Citando "ambiente geopolítico caótico", governo do país europeu anuncia que vai postergar por dez anos plano para fechar todos os seus reatores nucleares. Alemanha também enfrenta pressão para manter usinas.
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A Bélgica anunciou na sexta-feira (18/03) pretende adiar até 2035 o abandono da energia nuclear no país, que inicialmente estava prevista para ocorrer 2025. O anúncio foi feito em meio à incerteza causada pelo aumento de preço da energia provocado pela invasão russa da Ucrânia. O governo local citou o "ambiente geopolítico caótico" para justificar a decisão.
"O governo federal decidiu adotar todas as medidas necessárias para prolongar em dez anos a vida dos dois reatores nucleares mais novos", escreveu o o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo. no Twitter.
"Esta extensão deverá permitir reforçar a independência do nosso país face aos combustíveis fósseis, num contexto geopolítico caótico", acrescentou.
Alexandre De Croo anunciou, ao mesmo tempo, um "impulso" para as energias renováveis através de "investimentos adicionais" em energia eólica, hidrogénio, solar e mobilidade sustentável.
A nova estratégia do governo belga consiste em "prolongar durante dez anos" a vida útil dos reatores nucleares de Doel 4 (perto do porto de Antuérpia) e Tihange 3 (perto de Liège), ou seja, até 2035.
O Executivo liderado por Alexandre De Croo terá agora que negociar com o operador destas duas centrais nucleares, o grupo francês Engie.
No entanto, a empresa grupo expressou fortes reservas sobre esta mudança tardia de opinião do governo belga, através de um comunicado.
A Engie indicou que "vai contribuir para esta reflexão, estudando com o governo a viabilidade e as condições de implementação das soluções previstas nesta fase".
"A decisão de estender os reatores Doel 4 e Tihange 3 trazem importantes restrições de segurança, regulamentação e implementação, especialmente porque essa extensão ocorreria mesmo que as atividades de desmantelamento das unidades vizinhas já tivessem começado", lembrou o grupo francês.
A promessa para uma saída gradual da energia nuclear está consagrada na lei belga desde 2003.
O partido verde belga fez da eliminação da energia nuclear em 2025 uma condição para ingressar na coligação, politicamente frágil, de sete partidos, formada em 2020 para pôr fim à incerteza política que durou mais de um ano após as eleições.
No entanto, a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro fez disparar os preços da energia e este partido ambientalista já indicou que está disposto a considerar um cenário alternativo.
A Alemanha, principal economia da União Europeia (UE), também enfrenta pressões para rever seu plano de abandonar a energia nuclear, apesar de essa possibilidade ter sido descartada na semana passada por ministros do governo do chanceler federal Olaf Scholz.
A UE está em busca de alternativas para reduzir sua dependência energética da Rússia, responsável pelo fornecimento de 40% das necessidades de gás do bloco, principalmente de Alemanha, Itália e países da Europa central.
Enquanto isso, a França produz cerca de 70% de sua energia em usinas nucleares e planeja construir mais reatores.
jps (AFP, Lusa, ots)
Quatro décadas de movimento antinuclear alemão
Protestos contra a energia atômica deram origem ao Partido Verde mais forte do mundo. Eles obtiveram muitas vitórias desde os anos 70, mas também registraram reveses.
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Nasce um movimento
O movimento antinuclear despontou na Alemanha já no início dos anos 1970, com os protestos contra os planos para a construção de uma usina nuclear em Wyhl, perto da fronteira com a França. A polícia foi acusada de empregar força excessiva para conter os manifestantes. Mas, no fim, estes venceram, e o projeto nuclear foi arquivado em 1975.
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Desobediência civil
Animados pelo sucesso em Wyhl, no fim da década de 70 protestos semelhantes de desobediência civil se realizaram em Brokdorf e Kalkar. Embora não tenham conseguido evitar a instalação dos reatores, eles provaram que o movimento antinuclear ganhava força no país.
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Não ao lixo radioativo
A cidade de Gorleben tornou-se palco de protestos veementes contra a indústria nuclear desde que, em 1977, foram anunciados planos de usar uma mina de sal desativada como depósito para resíduos atômicos. Apesar de a área próxima à fronteira da extinta Alemanha Oriental ser pouco populosa, seus habitantes logo deixaram claro que não aceitariam sem luta ter material radioativo perto de seus lares.
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Um passo para a bomba?
Desde o início, o movimento antinuclear alemão reuniu organizações religiosas, agricultores e moradores apreensivos, lado a lado com ativistas estudantis, acadêmicos e pacifistas, que viam uma conexão entre energia nuclear e a bomba atômica. Como país ao longo da fronteira da Guerra Fria, o medo de um conflito nuclear pairava na mente de muitos alemães.
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Ingresso na política partidária
No fim dos anos 70, ativistas antinucleares se juntaram a outros defensores do meio ambiente e da justiça social para formar o Partido Verde. Tendo conquistado seus primeiros assentos no parlamento federal em 1983, hoje ele é uma força política estabelecida na Alemanha, e possivelmente o Partido Verde mais forte do mundo.
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Os piores medos se tornam realidade
Em 1986, o derretimento nuclear de um reator a centenas de quilômetros, em Tchernobil, na Ucrânia, espalhou partículas radioativas pela Europa e fortaleceu a resistência à energia nuclear entre a opinião pública da Alemanha. O Partido Verde estava no poder em Hessen, mas o secretário do Meio Ambiente, Joschka Fischer, disse que não seria possível fechar de imediato as usinas do estado.
Foto: picture-alliance / dpa
Lei sela fim da energia atômica
Em 1998, os verdes passaram a integrar o governo federal da Alemanha, como parceiro minoritário do Partido Social-Democrata. Em 2002, essa coalizão "rubro-verde" aprovou uma lei proibindo novas usinas nucleares e reduzindo a vida útil das existentes, de modo que as últimas fossem desativadas em 2022.
Foto: picture-alliance / dpa
Mantendo a pressão
Mesmo com o fim da energia atômica à vista, o movimento antinuclear ainda tinha muito contra o que protestar. Numerosos ativistas, inclusive do Partido Verde – cujos então líderes Jürgen Trittin e Claudia Roth são vistos nesta foto de 2009 – exigiam um fim bem mais rápido dos reatores, dentro de uma onda antinuclear global.
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Parem este trem!
Continuava em aberto a questão de o que fazer com os resíduos radioativos dos reatores da Alemanha. Em 1995, os bastões irradiados eram reprocessados no exterior e depois trazidos de volta em trens para o depósito em Gorleben. Anos a fio, os assim chamados "transportes Castor" foram recebidos com protestos de ativistas, que sentavam sobre os trilhos dos trens até serem removidos pela polícia.
Foto: dapd
Merkel reverte decisão dos verdes
A União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, sempre se opusera à lei limitando a vida útil das usinas nucleares. Assim, em 2009, ao formar uma coalizão com os liberais, o partido anulou a medida, num duro golpe para o movimento antinuclear.
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Fukushima força Merkel a rever a própria decisão
Em 2011, o derretimento nuclear de três reatores em Fukushima, no Japão, forçou o governo de Merkel a voltar atrás rapidamente. Poucos dias após o desastre, Berlim aprovava uma lei estabelecendo o fechamento da última usina nuclear da Alemanha em 2022. O processo de desativação gradual foi retomado, com oito reatores sendo desligados já em 2011.