Banco Mundial e ONU consideram "títulos de refugiados"
Nicolas Martin (fc)14 de outubro de 2015
O combate à crise migratória ameaça esbarrar na falta de verbas. ONU e Banco Mundial estudam como elevar recursos para auxiliar migrantes, com a conversão de garantias dos países industriais em títulos financeiros.
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Mais de 60 milhões de pessoas estão atualmente em trânsito pelo mundo, fugindo da pobreza, guerra e perseguições. Diante de tais números, o tema também chamou a atenção da elite financeira. O chefe do Banco Mundial, Jim Yong Kim, descreve a crise de deslocamento como "a maior desde a Segunda Guerra Mundial" e que "continuar assim não é mais uma opção".
Paralelamente à reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), altos funcionários governamentais se reuniram em Lima, Peru, para discutir as crises mundiais de refugiados.
"Em nosso país temos 1,7 milhão de refugiados, no contexto de uma população de 4 milhões de habitantes", declarou Alain Bifani, diretor-geral do Ministério das Finanças do Líbano, fazendo uma comparação: "É como se toda a população do México se mudasse para os Estados Unidos e fosse viver lá."
Crise subfinanciada
Estados como a Jordânia, Líbano, Turquia ou Iraque dependem sobretudo da ajuda da Organização das Nações Unidas para lidar com a crise. Porém, ainda em setembro, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) queixou-se que em muitos países a verba para assistência aos migrantes não é mais suficiente.
O Programa Alimentar Mundial da ONU também acusa falta de recursos e já teve que cancelar a ajuda alimentar para cerca de 330 mil refugiados na Jordânia. Referindo-se ao Líbano, Bifani alertou que "se os refugiados não receberem um melhor auxílio no país, eles vão para outro lugar".
Enquanto isso, a crise de refugiados alcançou as capitais europeias. No fim de setembro, os países do G7 também reagiram. Sob o slogan "Combater as causas da fuga", os líderes das sete nações mais industrializadas do mundo prometeram disponibilizar mais 1,8 bilhão de euros em recursos.
"Naturalmente, a vontade política de mudar algo no nível mundial é maior, agora que os países industrializados foram atingidos", aponta Benjamin Schraven, pesquisador de migração no Centro Alemão de Política de Desenvolvimento (DIE).
Dois pilares do plano
Agora o Banco Mundial reagiu, apresentando as primeiras propostas de solução no último fim de semana, em conjunto com a ONU. A instituição bancária pretende recorrer a novas formas de financiamento a fim de acumular mais capital para a melhoria da situação dos refugiados.
A estratégia se baseia em dois pilares: em primeiro lugar, as nações industriais deverão disponibilizar mais verbas para os países que acolhem um número especialmente grande de refugiados. Em segundo lugar, uma novidade: as potências fornecem garantias financeiras, que o Banco Mundial e Banco Islâmico de Desenvolvimento converterão em títulos de crédito especiais.
As verbas assim canalizadas serão direcionadas para as regiões em crise. "Nós temos que começar a investir agora num novo futuro para o Oriente Médio e o Norte da África", afirma Kim, chefe do Banco Mundial. Os apelidados "títulos de refugiados" incluem também produtos financeiros que estejam em conformidade com a lei islâmica – ou seja, que rendem juros diretos.
"Mão invisível" do mercado livre
Até agora não se sabe exatamente a forma exata desses títulos. Eva Youkhana, especialista em migração do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento (ZEF, na sigla alemã), vê a ideia com ceticismo. "Essa é certamente uma ferramenta para disponibilizar verbas rapidamente. Mas não estou muito segura de que a 'mão invisível' do mercado livre seja adequada para reagir a crises humanitárias."
Um grupo de trabalho estuda as propostas até fevereiro de 2016. No momento, a intenção é que esse capital esteja vinculado a determinados projetos de reconstrução ou para a melhoria das condições de vida dos refugiados.
Ainda não está claro quem poderá emitir e comprar os títulos. "Não se deve incentivar a especulação com esses bônus. Isso seria muito ousado, nesse contexto de carência humanitária", adverte Youkhana.
A especialista do ZEF opina que os créditos – ou seja, as atribuições reais de dívida – podem representar uma pressão excessiva para os países se, por exemplo, a carga de juros não puder mais ser saldada. "Enquanto não estiver claro sob que condições o produto financeiro será colocado no mercado e quem estará envolvido, tudo está me parecendo muito pouco refletido."
Abordagem global
Benjamin Schraven, do DIE, não acredita que, no final das contas, instrumentos financeiros serão efetivamente usados para a situação dos refugiados. Isso mostra que o atual – e ainda vago – plano do Banco Mundial também deverá seguir contando com subsídios diretos e não se orientar somente no poder do mercado.
Para o especialista, as reflexões em Lima sã,o sobretudo, um sinal de que cada vez mais a questão dos refugiados é vista e abordada de forma global.
"Com muita vontade, pode-se reconhecer os primeiros sinais de um raciocínio no sentido de um Plano Marshall para a crise global de refugiados", diz Schraven. Contudo ainda é cedo demais para julgar o que vai acontecer. Antes, as propostas precisam assumir formas muito mais concretas, aconselha o pesquisador.
As fronteiras mais protegidas do mundo
Elas não dividem apenas países, mas separam pais de filhos, ricos de pobres, cristãos de muçulmanos. Conheça algumas das fronteiras mais vigiadas e controversas.
Foto: Wualex
Sérvia-Hungria: coração da rota dos Bálcãs
Numa imagem simbólica da atual crise, migrantes entram na União Europeia ao cruzarem trilhos entre a Sérvia e a Hungria. Em setembro, a fronteira foi fechada, obrigando os refugiados a buscarem novas rotas. Em agosto deste ano, a quantidade de pessoas detectadas nas fronteiras da Europa ultrapassou o número registrado em todo o ano passado: foram 350 mil, sem contar as que entraram despercebidas.
Foto: DW/J. Stonington
A ponte coreana sem volta
A fronteira entre as Coreias do Sul e do Norte está fechada e altamente militarizada há 62 anos. Esta placa marca uma "ponte sem volta", vista na foto do lado sul-coreano. Desde o fim da década de 1990, cerca de 28 mil norte-coreanos fugiram para o país vizinho. Recentemente, ambos os países concordaram em permitir que familiares se reunissem perto da fronteira.
Foto: Edward N. Johnson
A longa fronteira entre EUA e México
Muros e cercas protegem um terço de toda a fronteira, ou 1.126 quilômetros, depreciativamente chamados de "parede de tortilla" pelos americanos. Com 18.500 oficiais posicionados ao longo dela, a fronteira é uma das mais vigiadas do mundo. Mesmo assim, milhões tentam a sorte nos Estados Unidos. Em 2012, 6,7 milhões de mexicanos viviam no país vizinho como imigrantes ilegais.
Foto: Gordon Hyde
700 deportações por dia
A fronteira entre EUA e México é fonte de atritos políticos e de profundas tensões. Esta cena pacífica, no lado mexicano, ilude. A cada dia, 700 pessoas são deportadas de volta para o México. Para aqueles que passaram muitos anos em território americano, não é fácil se readaptar à velha casa.
Foto: DW/G. Ketels
Marrocos-Espanha: Pobreza e campos de golfe
Duas realidades econômicas distintas se chocam nos enclaves espanhóis de Melilla e Ceuta, que fazem fronteira com o Marrocos. Refugiados de toda a África buscam uma maneira de colocar os pés num país europeu para ali pedirem asilo. Muitos tentam pular as cercas ao redor dos enclaves. Com uma série de barreiras e o Marrocos agindo de forma mais ativa, menos cenas como esta têm ocorrido.
Foto: picture-alliance/dpa
Brasil-Bolívia: qual lado é menos verde?
De acordo com imagens de satélite, o limite do desmatamento brasileiro é definido pela fronteira com a Bolívia. Nos últimos 50 anos, o Brasil desmatou, legal e ilegalmente, 20% da Floresta Amazônica no país. Contudo, a Bolívia também está ameaçada pelo desmatamento e precisa ser estudada com mais profundidade, segundo cientistas.
Foto: Nasa
Haiti-Rep. Dominicana: Uma ilha, dois mundos
Apesar de ambos os países dividirem a mesma ilha, a realidade entre eles é bem distinta. A República Dominicana é um paraíso turístico, enquanto o Haiti é um dos países mais pobres do planeta. Logo, muitos haitianos se mudam para o país vizinho. Em 2015, o governo dominicano enrijeceu as leis de migração, fazendo com que cerca de 40 mil haitianos voltassem para casa.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Bueno
Tensão entre Egito e Israel
Com deserto de um lado e uma aglomeração urbana do outro, a fronteira entre Egito e Israel separa uma maioria islâmica de uma maioria judaica. A paz que reinou na região por mais de 30 anos foi substituída recentemente por violência, militarização e tensões diplomáticas. No fim de 2013, Israel conclui a construção de uma cerca dividindo os dois territórios.
Foto: NASA/Chris Hadfield
Paquistão-Índia: 'linha de controle'
Durante o primeiro conflito armado entre Paquistão e Índia, entre 1947 e 1949, a região da Caxemira foi dividida por uma "linha de controle" entre a parte paquistanesa, com maioria muçulmana, e a parte indiana, de maioria hindu e budista. A linha, contudo, não impediu ataques terroristas que visavam instaurar uma Caxemira islâmica – resultando na morte de cerca de 43 mil pessoas desde 1993.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Singh
Saara Ocidental: o muro marroquino
Até 1976, o Saara Ocidental era uma colônia espanhola. Para reivindicar o território, o rei do Marrocos enviou 350 mil pessoas à região. Os nativos, porém, iniciaram um movimento de independência chamado de Frente Polisário. O conflito dividiu o Saara Ocidental entre a República Árabe Saaraui Democrática e o Marrocos. Entre os dois territórios há uma barreira de areia, altamente militarizada.
Foto: Getty Images/AFP/P. Hertzog
Israel-Cisjordânia: Conflito sob pedras
Desde 2002, foram construídos muros e cercas controversas, que já atingem uma extensão de 759 quilômetros. Em áreas densamente povoadas, como nesta foto, de Jerusalém, um muro de concreto de nove metros de altura fortifica a fronteira entre Israel e a Cisjordânia. Em 2004, a Justiça decidiu que a construção de um muro nas áreas palestinas não é compatível com as leis internacionais.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sultan
Três países, uma só fronteira
Em algumas partes do mundo, as fronteiras não são demarcadas por patrulhas, cercas ou muros. Esta pedra com três faces sinaliza a divisa entre três países: Alemanha, Áustria e República Tcheca – parte do espaço Schengen. O trânsito livre entre essas fronteiras só foi limitado recentemente por causa da crise dos refugiados na Europa.