Avanços militares são trunfo rebelde na negociação em Minsk
Frank Hofmann, de Kiev (md)11 de fevereiro de 2015
Cerco dos insurgentes às tropas ucranianas na pequena Debaltseve limita poder de barganha de delegação de Kiev nas conversas de paz. Enquanto isso, população do país perde a paciência com governo.
Anúncio
Costuma-se dizer que diplomacia em tempos de guerra não se faz sem uma opção militar. As negociações em Minsk nesta quarta-feira (11/02) entre Ucrânia e Rússia – intermediadas por Alemanha e França – ocorrem sob a pressão do campo de batalha.
Na cidade oriental ucraniana de Debaltseve, o Exército ucraniano luta com, provavelmente, 5 mil soldados, contra ataques rebeldes vindos de três lados. Se o cerco já foi fechado realmente, com a interdição da estrada principal para o lugar, isso é, aparentemente, uma questão de interpretação.
O Exército ucraniano diz que não; os rebeldes, que sim. Ao longo do percurso, estariam ocorrendo batalhas entre tanques, segundo relatos da mídia local não confirmados. Mas basta que a via fique intransitável para que o cerco de Debaltseve seja, realmente, fato. E isso parece ocorrer desde terça-feira, pontualmente um dia antes do começo das negociações em Minsk. Isso cria a ameaça de uma catástrofe humanitária na Ucrânia que superaria tudo o que já ocorreu.
Observadores independentes não conseguem no momento ter uma visão plena do que ocorre. Um general russo e um ucraniano, que fiscalizam na região o acordo de cessar-fogo fechado em setembro em Minsk, afirmam que ainda há "cerca de 5 mil civis em Debaltseve", informou no domingo Michael Bociurkiv, porta-voz da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Ele observou, entretanto, que a missão de observação "não conseguiu confirmar esse número". Na sexta-feira passada, as armas se calaram por algumas horas, para que pessoas que estavam há mais de duas semanas escondidas em seus porões pudessem ser resgatadas e levadas a local seguro. Cerca de 600 deixaram Debaltseve em um comboio que rumou em direção a oeste, para o território controlado pelo governo central de Kiev. Apenas 35 delas teriam seguido em direção à área sob controle dos rebeldes.
Tiros à esquerda e à direita
A espiral de violência da guerra no leste da Ucrânia gira cada vez mais rápido. Na terça-feira, o Exército ucraniano lançou uma investida contra Mariupol, e os rebeldes responderam com um foguete sobre Kramatorsk, sede do Estado-Maior ucraniano, matando dez pessoas.
Ainda no final de janeiro, a professora de dança Iryna Maljaeva conseguiu, com a ajuda de parentes, fugir de Debaltseve e, com um carro particular, percorrer três horas de estrada até Carcóvia. "Tivemos sorte, partimos de manhã cedo, não havia tiroteio na estrada", conta. Entretanto, havia tiroteio à direita e à esquerda da via principal, onde, de acordo com informações não confirmadas, tanques de guerra estariam se enfrentando.
Hoje, Maljaeva vive em um campo de refugiados nos arredores de Carcóvia. Parentes também a ajudaram a encontrar vaga no lugar, nada foi organizado previamente. Se Debaltseve for tomada pelos rebeldes, a cidade pode se tornar um caos.
A administração pública ao longo da linha de frente está irremediavelmente sobrecarregada. Ajuda, geralmente, só vem a partir de voluntários, que fornecem diretamente medicamentos e alimentos a hospitais e a refugiados. É grande a insatisfação dos voluntários com o governo, empossado há dois meses e meio.
Interpretações dos fatos
Ainda no início da semana, o porta-voz do Exército ucraniano Andriy Lysenko alegava que suas tropas ainda conseguiam receber carregamentos em Debaltseve, enquanto os rebeldes afirmavam que haviam fechado completamente o cerco. A tática de interpretar os fatos conforme a conveniência é procedimento já bastante conhecido nesse conflito.
Já na semana passada, o porta-voz negou que a localidade de Vuhlehirsk, ao sul de Debaltseve, havia sido tomada pelos rebeldes, até que imagens que não deixavam dúvidas aparecessem na televisão de Kiev, mostrando um lugar devastado, com civis completamente traumatizados.
Ao mesmo tempo, um alto funcionário do governo ucraniano pediu: "Relatem, finalmente, que somos atacados pela Rússia e não somente pelos rebeldes". A liderança ucraniana está sob enorme pressão, de dentro e com a situação militar no leste do país. Isso limita o poder de barganha da delegação ucraniana em Minsk.
Uma testemunha, que visitou nesta semana Vuhlehirsk, relata que os rebeldes se encontram de moral alto e ganhando terreno na região. Ele também viu um canhão antiaéreo de construção russa, ladeado por um "instrutor", que pode operar o dispositivo.
Este é o ponto de partida para o principal interlocutor em Minsk: o presidente russo, Vladimir Putin. A situação militar está a seu favor e a favor do rebeldes apoiados pelos russos. É uma posição de negociação conveniente. Conveniente e às custas de mais de 5 mil civis em Debaltseve.
Cronologia do conflito na Ucrânia
Um conflito político interno levou Moscou e Ocidente ao período de maior hostilidade em mais de duas décadas. As inquietantes memórias da Guerra Fria retornaram ao noticiário internacional com a crise no leste ucraniano.
Foto: AFP/Getty Images/S. Supinsky
Milhares nas ruas em Kiev
A partir de 21 de novembro de 2013, uma onda de manifestações exigindo a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch tomou conta de Kiev. Ao ceder à pressão de Moscou e rejeitar acordo de associação com a União Europeia (UE), Yanukovytch enfrentou a ira da população. Eram os maiores protestos desde a chamada "Revolução Laranja", de 2004. Moscou disse que protestos queriam abalar um governo legítimo
Foto: Getty Images/Afp/Genya Savilov
Repressão gera mais revolta
Yanukovytch se abriu ao diálogo com a oposição. Mesmo assim, a violência policial durante a repressão ao movimento prevaleceu. As unidades "Berkut", conhecidas pela brutalidade, atuaram contra os manifestantes na Praça da Independência e nos bloqueios às sedes do governo em Kiev. Opositores e jornalistas alegavam ser atacados, assediados e perseguidos pelo governo.
Foto: picture-alliance/dpa/Maxim
Banho de sangue em Kiev
Durante quase três meses de manifestações, dezenas de pessoas foram mortas devido à repressão policial. Um dos símbolos dos momentos mais dramáticos na “Maidan", Praça da Independência em Kiev, foi o Hotel Ucrânia, que serviu de hospital, necrotério e base da imprensa. Funcionários contam que, no ápice da violência, corpos se amontoavam no lobby.
Foto: DW/A. Sawitzkiy
A queda de Yanukovytch
No fim de fevereiro, o presidente Yanukovytch fugiu para a Rússia, acusando o Ocidente de alimentar os protestos. Para ele, o acordo alcançado com a oposição não foi cumprido. O pacto definia eleições presidenciais em 25 de maio de 2014 – consideradas por ele ilegítimas - a convocação de um governo de coalizão, a diminuição do poder do presidente e o aumento da influência do Legislativo.
Foto: Reuters
Aumenta tensão militar
Após avanço de militantes com armamento russo no leste da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de conduzir uma "guerra". A Rússia começou então, em março de 2014, a tomar bases militares na Crimeia. A Ucrânia preparou a retirada de seus cidadãos da península e disse que autoridades do governo não puderam entrar no território. O Ocidente começava aumentar a pressão sobre Moscou com sanções.
Foto: AFP/Getty Images
Crimeia é anexada
Em referendo realizado em 16 de março de 2014, 96,6% dos eleitores da península ucraniana da Crimeia optaram por integrar a Federação Russa. A participação foi estimada em 82,71%. O Parlamento da Crimeia declarou a independência e pediu a adesão à Rússia. No dia 20 de março, a Duma (câmara baixa do Parlamento russo) ratificou o tratado para incorporação da Crimeia ao país.
Foto: Reuters
República Popular de Donetsk
Em abril de 2014, os separatistas proclamaram a República Popular de Donetsk e ampliaram o domínio sobre o leste do país, ocupando Horlivka. O líder separatista ucraniano Vyacheslav Ponomaryov rejeitou negociações sobre a libertação de sete inspetores da OSCE enquanto vigorassem as sanções da União Europeia contra personalidades públicas russas e ucranianas.
Foto: Reuters
Leste busca anexação à Rússia
Depois de um controverso “referendo”, líderes de Donetsk e Lugansk passaram a buscar a integração ao território russo. No dia 12 de maio, as duas regiões declararam independência. Insurgentes pediram que Moscou anexasse as regiões, mas o governo de Putin se distanciou da ideia. Pró-russos ignoraram acordo para paz e não entregaram armas.
Foto: Reuters
Novo presidente na Ucrânia
Em 25 de maio, o magnata Petro Poroshenko venceu as eleições presidenciais ucranianas já no primeiro turno, com cerca de 55% dos votos. Kiev anunciou intensificação dos combates até “aniquilar" as forças separatistas e recuperar o aeroporto de Donetsk, em um confronto que deixou 40 mortos. A Rússia exigiu cessar-fogo e acusou o país vizinho de usar as Forças Armadas contra a própria população.
Foto: MYKOLA LAZARENKO/AFP/Getty Images
A queda do MH17
Um avião da Malaysia Airlines, que partiu de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur, foi alvejado por separatistas pró-Rússia no dia 17 de julho de 2014. No voo MH17 havia 280 passageiros e 15 tripulantes. A maior parte era de nacionalidade holandesa. Dez dias depois, peritos ainda não tinham acesso aos destroços do avião devido aos combates.
Foto: Reuters/Maxim Zmeyev
Kiev pede ajuda aos EUA
Em setembro, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko (esq.), pediu aos Estados Unidos apoio militar para combater os separatistas pró-russos. Num discurso na Casa Branca, em Washington, ele afirmou que a Rússia é uma ameaça à segurança mundial. "Se eles não forem contidos agora, vão atravessar as fronteiras da Europa e espalhar seu domínio pelo globo", afirmou.
Foto: picture-alliance/TASS/Ukrainian presidential press service
Leste empossa líder pró-Moscou
Em novembro, o chefe interino da chamada República Popular de Donetsk, Alexander Zakharchenko, venceu por ampla maioria as eleições na região rebelde. Lideranças políticas e militares ignoraram que Kiev e grande parte do Ocidente não reconheciam a votação. Kiev acusou a Rússia de estar movimentando tropas e enviando equipamentos às regiões separatistas do Leste.
Foto: Alexander Khudoteply/AFP/Getty Images
Negociações em Minsk
No fim de 2014, o número de deslocados internos chegaram a 460 mil segundo a ONU. Após seis meses de acordos de cessar-fogo violados, i governo da Ucrânia e rebeldes separatistas retomaram negociações de paz em 24 de dezembro de 2014 em Minsk, capital de Belarus. Além do cessar-fogo duradouro, estiveram em pauta a retirada de armas pesadas, a ajuda humanitária e a troca de prisioneiros.
Foto: picture-alliance/dpa
Acumulando fracassos
No início de fevereiro de 2015, confrontos entre as tropas do governo da Ucrânia e separatistas pró-russos intensificaram-se em Donetsk, Lugansk e Debaltseve, na sequência do fracasso das negociações de um cessar-fogo para a região. Debaltseve, sob controle de Kiev, interliga por via ferroviária Donetsk e Lugansk, ocupadas pelos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/A. Boiko
Novo esforço diplomático
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, fizeram em fevereiro uma viagem surpresa a Kiev e Moscou antes da Conferência de Munique, em um novo esforço diplomático. Eles levaram uma proposta baseada no respeito à integridade territorial da Ucrânia. Novos números do conflito foram divulgados: mais de 5.100 mortos e 900 mil deslocados desde abril de 2014.
Foto: Leon Neal/AFP/Getty Images
Longas negociações levam ao cessar-fogo
Depois de horas de negociação em Minsk, chefes de governo da Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, além de líderes separatistas, chegaram a um acordo sobre o cessar-fogo no leste da Ucrânia. Foi definida a retirada das armas pesadas da linha de frente dos combates. A Europa aumentou os esforços para a paz especialmente depois de os EUA avaliarem a possibilidade de enviar armas e munição à Ucrânia.