Presidente americano tem esnobado a Europa e a Ucrânia enquanto acena amistosamente para a Rússia. Que objetivos os EUA estão perseguindo com essa nova política externa?
O presidente americano Donald Trump repeliu com censuras e sermões as objeções de Volodimir Zelenski a um acordo com a RússiaFoto: Saul Loeb/AFP/Getty Images
O historiador Norbert Frei, da Universidade de Jena, vê nas atitudes de Trump o fim da ordem mundial surgida após a Segunda Guerra e uma cisão histórica equiparável ao colapso da União Soviética.
"O objetivo é claro: um triunvirato global com Trump, Xi Jinping e Vladimir Putin", opinou Frei na emissora pública alemã Deutschlandfunk. "O que Trump não quer aceitar é que os EUA estão lutando como uma potência decadente. E estão se livrando neste momento dos únicos reais aliados que têm: a Europa. E essa Europa agora está por conta própria", afirmou.
É também por isso que líderes europeus agora se reúnem em busca de respostas – após conversa em Londres neste domingo, eles devem voltar a se encontrar na próxima quinta-feira numa cúpula extraordinária em Bruxelas.
"Espero que percebam que estamos diante de uma clara mudança de rumo na política global", diz o cientista político Mikhail Alexseev, da San Diego State University. "A discussão no Salão Oval não foi só uma briga entre dois líderes. Ali há o sinal de que os EUA estão se afastando da Europa. Não podemos mais dar como certas as garantias de segurança americana – não só para a Ucrânia, mas também para a Otan."
Um dia antes de bate-boca com Zelenski, Trump recebeu o premiê britânico Keir StarmerFoto: Kevin Lamarque/REUTERS
Trump tem interesses econômicos em mente
Há um ano, quando ainda estava em campanha pela Casa Branca, Trump botou o compromisso dos americanos com a Otan em xeque ao sugerir que não ajudaria membros da aliança militar que não gastam o suficiente com Defesa. O americano chegou até mesmo a dizer que "encorajaria a Rússia a fazer o que quisesse".
O clima de insegurança no cenário geopolítico é mencionado também pela analista Laura von Daniels, diretora do grupo de pesquisa sobre os Estados Unidos da fundação alemã SWP. Mas, apesar disso, ela diz não ver um rompimento total nas relações transatlânticas.
"Acho que vai ser uma situação difícil e que ele também está disposto a prejudicar os interesses da União Europeia – tanto na política de segurança quanto econômica, por exemplo com as tarifas. Tudo isso é verdade. Mas também não é do interesse dele cortar todas as relações com a Europa do dia para a noite", avalia.
Um exemplo dos interesses de Trump citado por Von Daniels é o gás natural liquefeito americano: o americano vê na Europa o mercado consumidor mais importante dessa commodity. É de se esperar, por isso, que seu governo aumente a pressão. "Em 12 de março os EUA vão começar a taxar a importação de aço e alumínio", diz. E a Europa deve se preparar nos próximos meses para mais tarifas sobre outros produtos que exporta para os EUA, como carros.
Com essas medidas, Trump quer equilibrar a balança comercial com a UE. Segundo dados americanos, em 2024 esse saldo foi negativo para os EUA, somando quase 1 trilhão de euros em bens e serviços importados do bloco.
Apesar disso, Von Daniels diz que, no geral, a atual relação transatlântica é útil para Trump. O que não está claro, afirma, é se ele ainda a define como uma aliança de valores ocidentais.
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Europa enfraquecida e partilha da Ucrânia
Para o ex-ministro do Exterior alemão Sigmar Gabriel, que de 2017 a 2018 acompanhou de perto parte do primeiro mandato de Trump e que é um entusiasta das relações transatlânticas, o governo americano já não vê mais a Europa como aliada.
Trump já não teria mais nada em comum com a Europa, "pois sua visão de mundo é exatamente o oposto da nossa ideia europeia de cooperação internacional", disse o político social-democrata ao jornal alemão Augsburger Allgemeine. "Tenho certeza que ele quer enfraquecer ou até mesmo destruir a Europa porque nós somos muito grandes quando nos mantemos unidos. E isso o incomoda."
Ao comentar os planos de Trump e Putin para o fim do conflito na Ucrânia, Gabriel aludiu à Conferência de Yalta, em que EUA, União Soviética e Reino Unido decidiram sobre a partilha da Alemanha pouco antes do fim da Segunda Guerra: "Trump tem uma espécie de 'Yalta 2.0' na cabeça, em que os 'valentões' da política global traçam suas zonas de influência, e os menores que se virem."
Guerra na Ucrânia já dura mais de três anosFoto: STATE EMERGENCY SERVICE OF UKRAINE via REUTERS
Para Von Daniels, não está muito claro qual é o objetivo de Trump. Mas o bate-boca com Zelenski no Salão Oval da Casa Branca deixou claro que o americano vê a Ucrânia como um obstáculo às negociações diretas com Putin, afirma ela. O episódio, diz, lembra "o que conhecemos de chefes de Estado autoritários".
Uma análise publicada após o entrevero pelo Instituto para Estudos da Guerra, em Washington, aponta que uma eventual suspensão da ajuda americana a Kiev aumentaria a probabilidade de uma vitória russa no conflito. Tal cenário poderia fortalecer Putin em seu objetivo estratégico de reivindicar para si o controle sobre outras ex-repúblicas soviéticas, como Estônia, Letônia e Lituânia – todas membros da UE e da Otan. Já os EUA, segundo o estudo, perderiam influência global.
O mês de fevereiro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Jim LoScalzo/CNP/ZUMA Press/IMAGO
Dedo em riste e ânimos exaltados entre Trump e Zelenski
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, deixou a Casa Branca sem assinar o acordo sobre minerais estratégicos com os EUA depois de bate-boca com Donald Trump. "Você não está sendo grato de forma alguma", disse o presidente dos EUA diante da recusa de seu homólogo em abrir concessões a Moscou em possível negociação de paz, acusando-o de "brincar de terceira guerra mundial". (28/02)
Foto: Saul Loeb/AFP/Getty Images
Líder dos curdos pede fim da luta armada na Turquia
"Todos os grupos devem depor as armas e o PKK deve se dissolver", disse Abdullah Öcalan em uma declaração lida por parlamentares curdos que o visitaram na prisão onde ele está detido há 26 anos. A declaração pode abrir caminho para um novo processo de paz com o governo turco – o conflito entre os guerrilheiros curdos e as forças turcas deixou mais de 40 mil mortos em quatro décadas. (27/02)
Foto: Romano Siciliani/dpa/picture-allianc
Israel se despede de mãe e filhos mortos em cativeiro na Faixa de Gaza
Milhares acompanharam o cortejo fúnebre de Shiri Bibas e de seus dois filhos, o bebê Kfir e menino Ariel, sequestrados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023. Símbolo da tragédia dos reféns, a família foi enterrada perto do kibutz de Nir Oz, onde viviam. Os pais de Shiri também morreram no ataque. Só o marido dela, libertado no início de fevereiro, sobreviveu. (26/02)
Foto: Amir Cohen/REUTERS
Milhares se reúnem no Vaticano em oração pelo Papa Francisco
Fiéis ocupam a Praça de São Pedro, no Vaticano, em oração pela saúde do Papa Francisco. O pontífice luta contra uma pneumonia dupla e permanece em estado crítico pelo quarto dia consecutivo, mas com quadro estável e sem novas crises respiratórias. O Papa de 88 anos passa sua 12ª noite no hospital Gemelli de Roma, a mais longa internação de seu papado. (25/02)
Foto: Massimo Valicchia/NurPhoto/picture alliance
Morre Roberta Flack, conhecida por "Killing Me Softly"
A cantora americana de R&B Roberta Flack morreu aos 88 anos. Flack alcançou o estrelato na década de 1970 com sucessos como "Killing Me Softly With His Song" e "The First Time Ever I Saw Your Face". Seus trabalhos em jazz, pop e soul, e sua forte defesa dos direitos civis respaldaram seu sucesso entre um público fiel. A cantora venceu cinco de 14 indicações ao Grammy em sua carreira. (24/02)
Foto: Harold Filan/AP Photo/picture alliance
Conservadores lideram na eleição alemã e encerram era Scholz
Os alemães foram às urnas em eleições antecipadas para definir os novos membros do Parlamento. Aliança CDU/CSU foi a mais votada, cacifando o líder conservador Friedrich Merz a ocupar o posto de chanceler federal e substituir o impopular Olaf Scholz. A eleição também foi marcada por crescimento robusto da ultradireitista AfD, que dobrou seu eleitorado. (23/02)
Foto: Odd Andersen/AFP/Getty Images
"O Último Azul" vence Urso de Prata na Berlinale
"O Último Azul", filme brasileiro dirigido por Gabriel Mascaro, conquistou o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim, a segundo maior honraria do evento. Já o Urso de Ouro, maior prêmio da competição, foi vencido pelo filme norueguês "Drommer", de Dag Johan Haugerud. (22/02)
Foto: Jens Kalaene/dpa/picture alliance
Moraes determina bloqueio do Rumble no Brasil
O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou (21/02) o bloqueio da rede social Rumble no Brasil, acusando a plataforma de "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos" de ordens judiciais, além de tentativas de "não se submeter ao ordenamento jurídico brasileiro [...] para instituir um ambiente de total impunidade e de 'terra sem lei' nas redes sociais brasileiras". (21/02)
Foto: EVARISTO SA/AFP
Hamas entrega corpos de 4 reféns israelenses
Grupo islamista alega que reféns teriam sido mortos em bombardeio de Israel. Vítimas são um bebê de 9 meses, seu irmão de 4 anos, a mãe deles, de 32 anos, e um idoso de 83 anos. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) acusou o Hamas de ter transformado o ato em palco político. (20/02)
Foto: Stringer/REUTERS
Trump culpa Ucrânia por invasão russa e chama Zelenski de "ditador"
Irritado ao ouvir de Volodimir Zelenski que vive numa "bolha de desinformação" após ter ecoado a linha oficial do Kremlin e atribuído à Ucrânia a culpa pela invasão russa em 2022, o presidente americano Donald Trump chamou o colega de "ditador" e aconselhou-o a ser "rápido" se não quiser "ficar sem país". A escalada diplomática é mais um passo no estranhamento entre EUA e Ucrânia. (19/02)
Foto: Roberto Schmidt/AFP/Getty Images
Procuradoria denuncia Bolsonaro e outros 33 ao STF por tentativa de golpe
A Procuradoria-Geral da República denunciou Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas ao Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente é acusado de cinco crimes, que juntas somam até 43 anos de prisão: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. (18/02)
Foto: Ton Molina/NurPhoto/picture alliance
Avião capota no Canadá
Um avião da Delta capotou em acidente ocorrido no Aeroporto Internacional Pearson de Toronto, no Canadá, ficando de barriga para cima na pista e deixando ao menos 15 feridos. O terminal ficou horas paralisado após o acidente. (17/02)
Foto: Uncredited/CTV/AP/dpa/picture alliance
Candidatos a chanceler federal se enfrentam em debate na Alemanha
Temas como imigração, economia, relação com Estados Unidos e guerra na Ucrânia pautaram o primeiro debate com os quatro principais candidatos a chanceler federal. O evento colocou Olaf Scholz, do SPD, contra seu principal rival, Friedrich Merz, que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto. Também participaram Alice Weidel, da AfD, e o vice-chanceler Robert Habeck, dos Verdes. (16/02)
Foto: Kay Nietfeld/dpa-Pool/picture alliance
Tumulto deixa dezenas de mortos em estação de trem na Índia
Pelo menos 15 pessoas morreram e mais de 10 ficaram feridas em um tumulto em uma estação ferroviária na capital da Índia, Nova Délhi, quando uma multidão tentava chegar na maior congregação religiosa do mundo, o Khumba Mela. No mês passado, 30 pessoas morreram em um tumulto no festival hindu de Kumbh Mela, no norte da Índia. (15/02)
Foto: Uncredited/AP/dpa/picture alliance
Vice-presidente dos EUA pede resgate de valores europeus e fim do "cordão sanitário"
JD Vance provocou choque entre líderes europeus que acompanharam seu discurso na Conferência de Segurança de Munique. O americano quebrou o protocolo ao focar sua fala na política interna da União Europeia, e disse que os EUA estão preocupados com os valores que os europeus estão defendendo. Ele ainda sugeriu o fim do "cordão sanitário" que isola a ultra direita no parlamento alemão. (14/02)
Foto: Leah Millis/REUTERS
Carro avança sobre multidão em Munique, na Alemanha
Um automóvel atropelou um grupo de pessoas no centro de Munique, deixando 30 feridos. As causas do incidente estão sendo investigadas. O governador da Baviera, Markus Söder, falou em "possível atentado". O motorista do automóvel seria um afegão de 24 anos que tinha autorização de permanência no país. Chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, diz que suspeito "tem que deixar o país". (13/02)
Foto: Michael Bihlmayer/Bihlmayerfotografie/IMAGO
Alemanha prorroga controles de fronteira
Governo em Berlim prolongou por mais seis meses os controles em todas as suas fronteiras exteriores, a fim de "frear a imigração irregular", segundo o chanceler federal Olaf Scholz. A medida foi adotada em setembro de 2024. (12/02)
Foto: Matthias Balk/dpa/picture alliance
EUA e Reino Unido rejeitam declaração de Paris sobre IA
Em torno de 60 países assinaram em Paris uma declaração que pede o uso transparente e sustentável da inteligência artificial e regulamentações internacionais, com EUA e Reino Unido sendo as notáveis ausências na lista de signatários. O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, expôs na cúpula as várias reservas dos EUA em relação ao tema.(11/02)
Foto: Thomas Padilla/AP Photo/picture alliance
Donald Trump impõe tarifas de 25% sobre a importação de aço e alumínio
Presidente dos EUA, Donald Trump, assina ordem executiva determinando imposição de tarifas de 25% sobre a importação de aço e alumínio, o que poderá afetar as exportações brasileiras. O decreto de Trump cancela isenções e cotas isentas de impostos para os principais fornecedores, em uma medida que pode aumentar o risco de uma guerra comercial multifacetada. (10/02)
Foto: Kyodo/picture alliance
Hamas anuncia retirada do exército israelense do corredor de Netzarim, em Gaza
O corredor de Netzarim é uma faixa de terra que divide o enclave palestino em norte e sul. Ele foi estabelecido por Israel quando o conflito em Gaza começou e até agora era militarizado pelo exército israelense. Como parte da trégua entre Israel e o Hamas, o exército israelense se comprometeu a se retirar do corredor e, assim, permitir que os palestinos retornem ao norte de Gaza. (09/02)
Prisioneiros palestinos libertados são saudados por uma multidão ao chegarem à Faixa de Gaza depois de serem libertados de uma prisão israelense. Israel e o grupo extremista Hamas concluíram neste sábado a quinta troca de reféns e prisioneiros, como parte do acordo de cessar-fogo em curso. (08/02)
Foto: Abdel Kareem Hana/AP/picture alliance
Rio vermelho
A água do rio Sarandí, na província de Buenos Aires, ganhou um tom vermelho vivo. A suspeita é de que o fenômeno tenha sido causado pelo vazamento de corante da indústria têxtil ou de resíduos químicos de uma fábrica próxima ao rio, que atravessa o município de Avellenada, a quase 10 quilômetros de Buenos Aires. (07/02)
Foto: Rodrigo Abd/AP/dpa/picture alliance
Israel prepara plano para saída "voluntária" de Gaza
O ministro da defesa de Israel, Israel Katz, ordenou que o exército prepare um plano para a saída de "qualquer residente de Gaza que deseje sair", após declarações do presidente americano, Donald Trump, sobre um possível deslocamento dos habitantes de Gaza. (06/02)
Foto: Dawoud Abu Alkas/REUTERS
Milei segue passos de Trump e retira Argentina da OMS
Presidente da Argentina, Javier Milei, segue exemplo de seu colega em Washington, Donald Trump, e retira o país da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele acusou a entidade de "crime de lesa humanidade" ao intervir nas soberanias nacionais e repetiu acusações do líder americano de "má gestão da saúde". (05/02)
Foto: Tomas Cuesta/Getty Images
Atirador deixa mortos em escola na Suécia
Um atirador matou cerca dez pessoas em um ataque a uma escola para adultos em Örebro, na Suécia. A polícia informou que o agressor também estava entre os mortos. A Suécia vem enfrentando uma onda de tiroteios e ataques a bomba resultantes do problema endêmico no país de crimes de gangues. (04/02)
Governo federal regulamenta poder de polícia da Funai
Decreto regulamenta o poder de polícia de agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A função foi prevista na lei que criou o órgão, em 1967, mas nunca havia sido regulamentada. Funcionários poderão usar a força para combater violações como ataques ao patrimônio cultural, invasões e atividades de exploração exercidas por terceiros dentro de terras indígenas. (03/02)
Foto: Reuters/Handout FUNAI
Multidão protesta contra fim do "cordão sanitário" em Berlim
Protestos eclodiram em toda a Alemanha após partido conservador CDU acatar votos da ultradireita em projeto anti-imigração, rompendo o isolamento da sigla AfD no parlamento alemão. Polícia registrou confrontos com manifestantes. Na capital alemã, 160 mil pessoas se reuniram e direcionaram palavras de ordem contra o candidato a chanceler federal Friedrich Merz. (02/02)
Foto: John Macdougall/AFP/Getty Images
Morre Horst Köhler, ex-presidente da Alemanha
O ex-presidente da Alemanha Horst Köhler morreu aos 81 anos em Berlim. Ele foi o nono presidente alemão do pós-guerra, entre 2004 e 2010. Enquanto esteve no cargo, ele se dedicou a temas voltados para as relações exteriores, projetos de desenvolvimento na África e mudanças climáticas. Antes de entrar para a política, Köhler foi economista e diretor do FMI. (01/02)