"Bayreuth é como uma empresa socialista", diz diretor Frank Castorp
26 de julho de 2013Encenar a gigantesca tetralogia O Anel do Nibelungo é uma grande honra – e responsabilidade também. Ainda mais na meca wagneriana de Bayreuth e justo no bicentenário de nascimento de Richard Wagner.
Entre diversos outros diretores, o escolhido foi Frank Castorf. O homem de teatro, nascido em 1951 em Berlim Oriental, é diretor geral do Berliner Volksbühne e notório por desrespeitar as convenções teatrais e protagonizar um ou outro escândalo artístico.
Assim, para além do mundo dos fãs da ópera e de Wagner, é grande o suspense em torno da interpretação que Castorf dará do ciclo operístico, com 16 horas de duração.
Deutsche Welle: A busca de um encenador para o Anel do Nibelungo no bicentenário Wagner demorou. Foram diversos candidatos e muitas recusas. Por que o senhor aceitou?
Frank Castorf: Como digo sempre: eu venho do Leste, e lá se compra banana quando tem banana.
Quer dizer, o senhor não podia deixar escapar uma chance como essa?
Não é bem assim. Eu nunca estive em Bayreuth. É sempre especial conhecer algo novo. E Bayreuth é especialmente interessante devido a sua história, com os muitos sistemas sociais que a casa sobreviveu e acompanhou ideologicamente. Todo o resto faz parte da rubrica "vaidade" – e eu sou muito vaidoso! Agrada-me também a brevidade e a densidade do festival, um período em que a pessoa pode ser estimulada – e até sobrecarregada – pelo trabalho. São 16 horas de música para serem encenadas em menos de dois meses: é preciso ter um fôlego bem longo e mostrar uma certa falta de escrúpulos diante das próprias suscetibilidades, visões e intenções. E isso me dá prazer.
O senhor é conhecido por não ser adepto de montagens teatrais lineares. Em vez disso, tem a fama de lançar olhares novos sobre um material dado. No tocante ao Anel, no entanto, a fidelidade à obra é mandamento absoluto. Algo que, na verdade, não combina com sua forma de trabalhar.
Correto. E isso já me fez desistir de montar óperas muitas vezes. Tive vários convites como encenador e recusei a maioria deles. Porque na ópera eu, justamente, não tenho essa liberdade de me mover com a trama através do tempo e do espaço, como me dá vontade. Pois para mim esse é o motivo decisivo para fazer algo. Senão, teria ficado na Deutsche Reichsbahn [companhia ferroviária da República Democrática Alemã, em que Castorf fez formação profissional], tendo que cuidar só da pontualidade dos trens. Mas são os desvios que me interessam. Conversei com o maestro Kirill Petrenko a respeito. E ele disse: "Gostaria muito de pedir, em relação à partitura, ao libreto, que nós mantenhamos a fidelidade à obra". Isso é uma coisa. Mas também se podem contar histórias divergentes, de forma bem intrincada, que talvez esclareçam mais precisamente a temática, sem violar a fidelidade à obra. E é isso que queremos tentar aqui. Como Wagner dizia: também se trata de terrorismo musical.
Antes de começar a pensar sobre sua encenação do Anel, o senhor olhou as fotos da estreia, em 1876?
Não, não, não! Mantenho uma ignorância saudável. Sim, e tenho medo de que certas coisas possam me influenciar. Por isso, também não assisto a nada. Há outras coisas que me interessaram muito mais: como representamos, hoje, a Árvore do Mundo, quem são as Nornas, o que é a espada "Notung"? Como apresentá-las hoje, numa época em que nosso imaginário é sobretudo determinado pela mídia?
A diretoras do Festival de Bayreuth, Eva e Katharina Wagner, lhe deram plena liberdade cênica? Ou ficaram dando palpites sobre o seu trabalho?
Aqui, eu às vezes tenho que lembrar da RDA [parte da Alemanha sob regime comunista de 1949 a 1990]. É quase como uma empresa sob administração socialista, cuja principal característica é que todo mundo com quem se trabalha é um inimigo em potencial. Aqui também é um pouco assim: primeiro, você é encarado com a desconfiança necessária. Como é algo que conheço, isso não me intimida tanto assim. Por isso, me sinto muito bem aqui. E as duas damas são, na verdade, bem simpáticas...
O senhor disse que não queria encenar o Anel linearmente. O que diria ao espectador que procure lógica na sua montagem?
Que também através de paradoxos – de incompreensibilidades a partir das quais nasce algo de novo, uma constatação, ou mesmo uma outra trama – se pode chegar a algo que nos faça dizer: "Oh, isso eu não teria pensado". Isso torna a coisa interessante, ficar sabendo através de que desvios algo foi gerado.
O que espera da estreia? O que deseja do público?
Nenhum tipo de concordância jamais me interessou, na verdade. O pior sempre é quando os amigos vêm e dizem: "Sabe, Frank, eu estava tão curioso para ver teu espetáculo... está, hm, tão interessante!". Para mim, isso é o mais sem graça. A pior coisa é a concordância de gente que sabe "ele trabalha assim e assado, é como sempre, e está ótimo assim". Aqui em Bayreuth é, de fato, um público totalmente outro, com gente bem diferente.
O senhor espera contradição e irritação?
Bem, espero que tenha um pouco disso, sim. Senão não tem graça.