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Berlim vai a Avignon

Soraia Vilela10 de julho de 2004

O teatro alemão é destaque no Festival de Teatro de Avignon. A curadoria de Thomas Ostermeier, diretor do Schaubühne, de Berlim, leva à cidade francesa as "linguagens singulares" de sete encenações e duas coreografias.

Avignon: densa programação alemãFoto: AP

No último ano, uma greve de artistas e técnicos deixou a bela e medieval Avignon, no sul da França, a ver navios. O tradicionalíssimo festival de teatro, que acontece na cidade há mais de meio século, teve que ser cancelado. Uma troca de gerações na coordenação do evento havia sido anunciada.

Hortense Archambault e Vincent Baudriller, de 33 e 35 anos respectivamente, assumiram a tarefa de renovar a cara do festival, aproximá-lo da população local e promover um intercâmbio mais intenso com artistas estrangeiros. Uma das medidas tomadas para trazer frescor ao evento foi levar, na edição de 2004, Berlim a Avignon.

O convite havia sido feito pela direção do festival já em 2002 a Thomas Ostermeier, 36, que dirige ao lado da coreógrafa Sasha Waltz a lendária casa Schaubühne, de Berlim. As novas regras de Avignon prevêem que, a cada ano, um "artista associado" dê as cartas na curadoria do festival, delineando as fronteiras de língua, gênero e forma do que vai ser apresentado.

Em entrevista ao diário francês Le Monde, Baudriller justifica o convite a Ostermeier, que trouxe sua encenação de Woyzeck já nos primeiros dias de festival: "Admiro muito seu trabalho. Ostermeier é um dos representantes mais importantes [...] do teatro europeu".

Büchner, Ibsen e a nova geração de dramaturgos

Thomas OstermeierFoto: Linus Lintner

Dirigidas pelo próprio Ostermeier, estão sendo encenadas em Avignon Woyzeck, de Georg Büchner; Disco Pigs, de Enda Walsh; Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen e Concerto a pedido (Wunschkonzert), de Franz-Xaver Kroetz. Dois clássicos (Büchner e Ibsen) e duas peças de autores contemporâneos (Walsh e Kroetz). As produções do país vizinho, porém, não param aí.

Na função de curador, Ostermeier incluiu ainda na programação em língua alemã de Avignon, entre outras, Cocaína, encenada por Frank Castorf, Groundings, uma variação de esperança (Groundings, eine Hoffnungsvariante), dirigida pelo suíço Christoph Marthaler e Impromptus, uma coreografia de Sasha Waltz. As escolhas foram guiadas pela vontade de "convidar uma constelação de diretores, dramaturgos e coreógrafos que criam uma linguagem singular", nas palavras do diretor-curador.

Realismo cru

Thomas Ostermeier, um dos mais respeitados diretores do circuito teatral alemão, começa a ser celebrado também em território francês. A veia realista do diretor faz com que se torne "inimaginável criar um conflito dramático sem referências à realidade social". Seu Woyzeck, encenado pela primeira vez em 2003, transpõe o drama social de Georg Büchner (1813-1837) a um universo de outsiders da sociedade contemporênea.

O herói da peça, que teve sua primeira encenação em 1913, é colocado por Ostermeier na periferia de uma metrópole – transposto para a terra de ninguém, para um subúrbio desolado, onde violência e solidão dão o tom. A trilha sonora, que mistura hard rock e rap, anestesia os ouvidos entre diálogos curtos e secos. O cenário: a paisagem de concreto dos arranha-céus dos bairros "verticais" na parte oriental de Berlim. Uma região que ainda guarda rastros borrados do regime comunista.

Periferias asfixiantes da metrópole

A tragédia original e incompleta de Büchner – que começou a escrever na França, no verão de 1836 – sobre um pobre soldado, levado a assassinar a amada em função de sua própria obsessão pela morte, é considerada o primeiro "drama social" na história das artes cênicas. Sendo o próprio Büchner uma espécie de "pai do naturalismo" e precursor do expressionismo na literatura alemã.

As casernas do soldado Woyzeck, Ostermeier deixa de lado. No lugar delas, coloca seu protagonista nos "banlieues que assolam a Europa", nas periferias asfixiantes das grandes cidades, que mantêm "uma hierarquia de mesmo tipo e uma violência da mesma ordem" daquela sofrida pelo soldado de Büchner, como descreve Ostermeier em entrevista publicada pelo Instituto Goethe na França.

Teatro de idéias da "Velha Europa"

A versão 2004 de Avignon leva o subtítulo de "teatro de idéias", a partir do qual se pretende fazer do festival um pólo de discussão e reflexão. Não apenas cênico, mas também filosófico-político. Para isso, estão sendo oferecidos ciclos de debates e palestras, que destrincham o pensar na "Velha Europa". Para Ostermeier, essa é a oportunidade de "criar um novo mundo, que não seja simplesmente a réplica do modelo norte-americano dominante atualmente".

Durante os debates, vêm sendo abordados temas como "Oriente e Ocidente à prova de choque", controle e cultura do indivíduo, o novo espírito do capitalismo, política da arte e a questão Leste-Oeste em uma Europa ampliada. Avignon oferece ainda uma série de leituras cênicas durante o festival, como forma de criar um intercâmbio direto entre artistas e público.

Derrida e Sennett: "convulsões do século"

Filósofo francês Jacques Derrida

Na tentativa de elucidar "as convulsões do século", foram convidados para participar dos debates nomes como o filósofo francês Jacques Derrida (na mesa-redonda sobre a "Velha Europa") e o sociólogo norte-americano Richard Sennett (dentro do ciclo Metamorfoses do Trabalho). Thomas Ostermeier é um dos participantes da discussão sobre "a juventude entre criação, protesto e conformismo".

A presença do teatro alemão em Avignon demonstra que há sinais de um ressurgimento do intercâmbio cultural teuto-francês. Isso depois do jejum dos últimos anos: Um período em que "a literatura alemã foi pouquíssimo traduzida para o francês e em que o cinema alemão esteve 11 anos ausente do Festival de Cannes. Um tempo em que o Reno parecia fluir gélido e intransponível", como analisa o semanário Die Zeit.

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