"Beira-mar" apresenta complexidade da juventude na Berlinale
Marco Sanchez, de Berlim7 de fevereiro de 2015
Longa de estreia dos diretores Filipe Matzembacher e Marcelo Reolon é uma tocante e inusitada história sobre a difícil transição para a vida adulta. Cenário é Capão da Canoa, no litoral gaúcho.
Anúncio
"Beira-mar" apresenta complexidade da juventude na Berlinale
02:20
A juventude e a amizade são os fios condutores de Beira-mar, dos gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, que estreou mundialmente na Berlinale na noite desta sexta-feira (06/02).
Após uma sucessão de curtas-metragens que exploram o universo jovem, a dupla chega a seu primeiro longa, exibido na mostra Forum do festival em Berlim. O filme lida com problemas complexos do processo de se tornar adulto.
"Nosso trabalho trata da juventude como um todo, da adolescência ao começo da vida adulta. Essa etapa ainda está muito presente em nossas vidas", diz Reolon em conversa com a DW Brasil. "Queríamos fazer o Beira-mar enquanto ainda somos jovens, para termos uma identificação maior com os personagens."
O filme gira em torno da amizade de Martin (Mateus Almada) e Tomaz (Maurício Barcellos). Os jovens vão passar um fim de semana de inverno em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, onde Martin tem que resolver um problema de família para o pai, que está em Porto Alegre.
Colagem de memórias
Matzembacher e Reolon se conheceram na universidade. Mas antes disso, os dois passavam férias em Capão da Canoa. As casas de praia das famílias dos dois foram usadas como locação para o filme.
"O processo de escrita foi baseado numa colagem de memórias. Nos apropriamos de espaços em que vivemos. Veraneávamos na mesma praia na infância. Nossas histórias tinham características próprias, mas de certa forma dialogavam com a de outros jovens", diz Matzembacher.
Em Capão da Canoa, Martin e Tomaz matam tempo na praça central, caminham durante a noite em ruas vazias e bebem com os jovens locais para preencher o tédio de uma cidade de veraneio em pleno inverno gaúcho.
Para cumprir a tarefa dada pelo pai, Martin tem que encontrar com membros da família com quem perdeu contato. Ao mesmo tempo, um novo lado do amigo Tomaz começa se revelar através de seus desenhos.
Terceiro amigo
A química acontece atrás e em frente às câmeras. A dupla de diretores e de atores criaram juntos os complexos e introspectivos, mas carismáticos personagens.
"Nunca tinha trabalhado como ator. Eles nos deram bastante liberdade para criar", conta Barcellos.
Reolon conta que a ideia dos diretores era construir a jornada junto com os personagens. "Filmar na ordem cronológica foi essencial para a narrativa e para que a ação acontecesse numa diagonal crescente", diz.
A cada cena, Beira-mar revela uma nova faceta de Martin e Tomaz. Suas histórias vão se tornando cada vez mais complexas. Até que Tomaz revela que é gay. "É tão difícil falar disso. Não interessa a orientação sexual quando as pessoas se gostam", diz Almada.
Para criar intimidade, a câmera funciona como um terceiro amigo, que observa – ora de perto, ora de longe – os momentos de descoberta que vão mudar o futuro dos dois jovens.
"O filme é sobre um amigo conhecendo melhor o outro. A câmera é como um personagem que começa dormindo, meio sonolento, e aos poucos vai revelando essas duas pessoas, para terminar de uma maneira quase apoteótica", diz Reolon.
Filmes brasileiros na Berlinale 2015
Apesar de estar fora da competitiva, o Brasil está representado em outras mostras do festival de cinema em Berlim. "Sangue Azul" e "Ausência", estrelados por Daniel de Oliveira e Regina Casé, são destaques.
Foto: Frederico Benvenides
Sangue Azul
Estrelado por Daniel de Oliveira, o filme de Lírio Ferreira abre a mostra Panorama, a segunda mais importante da Berlinale. Com um ilusionista e um homem-bala como personagens, o longa lança um olhar poético sobre a colisão de dois microcosmos, mostrando que o mundo que escolhemos longe de casa pode não ser tão distante quanto imaginamos.
Foto: Berlinale 2015
Ausência
Qual a importância de um pai na vida de um filho? Qual é o peso do abandono da figura paterna sobre toda uma família? "Ausência", de Chico Teixeira, é centrado em Serginho, um menino de 15 anos que tenta lidar com as mudanças trazidas pela vida. Mas a transição entre a infância e a idade adulta não é fácil, ainda mais quando os caminhos parecem incertos e nebulosos.
Foto: Berlinale 2015
Que horas ela volta?
A diretora Anna Muylaert sempre mostrou um olhar apurado para comédias de humor negro. No entanto, "Que horas ela volta?" se aproxima mais do drama familiar. Val (Regina Casé), empregada de uma família rica em São Paulo, vê sua vida virar de cabeça para baixo quando a filha (Camila Márdila) decide se mudar para a cidade.
Na Berlinale de 1998, Walter Salles e Jia Zhang-ke descobriram uma visão parecida sobre seus ofícios e sobre a maneira como apontam suas lentes para o mundo. Neste documentário, o brasileiro acompanha o colega chinês numa visita a locações de seus filmes e ao lugar onde ele cresceu.
Foto: Berlinale 2015
Beira-Mar
A estreia na direção dos jovens gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon mostra dois melhores amigos lidando com os primeiro passos da vida adulta. Eles partem para uma viagem aparentemente banal, mas que acaba revelando mais do que os dois estão acostumados a compartilhar na vida cotidiana.
Foto: Berlinale 2015
Brasil S/A
Da vulgaridade às belezas, naturais e artificiais, o primeiro longa de Marcelo Pedroso reforça a boa safra de filmes de Pernambuco. "Brasil S/A" é uma parábola alegórica de um país cheio de progresso, mas que ainda corre atrás da ordem e, ao mesmo tempo, molda a própria identidade.
Foto: Berlinale 2015
Mar de Fogo
O diretor Joel Pizzini faz uma homenagem ao clássico do cinema brasileiro "Limite" e ao seu criador, Mario Peixoto. Usando imagens do filme e entrevistas feitas com Peixoto nos anos 1970 e 1980, Pizzini constrói um pequeno filme-ensaio e um curta-metragem arrebatador.
Foto: Berlinale 2015
Fuga dos meus olhos
Após o diálogo imaginário entre Brasil e Portugal, apresentado na Berlinale do ano passado no curta "Fernando que ganhou um pássaro do mar", Felipe Bragança continua trabalhando nas linhas tênues do cinema, misturando poesia com ficção e realidade. Seu novo filme gira em torno de fábulas oriundas de três países africanos – Mali, Gana e Burkina Faso.
Foto: Felipe Bragança
Além das telas
A Forum Expanded mostra outra forma de ver o cinema. Além de filmes, a mostra traz a exposição "Doors Open", em que performances e instalações – incluindo "Viventes" e "Je proclame la destruição", dos brasileiros Frederico Benevides e Arthur Tuoto – questionam o cinema como uma forma de arte mutante.
Foto: Frederico Benvenides
Olhar indígena
A mostra NATIVe se dedica neste ano às comunidades indígenas na América Latina e a sua difícil sobrevivência. O Brasil marca presença com os documentários "O Mestre e o divino", de Tiago Campos Tôrres, "As hiper mulheres", de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, e "Ma ê dami xina", de Zezinho Yube.