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Baixar juros do crédito consignado, um tiro pela culatra?

Alexander Busch | Kolumnist
Alexander Busch
22 de março de 2023

Reduzir os juros de empréstimos para aposentados e pensionistas pobres parece justo. Mas a torneira do crédito barato foi fechada, e quem precisa de dinheiro pode ter que recorrer a agiotas ou juros altos no cartão.

"Com o teto dos juros, [o ministro da Previdência Carlos] Lupi agora conseguiu exatamente o contrário do que queria. Quase todos os bancos no Brasil anunciaram que suspenderam a oferta do crédito consignado. Para 15 milhões de tomadores de empréstimos, as alternativas são recorrer a agiotas ou pagar juros estratosféricos no cartão de crédito."Foto: Roberto Casimiro/Fotoarena/IMAGO

Quando, em 1988, o Brasil aprovou a nova Constituição federal, os envolvidos na elaboração tiveram orgulho de um parágrafo em especial, no qual ficou estabelecido que os juros no Brasil não poderiam ultrapassar 12% ao ano a partir dali. 

O fato de que, depois disso, até a Selic, a taxa básica de juros do Banco Central, nunca ter ficado abaixo desse nível máximo, fez com que o parágrafo fosse riscado da Carta fundamental em 2003. 

Porém, vinte anos depois, o governo Lula parece acreditar que basta apenas definir juros para solucionar o problema dos empréstimos caros. Infelizmente, esse não é o caso – uma realidade que Carlos Lupi, ministro da Previdência, está precisando encarar no momento. 

Ainda na última semana, Lupi comemorou o fato de o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) ter estabelecido um limite para os juros do crédito consignado. Em vez dos atuais 2,14% ao mês, os bancos só poderão cobrar 1,7% mensais sobre o empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS. O Conselho aprovou o teto dos juros com 12 votos a favor e três contra, mas a medida foi aprovada sem falar com bancos, representantes dos interesses de aposentados ou o Banco Central. 

A consequência: quase todos os bancos no Brasil agora anunciaram que suspenderam a oferta do crédito consignado – inclusive bancos públicos como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. O argumento: com juros de 1,7% ao mês, perderiam dinheiro com cada empréstimo. E esse retorno negativo é proibido para os bancos, por lei, desde 2013 – uma medida pela qual o Banco Central queria impedir que bancos oferecessem crédito sob pressão política e que ocasionaria perdas. Em última instância, isso poderia desestabilizar o sistema financeiro. 

O dano, agora, é grande, já que, dos cerca de 32 milhões de aposentados e aposentadas no Brasil, cerca de metade tem o empréstimo descontado do pagamento das aposentadorias. 

Bons clientes

O crédito consignado (CC) foi implementado por lei em 2003. Com ele, aposentados e pensionistas do serviço público, militar e do INSS têm a possibilidade de conseguir empréstimos mais baratos, com juros menores. Do ponto de vista dos bancos, aposentados e pensionistas são bons clientes, porque os juros e as amortizações são descontadas diretamente do benefício ou da pensão recebida pelo INSS. O risco para os bancos é menor; as instituições podem cobrar juros mais baixos. 

Na prática, para muitos brasileiros, o CC é a única oportunidade de conseguir um empréstimo. Famílias inteiras dependem do fato de o avô ou a avó receberem crédito sobre a aposentadoria. Cerca da metade dos 14,5 milhões de beneficiários do CC não conseguiria obter um empréstimo no sistema financeiro oficial. 

Mas, com o teto dos juros, Lupi agora conseguiu exatamente o contrário do que queria: "Na verdade, o resultado é bom, mas não é", disse Tonia Galleti, uma das representantes dos pensionistas e aposentados dentro do Conselho, ao jornal Folha de S. Paulo. "Que legal que baixou os juros, mas que ruim, porque não tem mais o produto."

Para o ciclo econômico da maioria pobre da população brasileira, é uma catástrofe: cerca de 5 bilhões de reais são injetados mensalmente no sistema financeiro pelo CC. Com isso, as famílias pagam os pedreiros que vêm reformar a própria casa, por exemplo. Com o crédito, compra-se comida no final do mês quando a renda não é suficiente. 

Agiotas e juros estratosféricos no cartão de crédito

A totalidade da economia informal vai sentir o fim da oferta do CC. E os chamados "pastinhas", agentes de crédito de empresas terceirizadas contratadas pelos bancos para tratar do crédito consignado podem sair de cena e ficar sem trabalho.

As alternativas para os cerca de 15 milhões de tomadores de empréstimo que deverão ficar inadimplentes em breve não são boas: eles poderam recorrer a agiotas que não cobram menos de 20% de juros ao mês, cobrando dívidas com violência quando elas não são pagas. Também os financiadores de consumo que prometem dinheiro vivo na mão cobram juros altos. Para todos aqueles que possuem um cartão de crédito válido, vai sobrar pagar as dívidas por esse meio – com juros de mais ou menos 400% ao ano. 

Às vezes, boas intenções podem significar exatamente o contrário. É possível que os bancos se sentem à mesa para negociar com o CNPS e com as federações de representantes de aposentados e pensionistas. Mas o governo também poderia ter conseguido fazer isso antes.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Tropiconomia

Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.