Alta comissária da ONU para os direitos humanos critica governos Bolsonaro e Trump por "andarem para trás" em termos de políticas ambientais, e alerta contra ataques a ativistas e indígenas na Amazônia.
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A alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, Michelle Bachelet, acusou nesta quinta-feira (27/02) o Brasil e os Estados Unidos de "andarem para trás" no que diz respeito à proteção ambiental.
"A proteção de nosso meio ambiente é fundamental para que se desfrutem todos os direitos humanos", disse a ex-presidente do Chile em depoimento à Comissão de Direitos Humanos da ONU. Ela lamentou o que chamou de "retrocessos importantes nas políticas de proteção ao meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas" no Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro vem sendo fortemente criticado por flexibilizar as restrições à exploração dos recursos naturais da Amazônia. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o desmatamento na região amazônica foi 85% maior do que no ano anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Ainda sobre o Brasil, Bachelet disse que se proliferam no país "ataques e até assassinatos de defensores dos direitos humanos, entre estes, muitos líderes indígenas". "Também há um aumento das requisições das terras de indígenas e afrodescendentes, além de esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e seus movimentos."
Bachelet afirmou ainda que os Estados Unidos dão "passos atrás" em termos da proteção das vias navegáveis e áreas úmidas. Ela ressaltou que substâncias tóxicas sem tratamento podem ser despejadas em "milhões de quilômetros quadrados de água, o que põe em perigo os ecossistemas, a água potável e a saúde humana".
Em 2019, Donald Ttrump revogou uma lei estabelecida durante o governo de seu antecessor Barack Obama, que protegia os recursos hídricos. A medida foi condenada por ambientalistas, mas celebrada por agricultores e pelo setor da construção. Ela fez parte de uma série de decisões tomadas por Trump, desde que assumiu o cargo em 2017, trazendo impactos negativos ao meio ambiente.
Bachelet, por outro lado, elogiou o chamado Acordo Verde da União Europeia, que visa atingir a neutralidade climática no continente até 2050. Porém alertou os europeus para que adotem políticas sociais fortes a fim de garantir que essa transição não deixe para trás nenhum setor da sociedade.
A alta comissária pediu ainda maior atenção às causas da onda de protestos em países como Chile e Equador, e expressou preocupação com a atual situação da Bolívia.
"No Chile e no Equador, assim como em outros países, existe a necessidade de garantir a responsabilização pelas violações dos direitos humanos perpetradas durante os protestos", disse, acrescentando que os governos desses países devem dar atenção ao motivo das manifestações que, segundo afirma, é a desigualdade.
Num pronunciamento ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre as ameaças a esses direitos em todo o mundo, Bachelet disse que seu comissariado enviou missões de investigação após os protestos, que resultaram em recomendações para investigar e julgar as violações ocorridas desde outubro de 2019.
Sobre a Bolívia, mencionou a crise política também iniciada em outubro de 2019 com os distúrbios que resultaram na renúncia do presidente Evo Morales e deixaram pelo menos 35 mortos e 800 feridos, "na maioria, em operações do Exército e da polícia".
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.