Berlim modernista pode se tornar Patrimônio Mundial
Stuart Braun
7 de julho de 2021
Blocos residenciais stalinistas na Karl-Marx-Allee e altos edifícios modernistas no bairro Hansaviertel foram construídos em lados opostos da Berlim dividida. Agora, são candidatos à lista de patrimônios da Unesco.
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Na década de 1950, Berlim ainda não era dividida por um muro, mas já estava política e culturalmente polarizada. Nesse contexto, visões urbanas concorrentes para a cidade devastada representaram uma subtrama central neste verdadeiro campo de batalha de ideias.
No início da década, na parte oriental da cidade, o regime comunista construiu uma nova e pomposa avenida batizada de Stalin-Allee (Avenida Stalin) – uma homenagem ao ditador soviético que morreria em 1953.
O conjunto de grandes edifícios residenciais ao longo de uma larga avenida de dois quilômetros combinava o classicismo socialista com a ornamentação do estilo arquitetônico prussiano. Em 1961, a avenida foi renomeada para Karl-Marx-Allee.
Arquitetura da Alemanha Oriental
Da reconstrução do pós-guerra até prédios pré-fabricados decorados, arquitetos da RDA construíram o que país precisava e partido único desejava. Arquitetura alemã-oriental era diferenciada e boa parte dela ainda existe.
Foto: Prestel-Verlag/Hans Engels
1953: Stalinallee, Berlim Oriental
"Pronto para trabalhar e defender a paz", diz a placa pendurada em andaimes de madeira ao longo da avenida Stalinallee, em Berlim, em 1953. A formação da Alemanha socialista também se refletiu em seus edifícios. Política e arquitetura eram inseparáveis na antiga República Democrática Alemã (RDA). A Stalinallee (hoje Karl-Marx-Allee) foi um projeto modelo.
Foto: ullstein bild - Perlia
1956-1959: Refeitório de fábrica em Pirna
Nos anos 1950, sob sigilo absoluto, a RDA construiu um complexo para o desenvolvimento de motores de aeronaves em Pirna, perto de Dresden. Um refeitório foi construído para os funcionários. Projetado em estilo modernista do pós-guerra e equipado com uma escada luminosa e ampla, o edifício abriga hoje apartamentos de luxo.
Foto: Prester-Verlag/Hans Engels
1956-1958: Estação Ferroviária de Potsdam
Devido à sua proximidade com Berlim Ocidental, projetistas na jovem RDA queriam reorganizar as ligações ferroviárias de Potsdam à RDA. A solução foi um anel ferroviário em torno de Berlim. Potsdam recebeu uma estação ferroviária em diversos níveis, que incluía um saguão de entrada funcional e foi inaugurada em 1958. Tornou-se a estação central de Potsdam antes da construção do Muro em 1961.
Foto: Prestel-Verlag/Hans Engels
1954-1955: Cinema da Juventude, Frankfurt do Oder
Este prédio em Frankfurt do Oder surgiu a partir de um cinema da companhia cinematográfica UFA em meados da década de 1950 e foi expandido para um centro cultural. Os murais das fachadas retratam uma "Trümmerfrau" (mulher que ajudou na reconstrução após a guerra) e um metalúrgico. O cinema funcionou até 1998. Desde a construção de um moderno cinema multiplex, ele claramente se deteriorou.
Foto: Prester-Verlag/Hans Engels
1969: Edifício da Estatística, Berlim Oriental
A RDA construiu sua nova capital no leste de Berlim dividida. Em 1957, a arquitetura da RDA havia retornado ao modernismo internacional. Grandes arranha-céus, muitas vezes construídos como prédios pré-fabricados, se erguiam no centro da cidade. A torre de televisão da praça Alexanderplatz, visível de longe, também anunciava a muito elogiada "vitória do socialismo".
Foto: Bundesarchiv/Eva Brüggmann
1967-69: Edifício da Indústria Eletrônica, Berlim Oriental
O Edifício da Indústria Eletrônica (Haus der Elektronikindustrie) e o Edifício das Viagens (Haus des Reisens) exibiam as formas tradicionais do modernismo nos países de regime comunista no Leste Europeu e e faziam parte da paisagem urbana da RDA perto da praça Alexanderplatz, na parte oriental de Berlim. Ambos os prédios continuam lá ainda hoje.
Foto: Imago Images/G. Leber
1969-1971: Edifício das Viagens, Berlim Oriental
Até a Reunificação da Alemanha, o Edifício das Viagens era a sede da organização estatal de viagens da RDA e lar dos escritórios da empresa aérea Interflug. O edifício ainda chama atenção com seus belos detalhes, como o painel de cobre em autorrelevo "O homem supera o tempo e o espaço", de Walter Womacka, e as formas onduladas acima da entrada. Hoje, ele é tombado como monumento histórico.
Foto: Prestel-Verlag/Hans Engels
1970-1972: Cinema Redondo, Dresden
O cinema redondo em Dresden, projetado pelos arquitetos Manfred Fasold e Winfried Sziegoleit, pretendia acrescentar diversidade à rua Prager Strasse. Ao longo da avenida destruída durante a guerra, edifícios retangulares passaram a dominar a paisagem após a reconstrução. Com dois cinemas, o prédio cilíndrico é considerado uma das mais importantes edificações modernistas do pós-guerra da cidade.
Foto: imago/Torsten Becker
1986-1988: Pavilhão de Música, Sassnitz
A forma de concha elegante e lúdica deste pavilhão para concertos na praia de Sassnitz, na ilha de Rügen, no Mar Báltico, lhe confere um ambiente marítimo. O arquiteto Ulrich Müther (1934-2007), de Binz, projetou um excelente exemplo da arquitetura de veraneio e spa da Alemanha Oriental. A concha acústica agora é tombada pelo Patrimônio Histórico.
Foto: Prester-Verlag/Hans Engels
1983-1987: Centro histórico, Rostock
Neste empreendimento urbano na rua Lange Strasse, iniciado em Rostock no ano de 1983, os arquitetos resgataram formas construtivas históricas. Com um pouco de imaginação, as construções lembram os edifícios de tijolo aparente do norte da Alemanha, que incluem frontões e beirais. Hans Engels capturou esta e outras imagens em seu livro "DDR-Architektur" ("Arquitetura da Alemanha Oriental").
Foto: Prestel-Verlag/Hans Engels
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Enquanto isso, do outro lado da cidade, as autoridades contrataram vários arquitetos modernistas para construir um novo bairro residencial em meio às ruínas em Berlim Ocidental, no que se tornou o chamado Hansaviertel.
Tais edifícios, projetados por nomes como Le Corbusier, Walter Gropius e até mesmo o brasileiro Oscar Niemeyer, poderão em breve se juntar aos seus contemporâneos do design soviético na lista de Patrimônio Mundial da Unesco.
"Karl-Marx-Allee e Interbau 1957 – Arquitetura e desenvolvimento urbano do modernismo do pós-guerra" é o nome da proposta, defendida pelo Senado de Berlim, que entrará no trâmite da chamada "Lista Provisória" da Alemanha para a Unesco.
Nesse meio tempo, a Waldsiedlung Zehlendorf, ou Assentamento Florestal de Zehlendorf, no extremo oeste de Berlim, deve expandir seus seis "Conjuntos habitacionais modernistas de Berlim" existentes, que já se tornaram Patrimônio Mundial da Unesco em 2008.
De caráter revolucionário, tais conjuntos habitacionais sociais foram construídos entre 1913 e 1934, sobretudo durante a chamada República de Weimar, breve período social-democrata entre o fim do Império Alemão e o início da ditadura nazista. Muitas das construções foram resultado da visão de mestres da Bauhaus como Bruno Taut.
Objetos da Bauhaus
Alguns objetos da coleção do Arquivo Bauhaus, em Berlim.
Foto: Bauhaus-Archiv Berlin/Foto: M. Hawlik
Mais que uma ideia
Walter Gropius fundou a Bauhaus em 1919. Nos 14 anos que se seguiram, ela tornou-se a mais importante escola de arte, design e arquitetura. Em sua curta existência, a Bauhaus influenciou não só a própria, mas também as gerações futuras. Suas formas simples e geométricas – como neste bule, de Marianne Brandt (1924) – servem até hoje de inspiração.
A Bauhaus não se apresentava apenas através de produtos e objetos, mas também de imagens e palavras. Em 1919, Lyonel Feininger criou a capa expressionista "Kathedrale" para o primeiro manifesto da Bauhaus. A intenção era atrair a atenção do público. Uma sala do Arquivo Bauhaus, em Berlim, aborda a popularidade alcançada pelo movimento.
Foto: Bauhaus-Archiv Berlin/Foto: M. Hawlik
A arte da arquitetura
"O objetivo final de toda a atividade criativa é a construção!" – proclamou a Bauhaus. Em Dessau, ainda sob o comando do arquiteto Walter Gropius, foi criado, em 1926, o departamento de construção e arquitetura do movimento. Primeiros esboços de projetos, como este de Fakas Molnar, foram feitos ainda em Weimar, mas nunca chegaram a ser realizados.
Já em 1923, a Bauhaus despediu-se esteticamente do Expressionismo. As imagens e produtos ficaram mais objetivos em sua concepção e execução. Os objetos artísticos deveriam ser reproduzíveis industrialmente e a baixo custo. As formas geométricas facilitavam a produção.
Práticos, simples e funcionais. Assim deveriam ser os objetos para uso doméstico criados pela Bauhaus. A exposição em Berlim mostra itens como tapetes, luminárias e móveis. Esta cozinha foi criada por Marcel Breuer em 1929. Numa época em que cada vez mais mulheres ingressavam na vida profissional, móveis compactos deveriam tornar o trabalho doméstico mais prático e rápido.
Foto: Bauhaus-Archiv Berlin/Foto: Justus A. Binroth
Geometria no quarto das crianças
Os brinquedos eram vistos como objetos que compunham o ambiente. Desenvolvido por Friedrich Froebel no início do século 19, os blocos de montar de madeira foram transformados, em 1923, por Alma Buscher num navio. Ela foi responsável por projetar o quarto do bebê na Musterhaus am Horn, em Weimar.
A Bauhaus não estabeleceu apenas novas normas para tamanhos e formas, mas também se orientava por uma escala de cores própria. Ela lembra o círculo de cores que o poeta Johann Wolfgang von Goethe montou para representar a "vida mental e espiritual do ser humano". A partir de modelos preto e branco, Katja Rose criou estes coloridos para as aulas com os alunos da Bauhaus, em 1932.
Estes pequenos fantasmas foram criados por Lyonel Feininger em um cartão para Werner Jackson, que tocava na banda da Bauhaus com T.Lux, filho de Feininger.
Embora T.Lux se considerasse pintor, ele se tornou conhecido por seu trabalho como fotógrafo. Aqui, ele retrata o pintor suíço Xanti Schawinsky tocando saxofone (esq.). Gertrud Arndt, que trabalhava com tecelagem, também ficou conhecida por esta imagem de si mesma tirada com timer (dir.).
Enquanto a famosa luminária Wagenfeld foi um dos primeiros projetos da Bauhaus, a luminária Bormann (foto), de 1932, foi um dos últimos. Ela foi projetada na oficina de metal da Bauhaus em Dessau e produzida numa fábrica da cidade. Um dos seus diferenciais era o cabo que se escondia no tubo de metal e também servia como pé, além da cúpula que permitia controlar a direção da luz.
Foto: Bauhaus-Archiv Berlin/Fotostudio Bartsch
100 vezes Bauhaus
Em 1932, ainda como uma instituição privada, a Bauhaus se mudou para Berlim, antes de ser fechada completamente pelos nazistas em 1933. Hoje, o Arquivo Bauhaus, com 700 metros quadrados, se tornou pequeno para abrigar o acervo que não para de crescer.