Berlim lança testagem gratuita e anônima de drogas ilegais
7 de junho de 2023
Moradores da capital alemã poderão checar composição e pureza de substâncias antes de consumi-las. Objetivo do governo é esclarecer usuários para que tomem decisões conscientes, reduzir riscos e identificar tendências.
Anúncio
O governo de Berlim anunciou nesta terça-feira (07/06) um novo projeto para lidar com o consumo de drogas ilegais e reduzir o risco de overdoses e intoxicações: a testagem gratuita das substâncias, com a garantia de anonimato de quem solicitou o serviço.
Adultos que moram na capital alemã poderão levar amostras de drogas a três centros de aconselhamento para terem sua composição e pureza testados em um laboratório público. Em até três dias, a análise fica pronta e pode ser comunicada por telefone ou pessoalmente. Podem ser checadas drogas como maconha, ecstasy, speed, cocaína e LSD, entre outras.
Os resultados são informados por profissionais especializados em dependência química, que explicam o laudo do laboratório e respondem dúvidas. A ideia por trás do projeto é que os usuários possam tomar decisões mais conscientes a partir da análise das substâncias e das informações recebidas, com o objetivo de reduzir o risco inerente ao seu consumo.
Anúncio
Evitar overdoses e intoxicações
Além disso, espera-se que a política de saúde ajude o governo local a identificar tendências de consumo e produtos contaminados, evitando overdoses acidentais e intoxicações. A estratégia vem sendo planejada há anos e já vinha sendo testada há algumas semanas.
"Na nossa opinião, a checagem de drogas é positiva se pudermos evitar danos à saúde e se alcançarmos usuários de drogas que, de outra forma, não conseguiríamos alcançar ou chegaríamos a eles tarde demais", afirmou Tibor Harrach, diretor farmacêutico da iniciativa, à rádio pública RBB.
Ulrike Scherling, diretor de um centro de aconselhamento, avalia que já era hora de a capital alemã ter uma política pública nesse sentido. "Os participantes da vida noturna de Berlim viajam a outros países, conhecem isso [a testagem] de outras cidades e têm muito interesse em consumir [drogas] de forma menos danosa", disse à RBB.
As primeiras iniciativas para testagem de drogas em Berlim datam de meados da década de 90, quando a Love Parede atraía milhares de participantes todos os anos e uma associação civil passou a oferecer o serviço – que depois foi proibido.
O plano para uma política pública de testagem gratuita de drogas já havia entrado no contrato da coalizão do governo de Berlim em 2016, então formada pelo Partido Social-Democrata, pelo partido A Esquerda e pelo Partido Verde, mas não chegou a sair do papel. Atualmente, a cidade é governada por uma coalizão entre o Partido Social-Democrata e os conservadores da União Democrata Cristã (CDU).
Outros países, como Áustria e Suíça, têm projetos de testagem de drogas semelhantes há décadas.
Drogas com passado alemão
Muitos entorpecentes produzidos hoje em laboratórios clandestinos espalhados pelo mundo são criações de cientistas, militares e empresas da Alemanha.
Na Segunda Guerra
Nas campanhas na Polônia, em 1939, e na França, em 1940, Hitler enviou soldados drogados para o front. Na ocupação da França, teriam sido dados às tropas 35 milhões de comprimidos de Pervitin, que tinha o apelido de "chocolate de tanque" ou "pílula de Hermann Göring". A substância ativa, metanfetamina, é um estimulante do sistema nervoso central. Mas também os Aliados dopavam seus soldados.
Foto: picture-alliance/dpa-Bildarchiv
Alerta, destemido e sem fome
A droga foi produzida por um japonês, inicialmente em forma líquida. Químicos da fábrica berlinense Temmler aperfeiçoaram o produto e o patentearam em 1937. Um ano mais tarde o medicamento era lançado no mercado. Ele era usado contra cansaço, sensação de fome e sede e medo. Hoje em dia, o Pervitin é comercializado ilegalmente sob novo nome: Crystal Meth.
High Hitler?
Historiadores divergem se Adolf Hitler era dependente de Pervitin. Nas anotações de seu médico pessoal, Theodor Morell, aparece um "X" com frequência. Nunca foi esclarecido o que ele significa. Sabe-se, no entanto, que Hitler recebia medicamentos fortes, a maioria provavelmente muito aquém das atuais leis de combate às drogas.
Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library
"Milagrosa" heroína
A criatividade dos produtores de drogas na Alemanha já havia começado muito mais cedo. "Fim à tosse graças à heroína", era o slogan da fabricante alemã Bayer no final do século 19 para o seu sucesso de vendas. Em pouco tempo, a heroína passou a ser prescrita contra epilepsia, asma, esquizofrenia e doenças cardíacas, mesmo em crianças. Como efeito colateral, a Bayer apontava prisão de ventre.
Pai da aspirina e da heroína
O químico e farmacêutico Felix Hoffmann é celebrado especialmente como o inventor da aspirina. Sua segunda grande descoberta aconteceu quase por acaso, enquanto experimentava com ácido acético. Ele resolveu combinar este ácido com morfina, obtido do suco da papoula usada para produzir ópio, criando assim a heroína. O produto só se tornaria ilegal na Alemanha em 1971.
Cocaína para oftalmologistas
Já desde 1862, a alemã Merck fabricava cocaína, usada na época pelos oftalmologistas como anestésico local. Ao pesquisar folhas de coca da América do Sul, o químico Albert Niemann havia isolado um alcaloide, que chamou de cocaína. Niemann morreu pouco depois de sua descoberta, vítima de um problema pulmonar.
Foto: Merck Corporate History
Freud e cocaína
Sigmund Freud consumia cocaína para fins científicos. Em seus "Escritos sobre a cocaína", o pai da psicanálise escreveu que ela não traz inconvenientes. Segundo ele, a substância transmite euforia, energia para viver, e motiva a trabalhar. Seu entusiasmo, no entanto, acabou com a morte de um amigo por causa da droga. Naquele tempo, a cocaína era prescrita contra dor de cabeça e dor no estômago.
Foto: Hans Casparius/Hulton Archive/Getty Images
O barato do Ecstasy
Embora o americano Alexander Shulgin seja considerado o inventor da pílula Ecstasy, a receita para sua produção estava em mãos da fabricante alemã Merck. Em 1912, foi dada entrada para a patente de uma substância oleosa sem cor chamada metilenodioximetanfetamina (MDMA ). Na época, os químicos consideraram que ela não teria valor comercial.
Foto: picture-alliance/epa/Barbara Walton
Efeitos de longo prazo
Os efeitos destas descobertas são implacáveis. As Nações Unidas calculam que em 2013 morreram 190 mil pessoas no mundo devido ao consumo de drogas ilegais. Em relação a bebidas alcoólicas, que não são proibidas, os números são mais impressionantes: a Organização Mundial da Saúde estima que em 2012 5,9% de todos os casos de morte no mundo (3,3 milhões) foram uma consequência do consumo de álcool.