. "Não acho que a missão foi em vão, acho que mudou as coisas", diz. "Os soldados que morreram defenderam com a vida as liberdades dos alemães. Mudamos as coisas na cabeça das pessoas por lá; acompanhamos gerações inteiras de pessoas."

Ele também acha que a comunidade internacional faria bem em permanecer comprometida com a manutenção da segurança no Afeganistão. "Acho que em alguns anos estaremos de volta para começar tudo de novo e construir um país destruído."

A base em Kunduz da Bundeswehr foi entregue ao governo afegão em 2013, quando as forças alemãs se mudaram para um novo quartel-general em Mazar-e Sharif, mais a oeste.

A Alemanha retirou suas últimas tropas do Afeganistão no final de junho deste ano.

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