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Bancos alemães sob pressão por investimento em mineroduto

27 de julho de 2023

Extensa estrutura da empresa britânica Anglo American transporta minério de ferro de Minas ao Rio. Comunidades afetadas pelos impactos ambientais da obra, sem solução há uma década, agora apelam aos investidores.

Instalações da Anglo American em Minas Gerais
Instalações da Anglo American em Minas GeraisFoto: Anglo American/VisualMedia

Num passado recente, Conceição do Mato Dentro era um tranquilo município mineiro com rios limpos, mata nativa e muitas belezas naturais. É casa de uma das cachoeiras mais bonitas do Brasil, a cachoeira do Tabuleiro. Contudo, atualmente a região conhecida como "capital mineira do ecoturismo" também é rasgada pelo controverso mineroduto Minas-Rio.

Inicialmente idealizado pelo Grupo EBX, do ex-bilionário Eike Batista, e orçado em 5 bilhões de dólares, o projeto foi adquirido em 2008 pela mineradora britânica Anglo American.

A estrutura atravessa 33 cidades, de Conceição do Mato Dentro até São João da Barra, no Rio de Janeiro, e tem capacidade para transportar 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Questões técnicas e problemas socioambientais fizeram com que o mineroduto iniciasse suas operações somente em 2014.

O maior do tipo no mundo, com cerca de 529 quilômetros de extensão, o Minas-Rio tem ainda uma barragem de rejeitos sete vezes maior que a de Mariana. Muitos na região temem uma tragédia semelhante à que acometeu o município mineiro em novembro de 2015.

Desde os primeiros licenciamentos, Lúcio Guerra, um morador afetado pela obra em Conceição do Mato Dentro, trava uma batalha contra os impactos ambientais do projeto da Anglo American. Quando decidiu se posicionar contra a empresa britânica, em 2018, o veterinário mineiro passou a ser alvo de ameaças. Segundo relatou à DW Brasil, ele chegou a estar num programa de proteção, do qual saiu há pouco tempo. Guerra diz que levou denúncias a um promotor de justiça, mas que está "até hoje sem respostas". "Nem sei se o processo foi arquivado", conta.

Segundo ele, os moradores da região enfrentam vários problemas, como poluição, barulho, animais selvagens que saem da mata por causa dos impactos e entram nas casas e sobretudo, a restrição do acesso à água.

Cansado de cobrar da mineradora, Guerra e outros líderes comunitários afetados pelas atividades da Anglo American, assessorados por organizações de direitos humanos, passaram a levar agora as suas queixas aos investidores – no caso, os bancos.

Bancos alemães

Um levantamento da ONG alemã Facing Finance sobre asinstituições financeiras alemãs que mais investem em empresas mineradoras envolvidas em conflitos mostrou que, até 2022, bancos europeus contribuíram com cerca 2,2 bilhões de euros em empréstimos à Anglo American, um valor que representa quase metade do total que viabilizou o Minas-Rio.

Embora a organização afirme considerar difícil rastrear a quantia dos empréstimos direcionada a cada projeto – porque os bancos "não comentam as relações com seus clientes" –, a Facing Finance avalia que muitos projetos que impactam o meio ambiente não sairiam do papel se as instituições financeiras cortassem esses investimentos.

Entre os investidores alemães da Anglo American estão Allianz, Axa, BayernLB, Deka, Deutsche Bank, DZ Bank, LBBW, UniCredit S.p.A, Zurich e Commerzbank. Com investimentos de cerca de 604 milhões de euros, o Commerzbank é o banco alemão que mais tem investido na mineradora britânica, aponta a Facing Finance.

Segundo a ONG, a Anglo American não é a única empresa acusada de impactos ambientas ou violações de direitos humanos em projetos de mineração pelo mundo – a lista inclui ainda Vale, Bayer, Basf e Syngenta.

A organização cobra, assim, que as instituições financeiras que assinaram os Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU cumpram o prometido acompanhamento junto aos seus clientes sobre os impactos e proteção dos direitos humanos nos negócios – e também cortem investimentos.

Carta ao Commerzbank

Durante a assembleia geral do Commerzbank, em 31 de maio, Vanessa Müller, membro da Facing Finance, leu uma carta da rede ecumênica Igrejas e Mineração, em nome da comunidade de Conceição do Mato Dentro. Ela questionou se o banco alemão pretendia parar de investir na Anglo American em função das denúncias.

Além de ser signatário dos Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU, o banco afirma na sua página na internet que, como instituição financeira, deve apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos.

À Facing Finance, o Commerzbank não comentou o caso, nem sobre denúncias sobre a qualidade da água ou poluição gerada pelas atividades de mineração no Brasil. Questionado pela DW Brasil, o banco respondeu que as relações comerciais com empresas do setor mineiro são avaliadas numa base individual no que diz respeito a questões sociais e/ou ecológicas, tendo também em conta questões de direitos humanos.

O Commerzbank disse ainda que "a avaliação pode, em última análise, levar ao fim de uma relação comercial ou de um projeto", mas pediu "compreensão, porque não pode fazer declarações sobre relações comerciais individuais".

"Infelizmente é o dinheiro que manda"

Apesar do alegado comprometimento das instituições financeiras, em Conceição do Mato Dentro as denúncias são antigas. Lúcio Guerra diz que os laudos feitos pela Anglo American nem sempre mostram os problemas.

À DW Brasil, a Anglo American garantiu que os monitoramentos da água e poluição são feitos por consultorias independentes. "Só que a gente não sabe como esse monitoramento é feito. A gente não confia, porque a percepção que a comunidade tem é outra. A realidade é outra", avalia Guerra, acrescentando que, mesmo após uma década, a situação da poluição no rio local não mudou.

À lista de controvérsias envolvendo a Anglo American em Conceição do Mato Dentro, somam-se as acusações, em 2021, de alegada interferência nos comitês locais para afastar os membros mais críticos dos projetos. À DW Brasil, a mineradora nega e diz que está "num diálogo aberto e constante com as comunidades".

Mas "as pessoas continuam sem condições normais de viver em torno do empreendimento", afirma Guerra, cuja última esperança diante do conflito que se arrasta há pelo menos uma década é, agora, cobrar mais responsabilidade dos investidores.

"Infelizmente é o dinheiro que manda [...]. Então, se houver alguma sanção internacional, parando-se de comprar minérios de empresas que violam direitos humanos, alguma coisa as mineradoras terão de fazer", acredita o morador.