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Bento 16 não convence os alemães

Geraldo Hoffmann17 de agosto de 2005

Conterrâneos são um rebanho difícil para o papa, que faz sua primeira visita à Alemanha. Balanço dos primeiros meses do pontificado de Bento 16 mistura otimismo contido com decepção e duras críticas.

Papa não tem muitos adeptos entusiasmados na AlemanhaFoto: dpa - Bildfunk

"Somos papa" – foi a manchete do Bild, o jornal mais lido da Alemanha, no dia 24 de abril de 2005, após o conservador cardeal Joseph Ratzinger ser eleito sucessor de João Paulo 2º. Buttons com esta expressão estão à venda em cada esquina de Colônia, que recebe o papa nesta quinta-feira (18/08), em sua primeira visita à Alemanha, um país que já é visto como "terra de missão" pelo Vaticano.

Comércio à parte, a euforia pós-conclave, que não chegou a contagiar todos os alemães, cedeu lugar a uma mistura de otimismo contido dos católicos, decepção e duras críticas aos primeiros meses do pontificado de Bento 16.

O papa alemão ainda não fez nenhuma das revoluções que muitos católicos esperam há séculos da Igreja. Ele deu início ao processo de beatificação de seu antecessor; ajudou a derrubar o referendo italiano sobre a biotecnologia; participou de um congresso eucarístico em Bari (Itália); e afastou de vez das filas de comunhão divorciados que voltaram a se casar. O resto foram férias no Vale de Aosta.

Golf no eBay e atrito com Israel

Golf que pertenceu ao cardeal Ratzinger foi leiloado por quase 190 mil euros no eBayFoto: dpa

O que mais despertou o interesse da mídia alemã foi o leilão, no eBay, do Golf que pertenceu ao cardeal Ratzinger, o anúncio de que a casa em que nasceu em Marktl am Inn (Baviera) será vendida, e que o papa, supostamente, é parente do ex-jogador da seleção alemã Paul Breitner.

Bento 16 também já conseguiu provocar atritos entre o Vaticano e Israel. "Eu gostaria muito de saber por que ele há pouco condenou o terrorismo no Egito, Inglaterra, Turquia e Iraque, mas não o terrorismo sob o qual Israel sofre há anos", disse o presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Paul Spiegel. Em Colônia, o papa pretende lembrar as vítimas do Holocausto em visita a uma sinagoga.

De Saulo para Paulo?

Embora ninguém na Alemanha tenha a ilusão de que o ex-chefe da Congregação para a Doutrina da Fé tenha mudado de Saulo para Paulo em menos de quatro meses, há quem leia sinais positivos no início de seu pontificado. "A largada nesse cargo foi boa", diz Rita Waschbüsch, presidente da Domum Vitae, uma organização que presta assistência a gestantes e que teve vários atritos com o então cardeal Ratzinger na questão do aborto.

Segundo o presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães (ZdK), Hans Joaquim Mayer, "até agora, ele fortaleceu os realistas que têm boas expectativas em relação ao seu pontificado". Ele diz que o número de católicos inclusive aumentou na Alemanha desde a eleição de Bento 16.

O movimento reformista "Igreja a partir da base" reclama que "os problemas centrais da Igreja Católica continuam não resolvidos". Além da linha-dura na ética sexual, Bento 16 estaria apostando num ecumenismo unilateral com a Igreja Ortodoxa, "o que corresponde a um não preliminar ao diálogo com os luteranos".

"Desumano"

"Não espero mudanças sensacionais. Bento 16, com certeza, não vai introduzir a ordenação de mulheres, nem abolir o celibato obrigatório ou, de repente, formar uma união eclesiástica com os luteranos", afirma à revista Der Spiegel o teólogo Bernd Jochen Hilberath, titular da cadeira de Teologia Dogmática que, de 1966 a 1969, foi ocupada por Ratzinger na Universidade de Tübingen. "Mas do papa João 23 também não se esperava nada e ele acabou convocando o Concílio Vaticano 2º", acrescenta.

Já o teólogo Horst Hermann, professor emérito da Universidade de Münster, diz que está "muito decepcionado com este papa. Num encontro com bispos africanos, ele condenou, em um só golpe, a prostituição, o tráfico humano e os anticoncepcionais, pregando a abstinência sexual. Proibir a camisinha é o mesmo que dizer: 'Deixem as vítimas de Aids morrer'. Isso é desumano, sórdido, criminoso".

"Século 16"

Cardeal Karl Lehmann: 'Igreja precisa repensar sua ética sexual'Foto: AP

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos Alemães, cardeal Karl Lehmann, já sinalizou que a Igreja precisa repensar sua ética sexual, para não ser descartada de vez das sociedades modernas. Uma proposta que agrada aos jovens de 197 países reunidos na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Colônia, Bonn e Düsseldorf e que pedem uma reposta do papa.

"Bento 16 desembarca num país que lhe é estranho. As igrejas estão vazias; os políticos, descrentes; os habitantes do Leste, completamente sem deus. Agora, espera-se que a maior festa católica do pós-guerra no país desperte uma nova consciência religiosa", analisa a revista Der Spiegel.

Do outro lado do Atlântico, um dos concorrentes de Ratzinger no conclave, o arcebispo de São Paulo dom Cláudio Hummes, pergunta em artigo sobre a JMJ publicado no site da Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB): "A juventude alemã estará aberta para a mensagem de Bento 16?". A resposta já foi dada pelo editorialista do jornal Süddeutsche Zeitung: "Eles vão aplaudi-lo, sem concordar com tudo o que ele diz".

Ou, como diriam os conhecedores da Bíblia: "Nenhum profeta é bem recebido em sua terra". Aliás, para seus críticos mais mordazes, Bento 16 não é nenhum profeta. Sua eleição foi uma catástrofe – como disse o teólogo suíço Hans Küng, logo após o conclave – e o número 16 de seu nome é associado a "posições do século 16".

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