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Aventura em duas rodas pela Alemanha

Fernando Scheller19 de junho de 2005

Viajar de bicicleta no verão europeu pode ser uma alternativa saudável e barata. Em um percurso de 500 quilômetros pelo norte da Alemanha, colaborador da DW-WORLD descobre histórias e estórias da cultura alemã.

Prefeitura de Bremen, um dos lugares visitados na viagem de bicicletaFoto: Scheller

O projeto era ambicioso – talvez ambicioso demais para um brasileiro que não andava de bicicleta há muitos, muitos anos. Quinquentos quilômetros pelas ciclovias da região Central e do Norte da Alemanha. O percurso incluía dezenas de cidades, em três Estados diferentes (Hessen, Renânia do Norte-Vestfália e Baixa Saxônia). E, como os interessados na viagem eram estudantes, o objetivo número um era economizar: pensão ou hotel só em casos extremos; sempre que possível, a ordem era acampar.

Depois de algumas viagens curtas de preparação – de cerca de 50 quilômetros –, saímos de Kassel (que fica no norte de Hessen, no centro da Alemanha) numa sexta-feira ensolarada e quente (28 graus). As bicicletas estavam absolutamente carregadas, mas o tempo ajudou e o vento, ainda que fraco, estava a nosso favor. A ajuda de São Pedro foi bem-vinda: o primeiro dia era também o que exigia maior esforço físico, pois preciso percorrer 90 quilômetros para chegar a Höxter e garantir o cumprimento do apertado cronograma.

Dirk e Fernando (à frente), em duas rodas pela AlemanhaFoto: Scheffer

Apesar do bom tempo, já na saída tivemos a nossa primeira baixa: o walkman do Dirk (idealizador, líder e guia de toda a aventura) se espatifou no chão. Como viagem de bicicleta sem música é difícil de agüentar – quando se fica 24 horas por dia junto, uma hora o assunto acaba –, tivemos uma boa desculpa para parar em Hann-Münden e admirar as casas com estrutura de madeira, construídas entre os séculos 14 e 15.

Cidade medieval

Hann-Münden – um dos principais pontos de comércio da Alemanha durante a Idade Média – não foi destruída na Segunda Guerra Mundial. Hoje, portanto, os turistas ainda podem apreciar as construções antigas em sua forma original. Pode ser um jogo interessante tentar descobrir quando as diferentes residências foram construídas – geralmente, o ano em que as casas foram erguidas está estampado na fachada dos edifícios.

Após mais ou menos uma hora em Hann-Münden (escolher um walkman é uma tarefa aparentemente difícil), seguimos pelo caminho de bicicleta do Rio Weser, que se estende até o Norte da Alemanha. Mesmo correndo contra o tempo, pudemos apreciar o Castelo Bursfelde – um dos símbolos da introdução do Cristianismo no norte da Europa, no século 9 –, que fica nas proximidades de Hemeln. Paramos para almoçar, às 4 da tarde, em Bad Karlshafen, que tem arquitetura totalmente diferente das outras cidades da região – construções brancas, de tijolos –, reflexo do fato de a cidade ter sido fundada por protestantes de origem francesa.

Hann-MündenFoto: Scheffer

O primeiro dia seguiu sem outros sobressaltos, até a chegada em Höxter. Mesmo às 8 horas da noite – nessa época do ano, não escurece antes das 10 na Alemanha –, o sol estava quente e o céu, azul. Decidimos aproveitar para nadar na piscina pública de Höxter. Lá, formos advertidos de que a previsão do tempo para a noite era chuva, trovoadas e vento. Foi até difícil de acreditar, dada a sorte e o sucesso do primeiro dia de viagem, mas os moradores de Höxter estavam certos: a primeira noite de acampamento foi infernal. Conseguimos nos proteger da chuva, mas não do vento. Resultado: começamos o segundo dia resfriados.

A nobreza e a fantasia

Logo de início, decidimos que em virtude do chuvisco e do vento constantes, ficaríamos em um albergue ou pensão no segundo dia. Após tomarmos café da manhã – a chuva havia anulado qualquer plano de jantar na noite anterior –, rodamos até Bodenwerden, famosa por ter sido a terra do Barão de Münchhausen. Depois, seguimos a Hameln, conhecida por ser a terra do conto em que um flautista salva a cidade da praga de ratos. Após uns 15 minutos de chuva e muito vento, chegamos finalmente à Pensão Sonnenblick (Vista do Sol).

Revigorados pelas 12 horas de sono em cama macia, nada poderia nos preparar para o que já sabíamos: havia água no nosso futuro. Choveu o dia inteiro e Dirk, que também atende por "Mestre dos Mapas", decidiu que tomaríamos um atalho. Apesar de o caminho em questão incluir um incontável número de ladeiras, os 60 quilômetros foram transformados em pouco mais de 40. Eliminando os intervalos – não havia, afinal, muita razão para fazer pausas –, chegamos a Porta Westfálica às 3 horas da tarde.

Casa típica do norte alemãoFoto: Scheffer

Encharcados, decidimos ficar no Albergue da Juventude novamente. O albergue, geralmente uma boa oportunidade para conhecer pessoas novas, estava deserto. Mas a chuva havia parado e decidimos que seria uma boa oportunidade para subirmos três quilômetros de bicicleta para conhecer o monumento em homenagem ao imperador Guilherme 1º, construído no fim do século 19. Entretanto, no meio do caminho naturalmente a chuva voltou. Mesmo molhados, conhecemos outro importante monumento que sobreviveu à destruição provocada pela Segunda Guerra.

As planícies do Norte

No quarto dia de aventura, ao deixarmos Posta Westfálica, saímos também da área montanhosa do centro da Alemanha e entramos na região norte do país, em que as planícies predominam – um fator que incentiva o tráfego de ciclistas. Após passarmos por Minden, fizemos uma parada em Nienburg, conhecida pela Igreja de São Martinho, construída há mais de mil anos e restaurada após ser parcialmente destruída na Segunda Guerra. A paisagem desta região é dominada pelos moinhos de vento, pelos pinheiros e plantações de trigo e aveia.

O dia nublado, em que o sol só aparecia de vez em quando, formou uma paisagem espetacular. Campos de aveia e trigo de um lado, formações de pedra de outro e uma longa planície que parecia não ter mais fim formavam um espetáculo para olhos que ganhava novos tons a cada minuto, de acordo com a força do sol para vencer a barreira das nuvens. Como diz o comercial de tevê, um daqueles momentos que não têm preço.

Após acamparmos em Oyle, uma comunidade perto de Minden, saímos do caminho de bicicletas do Rio Weser para seguirmos em direção a Twistringen. Nesta região, predominam as casas de backstein (tijolo-à-vista) – na verdade, muitas das pequenas localidades do norte da Alemanha são formadas por duas ou três casas, uma igreja e um cemitério.

Um perfeito pit stop

Uma boa surpresa em uma dessas pequenas vilas foi o Safttankestelle (Posto de Abastecimento de Suco), localizado em Schweringen. Logo na entrada, encontramos Claudia (a proprietária), seus dois filhos e mais diversos clientes que saíam satisfeitos do local. "Sehr lecker (Muito gostoso)", afirmavam, fazendo a boa propaganda. O suco de maçã, feito por Claudia e pelo marido, é realmente muito melhor dos que os comprados em supermercado. Ela contou que recebe clientes de vários países, inclusive alguns de Portugal e da Inglaterra. Brasileiro, porém, ela disse que fui o primeiro.

Foto: Scheffer

Após outro acampamento, desta vez em uma floresta em Twistringen, decidimos fazer o caminho mais difícil para fugir do barulho das ciclovias localizadas ao lado das auto-estradas. Com isso, acabamos sem querer encontrando um vilarejo chamado Dötlingen, que abriga uma relíquia da natureza: duas árvores com mais de mil anos de idade. Após uma rápida passagem por Oldenburg, usamos o trem pela primeira vez, em direção a Bremen.

Pessoas interessantes

Com quase 600 mil habitantes, Bremen é importante tanto para o turismo quanto para a economia da Alemanha. Por isso, está cheia de visitantes de diversas partes do mundo. O Albergue da Juventude, em contraponto ao de Porta Westfálica, estava repleto de estudantes estrangeiros. Dividimos o quarto com um finlandês que fazia uma viagem de moto pela Europa e durante o café da manhã conhecemos uma inglesa que estava "mochilando" pela Alemanha.

Bremen, além de ter uma série de pontos turísticos interessantes – o prédio da Prefeitura (sempre uma atração na Alemanha), a catedral e o Schnoorviertel –, é um dos principais centros comerciais da Europa desde a Idade Média. No passado, o porto da cidade era um dos receptores europeus de cacau e café produzidos no Brasil.

Enfim, a chegada ao Mar do Norte!Foto: Scheller

Voltando à trilha do Mar do Norte, no sétimo dia de viagem, encontramos outros ciclistas alemães. Manfred, na casa dos 60 anos, viajava ao lado da esposa, e não tinha destino certo. Ambos aposentados, aproveitavam o tempo livre para conhecer diferentes partes do país e garantir a boa forma física. O casal pedala cerca de quatro mil quilômetros ao ano e recomenda a atividade para a manutenção da boa forma: "Tivemos amigos que morreram de câncer e de outras doenças e nós estamos aqui, saudáveis".

O tempo e o vento

Cerca de 70 quilômetros ao norte de Bremen, Elsfleth foi a nossa parada do dia. Após alguns dias nublados, com chuvisco e vento, o tempo finalmente melhorou. O céu azul completou a bela paisagem formada pelo encontro dos rios Weser e Hunte, a 30 quilômetros do Mar do Norte. A alegria, porém, durou pouco. No dia seguinte, quando finalmente entramos na balsa que nos levaria ao Mar do Norte (em Bremerhaven), o vento estava tão forte que era difícil ficar em pé. O bilheteiro da balsa nos aconselhou a procurar abrigo e nos cumprimentou por termos chegado ao nosso destino.

Com mais um dia para gastar – rodamos os 450 quilômetros mais rapidamente do que havíamos imaginado inicialmente–, resolvemos seguir para Hamburgo, a segunda maior cidade da Alemanha e o município de maior renda per capita da Europa. O plano de viagem incluía também as cidades históricas de Lüneburg e Stade. Para o bem das nossas pernas, porém, o último dia da aventura foi todo percorrido de trem.

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