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'Minha Berlim'

18 de junho de 2010

Vinte anos após a queda do Muro, Berlim foi atingida por uma incontrolável onda de "gentrificação". Morador protesta, em crônica, a perda da tradicional cultura de bairro.

Kreuzberg: correndo riscoFoto: dpa

Os berlinenses, tão orgulhosos de sua pobreza e atitude punk frente à vida, acham fácil desdenhar dos yuppies. E, considerando que eu também não sou especialmente materialista, creio que faço o mesmo. Não tenho carro, não dou a mínima para marcas e designers e no momento não possuo mais que dois pares de sapatos. Cada mês é um exercício ver como darei um jeito na hora de pagar o aluguel e, enquanto há dinheiro suficiente na conta para comprar leite e cigarros, fico relativamente contente.

Você pode imaginar que demonstrações espetaculares de abundância são algo que tendo a achar com certeza vulgar. E não sou o único. Todos os berlinenses odeiam isso também. Principalmente quando seus bairros decadentes e grafitados acabam sendo tomados, saneados e então invadidos por uma espécie bizarra, fruto da fecundação entre Mulheres Perfeitas (Stepford Wives) e L.A. Law.

O processo de gentrificação tem sido levado adiante implacavelmente desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. Enquanto muitos cidadãos da ex-RDA voltavam-se para o brilho das luzes do Oeste, ávidos capitalistas arrebataram o antigo coração do socialismo alemão, compraram as propriedades vazias e começaram a transformar os bairros indiscriminadamente.

E isso não parou desde então. Os boêmios criativos na cidade fizeram suas trouxas e foram se mudando para outros bairros sucessivamente, para se distanciarem da maré de gentrificação. Eu quero dizer: se você custa a ganhar um dinheirinho vendendo uma arte anti-qualquer-coisa-ou-outra política, por que iria querer morar ao lado de algum médico aborrecido e sua mulher meiga?

Novos na cidade trazem energia a Berlim

Pichação contra gentrificação: protesto diretoFoto: Benjamin Braden / DW

Além de serem enfadonhos, seus vizinhos levemente atrevidos poderão representar uma ameaça ainda maior que simplesmente arruinar sua rua. O que faz um bairro, um Kiez? Certamente as pessoas, mas também as lojas um pouco excêntricas, os bares abertos a noite inteira e os clubes noturnos. O Sr. e a Sra. Tédio, que antes moravam na Mansão dos Conservadores, pensam que é melhor viver em uma ruína bombardeada em Prenzlauer Berg, porque ali é, afinal, tão "artístico", e para, depois de uma semana, estarem chamando a polícia e reclamando do barulho.

Isso aconteceu várias vezes; vizinhos reclamões e aluguéis cada vez mais caros viram o fim dos clubes berlinenses barra-pesada, como Rio e Scala, e de lugares como o King Kong, uma vez famoso por sua música ao vivo noturna e que teve seu espaço reduzido, abrindo agora só para sessões de jazz nos fins de semana.

As famosas festas de locação off – temas de guerrilha em algum porão em algum lugar – acontecem com cada vez menos frequência, porque os porões, agora, são todos companhias de design gráfico ou empresas jurídicas. Se você quiser ir a uma festa num porão, agora terá que ir para o bairro de Spandau.

Mas tudo isso são notícias más? Não necessariamente. Ellen Allien, DJ e fundador do selo Bpitch Control, disse recentemente numa entrevista à Flavorwire: "Muitas vezes, as pessoas se mudam para Berlim para ficar só três anos ou coisa parecida. E aí voltam para os EUA, para a Itália ou para onde quer que seja. Mas trazem o impacto, a energia. Isso é realmente bom para a cena, porque temos toda essa gente nova fazendo alguma coisa. Essa é a razão pela qual a cena musical é tão dinâmica", diz ele.

No entanto, Ellen Allien também alerta que a presença de "pessoas ricas visitando Berlim somente por um fim de semana" é o que "mata a cidade. Mas enquanto outras pessoas continuarem se mudando para cá, Berlim vai continuar a ser cool".

Destino comum das capitais

Nesses dias, parece que não transcorre uma semana sem que aconteça alguma manifestação antigentrificação em algum lugar de Berlim. Os bairros Prenzlauer Berg e Mitte, antes desoladas terras de ninguém, estão perdidos para os yuppies, de forma que a luta agora é para deter o fluxo antes que Kreuzberg, Friedrichshain e Neukoelln sigam pelo mesmo caminho.

Bairro Prenzlauer Berg: 'processo consumado'Foto: picture alliance / dpa

Dê uma rápida olhada no site não político brennende-autos.de (carros em chamas) e você verá que a tendência atual de incendiar um motor original, como um "foda-se" simbólico aos yuppies, acontece dentro dos bairros centrais acima mencionados – tamanha é a sensação territorialista nessas áreas.

A onda de transformar uma área em algo em alta no mercado, apelando para pessoas com altos salários, é algo que já detonou um bom número de capitais nesse mundo. "A gentrificação pode certamente ser um problema enorme para a vida noturna e para a essência criativa de uma cidade. Para entender o que pode acontecer, basta você ver Nova York ou Londres e como a cena dos clubes nessas cidades foi sendo enfraquecida, marginalizada e arruinada pelos ricos que iam chegando", diz Jonty Skruff, DJ e jornalista.

Agora que Londres se tornou cara e os clubes descolados foram fechados, "bares caros horríveis foram abertos lá e, a cada fim de semana, hordas de funcionários de escritórios bêbados ocupam a área, tornando-a desagradável para os descolados que tinham anteriormente tornado o lugar tão interessante e criativo", fala Jonty.

Situação de perda para todos

DJs, descolados e excêntricos, odeiam a "praga" da gentrificação em seus bairros que um dia foram boêmios; companhias estatais e associações imobiliárias pensam que estão tornando a área mais prazeirosa para qualquer um. É um situação em que todo mundo perde, pois ambos os lados do argumento são válidos e não podem se reconciliar.

Gentrificação, embelezamento, saneamento; não importa o nome que você dê para isso, as torneiras foram abertas há alguns anos e parece que não vão fechar tão cedo. O processo só chegará a um fim quando a criatividade e a excentricidade, que fazem de Berlim Berlim, tiverem acabado. Triste, mas verdade.

E para mim? Bem, nunca dei tanta bola para a moda a ponto de ela ditar em que rua devo viver. Minhas necessidades são muito simples: enquanto houver um lugar para prender minha bicicleta e comprar café e cigarros, estou feliz. Realmente não me importo se meus vizinhos são anarquistas de esquerda ou arquitetos bem vestidos, porque, no fim do dia, odiarei todos na mesma medida de qualquer forma. (sv)

O incurável mal-humorado Neale Lytollis vive atualmente em Kreuzberg, sobre uma mercearia.

Revisão: Roselaine Wandscheer

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