Uma grande exposição na capital alemã faz uma homenagem ao cineasta, que estaria completando 70 anos. A mostra expõe não só a maneira como ele pensava e vivia o cinema, mas também sua influência artística pelo mundo.
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A Alemanha revive Rainer Werner Fassbinder. Considerado por muitos o maior cineasta alemão do pós-guerra, ele comemoraria seu septuagésimo aniversário no dia 31 de maio.
Uma grande exposição em Berlim, documentários no cinema e na televisão e novos livros fazem do cineasta, morto em 1982, um nome difícil de passar desapercebido.
O coração dessa celebração é a exposição Fassbinder Jetzt (Fassbinder Agora, em tradução livre), no espaço Martin Gropius Bau. Dividida em três partes – Oficina, Figurinos, e Artes visuais – a mostra busca mostrar a coerência na obra do cineasta e sua influência na produção de arte contemporânea, não só na Alemanha, mas em todo o planeta.
A oficina vai a fundo no método de trabalho de Fassbinder, com detalhados roteiros, planos de filmagem e storyboards. Objetos pessoais complementam a visão de mundo do alemão, como a inconfundível jaqueta de couro, seu legendário sofá, uma máquina de fliperama e sua coleção de videocassetes.
A parceria com a figurinista Barbara Baum é a parte mais glamourosa de Fassbinder Jetzt e realça a importância estética não só em seus filmes, como também na construção de personagens como Maria Braun, Veronika Voss ou os marinheiros de Querelle (1982).
Referências interculturais
"Não entendo nada da língua alemã, mas ela me entende muito bem", disse o videoartista cingapurense Ming Wong em sua instalação Aprenda alemão com Petra Von Kant.
Na obra, exposta em Berlim, ele usa a figura da protagonista do filme As lágrimas amargas de Petra von Kant (1972). Fascinado pelo trabalho de Fassbinder, ele entrou em contato com o filme no final dos anos 1990 através do Instituto Goethe.
"Sem um conhecimento prévio de Fassbinder, eu entrei completamente despreparado no mundo de Petra Von Kant", disse o artista, que ficou fascinado pelo mundo mostrado no filme, onde só existiam mulheres extravagantes.
Artistas de outros países europeus, Paquistão, Bangladesh e Estados Unidos também têm obras relacionadas ao trabalho do alemão expostas em Fassbinder Jetzt, evidenciando sua influência nas artes visuais, além do cinema alemão e internacional.
"A referência intercultural é essencial para essa exposição", diz Anne Fricke, co-curadora da mostra. "Isso evidencia que a obra de Fassbinder começa a ser vista internacionalmente, mais do que se tem consciência na Alemanha."
Líder do Novo Cinema Alemão
Fassbinder era a figura central do Novo Cinema Alemão, movimento artístico que nos anos 1960 buscava uma nova forma de se fazer cinema e de tratar temas marginalizados.
"Mesmo 33 anos após sua morte, seu trabalho, em temas e estética, continua atual. Essa é uma fascinação pessoal, que espero encante os jovens que hoje vão ao cinema", diz Cláudia Dillmann, diretora do Museu do Cinema de Frankfurt, um dos organizadores da mostra.
Os filmes de Fassbinder também são retratos essenciais e particulares da história do país. Lili Marlene (1981) mostra a Alemanha durante o regime nazista. Lola (1981) e O casamento de Maria Braun (1979) retratam capítulos do milagre econômico na Alemanha Ocidental.
Num ano de 13 luas e Alemanha no outono (ambos de 1978), o cineasta comenta o terrorismo da esquerda alemã no final dos anos 1970. Em seu monumental épico, Berlin Alexanderplatz (1980), ele oferece uma visão impressionante da Alemanha na década de 1920.
Sua estética das cores, complexos movimentos de câmera, jogos de olhares e perspectiva e a extrema dramaticidade de seus filmes não encantaram apenas os artistas presentes na exposição em Berlim. Assim como Fassbinder buscava inspiração em cineastas do passado, nomes como Pedro Almodóvar, François Ozon e até Martin Scorsese têm forte conexão com o trabalho do alemão.
Mestre do melodrama
O melodrama é recorrente nos filmes de Fassbinder. Ele fazia referência ao trabalho de Douglas Sirk, diz Fricke, "encorajando o público a pensar". Para isso, ele utilizou a ilusão da máquina do cinema para "transportar esse conteúdo". Esse melodrama também está incorporado nas obras dos artistas de todo o mundo que fazem parte da exposição.
"Na Alemanha, ele é considerado por muitos louco por causa de sua força", diz Juliane Lorenz da Fundação Rainer Werner Fassbinder. Nos Estados Unidos isso é diferente. Os americanos são fãs de gênios. "Reiner nunca diria isso dele mesmo. Ele trabalhava duro e tinha carisma. Ele tem o direito de ter muitos jovens talentosos reunidos ao seu redor", completa.
A exposição Fassbinder Jetzt está em cartaz no Martin-Gropius-Bau em Berlim até 23 de agosto.
O cinema de Rainer Werner Fassbinder
Fassbinder realizou 44 filmes em 16 anos, um feito raríssimo para um diretor de cinema. Mas o poder criativo tem seus preço: ele morreu aos 37 anos, deixando grandiosas obras cinematográficas.
Foto: picture-alliance/Johanna Hoelz
O amor é mais frio que a morte
Amor, morte e frio – três termos que sintetizam a vida e a obra de Rainer Werner Fassbinder. Nascido em Bad Wörishofen, na Baviera, o jovem de apenas 23 anos fez sua estreia nos cinemas alemães com o longa-metragem "O amor é mais frio que a morte". E ele já começou brilhando: o longa foi exibido na Berlinale em 1969. Seu primeiro filme, porém, foi "This Night", de 1966, hoje dado como perdido.
Foto: picture-alliance/akg-images
Katzelmacher
O segundo filme de Fassbinder também foi um sucesso. "Katzelmacher" (1970) ganhou diversos prêmios no Deutscher Filmpreis (Prêmio Alemão do Cinema). No filme, o grupo de atores com o qual ele trabalhou durante anos começou a se formar. A obra gira em torno da relação entre quatro casais e conta com Hanna Schygulla, uma das muitas musas do diretor, no elenco.
Foto: AP
O comerciante das quatro estações
Mas nem todos os seus filmes foram êxito de bilheteria. Depois de um começo brilhante, Fassbinder teve que lidar com algumas decepções. Ele também realizou projetos na televisão e no teatro. A exposição "Fassbinder Jetzt", em cartaz em Berlim, exibe algumas imagens raras do cineasta – como esta durante as filmagens de "O comerciante das quatro estações".
Foto: DIF Frankfurt/Foto: Peter Gauhe
O medo consome a alma
No fundo do coração da plateia Fassbinder enterrou "O medo consome a alma". O filme fala sobre o amor e a amizade entre uma senhora alemã (Brigitte Mira) e um marroquino (El Hedi Ben Salem) vinte anos mais jovem que ela. O tocante longa-metragem de 1974 ainda é, mesmo 40 anos depois de sua estreia, extremamente atual.
Foto: Imago/United Archives
Effi Briest
Logo depois de "O medo consome a alma", Fassbinder surpreendeu novamente. O cineasta conhecido como grande cronista do presente e observador atento dos excluídos filmou um clássico da literatura. O romance "Effi Briest" de Theodor Fontane, estrelado por Hanna Schygulla, se tornou um requintado banquete para os olhos com belas imagens cinematográficas na mão do diretor alemão.
Roleta chinesa
O filme "Roleta chinesa" (1976) é novamente um "típico" filme do Fassbinder. Os personagens se encontram em um espaço confinado, as emoções se desdobram, se chocam e se empilham umas sobre as outras. O cineasta inflama um jogo de poder e paixão e acha sempre memoráveis imagens para seus temas: rostos e corpos refletidos em vidro, paredes lisas e muitos espelhos.
Foto: Rainer Werner Fassbinder Foundation
Bolwieser - A mulher do chefe de estação
Com o passar dos anos, Fassbinder também tratou de temas relacionados à história alemã. "Bolwieser" é uma adaptação do romance de Oskar Maria Graf de 1931. Livro e filme retratam uma cidade na Baviera nos anos 1920. O filme foi rodado para o cinema, mas paralelamente uma versão mais longa para a televisão também foi realizada. Desde o começo, Fassbinder sabia tirar o melhor dos dois meios.
Foto: Imago/United Archives
Desespero
Em meados do anos 1970, o sucesso de Fassbinder era internacional. Consequentemente, o orçamento de seus filmes também cresceu. Em "Desespero" ele trabalhou com estrelas como Dirk Bogarde e Andrea Ferréol. Apesar da estreia no Festival de Cannes em 1978 e do grande esforço para ser realizado, o filme foi um fracasso de bilheteria.
Berlin Alexanderplatz
Depois de alguns filmes menores e socialmente engajados, como "Alemanha no outono" que tratava do terrorismo na Alemanha Ocidental, Fassbinder dedicou 1979 para trabalhar em seu mais grandioso projeto. Em 13 partes, ele filmou para a televisão a adaptação de "Berlin Alexanderplatz" de Alfred Döblin. Muito antes da febre de séries de TV de hoje, Fassbinder se mostrou mais uma vez um revolucionário.
Foto: picture-alliance/KPA
Lili Marlene
Assim como em seu grande sucesso "O casamento de Maria Braun", Fassbinder trata também da história alemã em "Lili Marlene" (1980), usando uma estrutura popular para lidar com um tema sério. Nunca Fassbinder esteve tão próximo de Hollywood como aqui: cinema grandioso, atores famosos, dramaturgia eficaz. A tela se tornou, também em "Lili Marlene", um palco para a história do cinema.
Foto: picture-alliance/akg-images
Lola
Fassbinder retratou o milagre econômico da Alemanha Ocidental no filme "Lola" (1981). Na época, ele podia ter tudo que queria. Estrelas como Armin Müller-Stahl, Mario Adorf e Barbara Sukowa faziam parte do elenco. O espectadores lotavam as salas de cinema. No entanto, os bastidores de seus filmes eram um desastre, com Fassbinder se afundando em álcool, drogas e trabalho sem limites.
Foto: picture alliance/KPA
Kamikaze
Fassbinder não encontrou sucesso apenas como diretor de cinema. Ele também dirigiu diversas produções para a televisão e o teatro. Legendária foi sua mais controversa peça "O lixo, a cidade e a morte", que só estreou em 2009. Ele também atuou diante das câmeras de colegas como Wolf Gremm no filme "Kamikaze" (foto).
Foto: dapd
O desespero de Veronika Voss
Em 1982, poucos meses antes de sua morte, Fassbinder viveu outro triunfo. Seu filme "O desespero de Veronika Voss" ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim – feito que há muito tempo não acontece com um filme alemão. Sua penúltima obra convenceu os críticos: grandiosamente encenado e com soberbas interpretações, "O desespero de Veronika Voss" também encantou o público.
Foto: picture alliance/KPA
Querelle e a morte
Fassbinder não estava mais vivo na estreia de seu último filme "Querelle", baseado em um livro de Jean Genet. Ele morreu em 10 de junho de 1982, em Munique, depois de uma parada cardíaca, possível resultado de uma combinação de álcool, cocaína e remédios para dormir. Fassbinder viveu em um frenesi criativo, realizando quase 50 filmes desde os anos 1960. Seu trabalho é reconhecido mundialmente.