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Belo Monte começa a encher reservatórios no Xingu

Nádia Pontes25 de novembro de 2015

Depois de anos de polêmica, usina recebe licença do Ibama para operar. Em meio a críticas, órgão defende decisão alegando que questões técnicas e políticas foram consideradas.

Construção de Belo Monte foi alvo de uma série de protestosFoto: E. Sa/AFP/Getty Images

O primeiro reservatório da usina de Belo Monte já começou a ser inundado pelas águas do rio Xingu, no sudoeste do Pará. Imediatamente após receber a licença de operação emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na tarde desta terça-feira (24/11), a Norte Energia, empresa responsável pelo empreendimento, abriu as comportas e iniciou a operação de enchimento, informou à DW Brasil.

A empresa não sabe dizer exatamente quando os dois reservatórios do complexo estarão cheios, o que depende do regime de chuvas. Segundo o cronograma, a primeira turbina para a geração de eletricidade deve ser acionada em março de 2016, inaugurando a terceira maior hidrelétrica do mundo.

Em setembro deste ano, quando concluiu as obras dos reservatórios, a Norte Energia teve o primeiro pedido de licença de operação negado. Na ocasião, o Ibama apontou o descumprimento de 12 das 41 obrigações impostas à empresa ainda em 2011, quando ela recebeu a licença para começar as obras e concordou em cumprir as contrapartidas.

A lista de pendências incluía pontos como não realização de obras de infraestrutura viária e sanitária nas cidades atingidas e remanejamento inadequado das famílias que viviam nas áreas afetadas. Dois meses após a primeira negativa, a licença final saiu.

A advogada Biviany Rojas, do Instituto Socioambiental (Isa), critica a decisão do Ibama. "A licença de operação sai apenas dois meses depois de um parecer técnico listando 12 pendências impeditivas, que não tinham como ser resolvidas nesse tempo. Principalmente a questão humanitária, dos removidos por causa da usina."

Em agosto, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, havia pedido que o Ibama exigisse o cumprimento efetivo e integral das condicionantes antes de emitir a licença final. Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará afirma que vários conselheiros constataram pessoalmente violações graves de direitos humanos e condicionantes "muito longe de serem cumpridas."

O MPF pediu a investigação efetiva das denúncias de desvio da madeira retirada na área dos canteiros de obra, a revisão de indenizações pagas às pessoas que não tiveram assistência jurídica, a compra de áreas para reassentamento coletivo de famílias que viviam em comunidade, entre outras exigências.

"Ninguém sabe exatamente onde as famílias retiradas foram parar. 70% foram indenizadas num processo muito questionável. As famílias ribeirinhas, que viviam e dependiam do rio Xingu para suas atividades econômicas, passaram a ser marginais de estrada", diz Rojas, que acompanha Belo Monte desde 2010, na sede do ISA em Altamira.

Quanto aos impactos da usina sobre populações indígenas da região, investigações da Procuradoria da República em Altamira apontaram que medidas importantes impostas à Norte Energia teriam sido descumpridas. Em setembro, a Funai pediu ao Ibama que não liberasse a licença final antes de a empresa cumprir pelo menos 14 condicionantes desrespeitadas até então.

Questionada se as recomendações foram atendidas a tempo da emissão da licença de operação, a Funai disse que assinou dois ajustes de conduta com a Norte Energia. O primeiro tem como objeto o cumprimento de ações destinadas à proteção territorial das terras indígenas do Médio Xingu. No segundo, a empresa se compromete a dar continuidade ao cumprimento de todas as medidas pendentes, segundo a Funai.

Saneamento básico

O Instituto Socioambiental aponta ainda outra problemática: a questão do saneamento básico de Altamira, que constava na condicionante, não poderia ser resolvida de setembro para novembro. Altamira é a cidade mais próxima ao empreendimento. Desde o início da construção de Belo Monte, estima-se que o número de habitantes tenha dobrado, chegando a 105 mil.

Segundo a lista com 41 condicionantes, como contrapartida, a Norte Energia teria que fornecer o serviço de esgotamento sanitário na cidade para operar a usina. Na licença final emitida pelo Ibama, a empresa tem até setembro de 2016 para realizar as ligações domiciliares à rede de esgoto.

"A empresa atendeu o que estava previsto no licenciamento ambiental, que era construir e disponibilizar a infraestrutura do sistema de esgotamento sanitário. O problema não está resolvido porque grande parte das casas não está ligada à rede", explicou à DW Brasil Thomaz Toledo, chefe de licenciamento ambiental do Ibama.

A Norte Energia afirma estar em dia com suas obrigações. "As obras condicionantes para a Licença de Operação foram integralmente cumpridas. Os complementos solicitados pelo Ibama serão executados dentro dos prazos estabelecidos pelo órgão licenciador e dizem respeito a ligações domiciliares ao Sistema de Saneamento da cidade de Altamira e conclusão do Plano de Proteção Territorial Indígena para os povos do Médio Xingu", afirma a empresa.

Além disso, a Norte Energia afirma que serão executadas ações que não estavam previstas no Projeto Básico Ambiental (PBA) do empreendimento, como o cadastro socioeconômico dos moradores do bairro Independente 2, em Altamira, os quais terão direito a compensações por habitação caso estejam contemplados nos critérios estabelecidos.

Histórico de polêmica

A história de Belo Monte é cercada de polêmicas. Durante o processo de licenciamento da usina, que tramita no Ibama desde fevereiro de 2006, procuradores da República no Pará ajuizaram 23 ações contra o empreendimento, apontando irregularidades na obra. Consultada pela DW Brasil, a procuradoria disse que irá analisar com cautela a última licença antes de se pronunciar.

A Norte Energia, consórcio formado exclusivamente para construção da hidrelétrica, é formada por empresas do governo e privada. A construção também foi amplamente financiada pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Quando protestos organizados por populações indígenas do Xingu ameaçaram os trabalhos nos canteiros de obras, a Força Nacional de Segurança garantiu a continuidade.

Para Rojas, esse cenário gera dúvidas. "Qual é a garantia para a sociedade brasileira de que Belo Monte será feita dentro da regra, dentro do Estado de Direito?" Ela também questiona os órgãos fiscalizadores, como Ibama e Funai: "Confirmamos que, infelizmente, eles não têm autonomia técnica necessária para licenciar obras de empreendimentos de interesse do governo federal."

Toledo reconhece o conflito de interesses, mas rebate as críticas. "Não há como o Ibama ou a Funai não considerarem o componente político, diversas manifestações de interesse relacionadas ao projeto. Mas o licenciamento ambiental tem que ter uma base técnica para a sua condução", afirma o funcionário do Ibama.

"Pareceres são avaliados por técnicos, que têm responsabilidade pelos pareceres que assinam, e a responsabilidade dos gestores é considerar todas as preocupações técnicas apontadas. A gente considera as questões técnicas e as questões políticas para tomar a melhor decisão", conclui.

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