Berlim enterra ossos suspeitos de servir à pesquisa nazista
24 de março de 2023
Restos humanos foram encontrados em local que já abrigou instituto associado às teorias de eugenia nazista. Universidade alemã acredita que alguns ossos vieram também de "contextos criminais" que remontam à era colonial.
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Milhares de fragmentos de ossos humanos que incluiriam os restos mortais de vítimas da era nazista e colonial alemã foram enterrados em Berlim nesta quinta-feira (23/03).
Eles foram encontrados em 2014 durante trabalhos de escavações no campus da Universidade Livre de Berlim (FU), um local que já abrigou o Instituto Kaiser Wilhelm de Antropologia, Hereditariedade Humana e Eugenia.
A universidade acredita que os ossos vieram de "contextos criminais" que remontam ao período colonial da Alemanha e que "alguns dos ossos também podem ter vindo de vítimas de crimes nazistas".
Segundo um comunicado da universidade, "o enterro ocorreu em um ambiente digno, não religioso e não eurocêntrico", conforme haviam concordado diversas associações e organizações de grupos que representam as vítimas.
Origem dos ossos ainda é incerta
Nos últimos anos, os pesquisadores examinaram as ossadas por meio de métodos não invasivos. Eles concluíram que os 16 mil fragmentos pertenciam a pessoas de todas as faixas etárias, tanto de homens quanto de mulheres.
"É claro que gostaria de saber quem eram essas pessoas, mas não seria apropriado, dado o que foi feito com elas em nome do instituto", disse Susan Pollock, a arqueóloga que liderou a pesquisa.
A posição da arqueóloga tem o apoio do presidente da FU, Günter Ziegler, para quem "especificar as vítimas de acordo com certos grupos acabaria por apenas reproduzir os métodos e ideologias racistas do passado".
Organizações que representam grupos que podem estar entre os enterrados concordaram que não deveriam ser realizadas mais pesquisas para investigar a verdadeira origem dos ossos.
Entre elas, estão o Conselho Central dos Judeus na Alemanha e o Conselho Central dos Sinti e Roma (ciganos) Alemães, bem como a Iniciativa para Pessoas Negras na Alemanha, o Conselho Central da Comunidade Africana, o grupo de trabalho para vítimas da "Eutanásia" e para pessoas forçadas a serem esterilizadas.
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A coleção do Instituto de Antropologia e Eugenia
O instituto, que funcionou no local de 1927 a 1945, foi um centro para cientistas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, tais como Josef Mengele, famoso por seus experimentos com prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz.
Seu primeiro diretor, Eugen Fischer, realizou pesquisas em colônias alemãs no sul da África no início do século 20.
Além disso, o local também abrigou uma coleção de restos humanos de todo o mundo batizada em homenagem ao antropólogo Felix von Luschan, responsável pelas coletas durante a época colonial.
Vestígios de cola e inscrições encontradas em alguns fragmentos sugerem que os ossos faziam parte de coleções mantidas pelo instituto. Segundo a equipe de pesquisa, contudo, a composição de toda a ossada não corresponde a um típico acervo antropológico ou arqueológico conhecido do século 19 ou da primeira metade do século 20.
"Não se pode descartar, portanto, que alguns ossos sejam provenientes de contextos diretamente relacionados aos crimes nazistas. No entanto, sua origem não pode ser claramente reconstruída", disse a universidade em comunicado.
Vítimas da "ciência"
Na quinta-feira, os ossos foram enterrados em cinco caixas de madeira no cemitério Waldfriedhof Dahlem, em Berlim, diante de uma lápide cinza onde se lia "Vítimas em nome da ciência".
"Existem atrocidades sobre as quais nenhuma grama deve crescer ou deveria ser permitida crescer. Lembrar é nosso dever", disse Ziegler, presidente da FU.
A cerimônia modesta contou com a presença de representantes de grupos perseguidos tanto na época colonial quanto nazista.
"A prática desumana do racismo de pesquisa não previu enterro para os restos mortais e os jogou em covas", disse Daniel Botmann, representante do Conselho Central de Judeus da Alemanha. "Hoje estamos levando ao seu último lugar de descanso inúmeras vidas cujas vozes e biografias foram extintas."
ip/lo/nm (AFP, AP, DPA, Reuters, ots)
Dez fatos sobre a Alemanha colonialista
Os dolorosos legados do passado colonial alemão.
Foto: Jürgen Bätz/dpa/picture alliance
"Nosso futuro está na água"
Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.