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"Baixa mobilidade social no Brasil é freio ao crescimento"

13 de dezembro de 2020

Em entrevista à DW Brasil, economista Paulo Tafner aponta que elite do país valoriza pouco a competição. "Para as elites que extraem a sua riqueza de nacos no estado, produtividade e mobilidade social são irrelevantes."

Rio de Janeiro Armernviertel Favelas
Foto: picture-alliance/dpa

Os descendentes de um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres do país levam, em média, nove gerações para alcançarem a renda mediana da sociedade. O dado, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dá uma amostra de como é difícil para pessoas pobres ascenderem socialmente no Brasil.

Entre os países do levantamento, o Brasil perde apenas para a Colômbia. Na Argentina, leva-se seis gerações para percorrer o mesmo caminho, no Canadá, quatro, e na Dinamarca, duas.

A baixa mobilidade prejudica não apenas para os indivíduos que nascem pobres, mas freia o potencial de crescimento e desenvolvimento da sociedade como um todo, afirma o economista Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, lançado em novembro para estudar o fenômeno e sistematizar e propor políticas públicas que se mostraram eficazes para reverter esse quadro.

O fator mais relevante na mobilidade social, diz, é a qualidade da educação. E, com educação insuficiente, faltarão no país pesquisadores para desenvolver tecnologias e mão de obra capaz de sustentar ganhos de produtividade e eficiência no longo prazo.

"Entre os filhos de pais analfabetos ou sem o fundamental completo, dois de cada três filhos serão também analfabetos ou não concluirão o ensino fundamental. (…) A nova geração está amarrada à história da sua família", afirma Tafner à DW Brasil.

Ele diz que parte da elite brasileira é responsável pela manutenção da baixa mobilidade social no país, ao valorizar pouco a competição e se especializar em extrair riqueza do estado fazendo uso de seu poder político. "Para eles, produtividade e mobilidade social são irrelevantes", afirma.

DW Brasil: Qual é a relação entre desigualdade e mobilidade social?

Paulo Tafner: A mobilidade social é a possibilidade de uma geração que nasce com desigualdades naturais, como entre os que nascem em um família rica ou em uma família pobre, reduzir essa desigualdade. Para os que nascem em famílias de baixa escolaridade e baixa renda, é aumentar a chance para que alcancem os degraus médios de renda e de educação.

Em um país com todos os problemas do nosso, há um entendimento de que toda a desigualdade seria ruim. Mas nem toda desigualdade é ruim. Quando ela deriva exclusivamente da capacidade individual, quando as pessoas competem ao longo da vida e as condições são semelhantes, ela pode ser boa.

O problema é quando a pista é diferente. Quando você tem uma geração de crianças disputando uma corrida, mas umas em uma pista muito curta, que leva a um patamar muito baixo, e outras em uma pista longa, na qual se pode atingir patamares muito elevados. De antemão, eu limito a capacidade de produção de resultados diferentes na sociedade, porque os mecanismos de mobilidade não estão funcionando. Você perpetua a situação de desigualdade.

O senhor tem exemplos de como a baixa mobilidade social se manifesta no Brasil?

Um dos resultados que temos é de uma pesquisa feita pelo IBGE, em 1996 e em 2014, que perguntou aos indivíduos as informações de seus pais. Entre os filhos de pais analfabetos ou sem o fundamental completo, dois de cada três filhos serão também analfabetos ou não concluirão o ensino fundamental. Por outro lado, quando olho os filhos cujos pais têm nível superior, ocorre o inverso, 70% têm nível superior. A nova geração está amarrada à história da sua família, para o bem ou para o mal. E os mecanismos que poderiam romper com isso não estão funcionando.

Outro fator é a persistência de categorizações profissionais entre uma geração e a geração sucessora. A chance de um filho de trabalhador braçal ser também um trabalhador braçal é muito alta. A escola não é capaz de reduzir a desigualdade natural. A saúde não é capaz de reduzir essa desigualdade natural. E o mercado de trabalho, por si só, também não é capaz de reduzir essa desigualdade original. Esses mecanismos não estão funcionando e precisam ser corrigidos.

Isso impacta no dinamismo da economia?

Certamente, a baixa mobilidade social é um freio ao potencial de crescimento. O crescimento, para se efetivar, precisa de dois fatores, o capital e a mão de obra. A qualificação da mão de obra é fundamental para determinar o potencial de produção. Suponha que você tenha um país com baixíssima escolaridade e uma oferta enorme de alta tecnologia de produção. Não adianta colocar trabalhadores analfabetos, não vai funcionar, não sabem nem ler o painel. O estoque de capital físico sempre é possível financiar, se não tem, importa. Mas capital humano é muito difícil importar. Não dá para imagina um país que vai crescer com a importação permanente de mão de obra qualificada, até porque se criaria uma série de problemas sociais e políticos.

Quanto tivemos o mini boom econômico do final de 2009 até 2014, era frequente ouvir gerentes de recursos humanos dizendo que não tinha mão de obra. Mas como, se tem milhões e milhões de trabalhadores no Brasil? Falta mão de obra qualificada, e se as empresas estão dizendo, isso está limitando a sua capacidade de produzir.

O problema é que é muito difícil requalificar, incorporar muito conhecimento, a partir de uma certa idade. Por isso, quando a gente fala em mobilidade, estamos falando de foco em crianças e jovens, é ali que a gente tem que trabalhar. Temos que ter uma mobilidade intergeracional, ou seja, a geração de filhos mais produtiva e mais qualificada que a geração dos pais.

Neste ano, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição que torna o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)  uma política permanente e ampliou os repasses da União aos Estados até 2026. É verba suficiente para termos uma educação que aumente a mobilidade social?

O Brasil gasta com educação, em proporção do PIB, algo muito semelhante ao que o Chile gasta. Entretanto, o gasto na ponta por aluno é menor, uma parcela grande desse gasto se perde no caminho. Você tem uma máquina burocrática que consome esses recursos. E o resultado da educação brasileira, vis à vis à chilena, é pífio.

Não se trata propriamente do gasto em si, há outros aspectos relevantes. Por exemplo, no Brasil perde-se um número de aulas dentro do calendário letivo, que chega em algumas escolas a quase 30% das aulas porque ocorre falta do professor. Há muitos trabalhos evidenciando também que os resultados dos alunos são melhores quando você tem um diretor e os professores engajados no processo, trazendo os pais para o processo, com acompanhamento regular dos alunos e aulas de reforço específico, cujo custo é microscópico.

Pegamos o caso de alguns municípios do Ceará no Padin (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Infantil). Definiu-se qual é o conteúdo a ser ensinado e isso é verificado semanalmente, acompanhando os professores. É necessário que o professor dê os elementos da matéria, e ele pode ser observado. Os pais são envolvidos e o resultado é que essas escolas têm obtidos sistematicamente os melhores resultados nos exames nacionais. Mas é difícil fazer isso quando os sindicatos de professores acham que alguém observar a aula é ferir a autonomia do professor, ou quando professores são avaliados isso fere o direito do trabalhador. A educação é o aluno, todo o resto deve gerar em torno desta figura fundamental, que é o aluno e a capacidade de aprendizado.

Existe responsabilidade da elite brasileira em relação à baixa mobilidade social no país hoje?

Claro, parte da nossa elite valoriza pouco o processo de competição. Parte da elite é rent seeking, extrai a sua riqueza na expressão do seu poder político em abocanhar partes do dinheiro público. E não são poucas essas elites, são grandes. Não são todos, você tem [na elite] pessoas excepcionais, preocupadas com isso. Mas você tem uma parte da elite que aprendeu a extrair renda do Estado e vive disso.

Não é possível que nossas elites não estejam atentas para o fato de que um jovem às vezes sai do segundo grau sem saber concretamente fazer regra de três nem interpretar texto adequadamente. Isso seria fundamental para a elite que quer continuar sendo elite ganhando produtividade e eficiência. Esses querem alta mobilidade social, pois terão uma massa de trabalhadores muito mais bem preparada e capaz de gerar ganhos de produtividade. Agora, para as elites que extraem a sua riqueza de nacos no estado, produtividade e mobilidade social são irrelevantes.

Há espaço no Brasil para políticas públicas baseadas em evidência, num momento em que o próprio presidente da República nega a ciência?

Há experiências no Brasil. Como mencionei, no Ceará, você tem experiências no Piauí. Lançamos em 11 de novembro, em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Prêmio Nacional de Política Pública Baseada em Evidências, incentivando administradores do Brasil afora. E há muitos administradores competentes, procurando definir políticas baseadas em evidências lá no seu município, na sua secretaria. Se você me perguntar se é a grande maioria, certamente que não. O nosso desafio é ampliar a divulgação da necessidade de estabelecermos políticas baseadas em evidências para todos os cantos do país.

Há boas experiências na área de educação infantil e pré-infantil, no período gestacional da mulher e na área de prevenção de risco juvenil. Agora precisamos verificar se essas experiências são replicáveis e incorporar essas práticas na legislação temática de educação, de saúde, de assistência social, para que as boas práticas já comprovadas sejam uma obrigação de política pública.

Temos que deixar de ser paternalistas e estar mais preocupados em atingir a mobilidade social para aumentar o acesso das crianças e jovens. Se não, vamos continuar perpetuando pobreza e ignorância.

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