Berlinale dedica retrospectiva ao "espírito de Weimar"
15 de fevereiro de 2013O que um filme do diretor norte-americano John Ford sobre uma briga entre mineiros, do ano de 1941, tem a ver com a República de Weimar? E por que a Retrospectiva do Festival Internacional de Cinema de Berlim exibe, dentro da mostra The Weimar Touch (algo como "O Espírito de Weimar"), o clássico Quanto mais quente, melhor, de Billy Wilder?
A resposta é simples: a retrospectiva do festival, dedicada normalmente a uma personalidade ou a uma época específica da história do cinema, quer explicitar determinados contextos históricos. Ela "traz filmes de todo o mundo de volta às telas – muitas vezes em versões restauradas ou novas cópias", segundo as diretrizes da Fundação Cinemateca Alemã.
Democracia instável, artes em ebulição
Desta vez, a escolha recaiu sobre "O Espírito de Weimar": entre 1918 e 1933, a Alemanha passava por uma fase instável do ponto de vista político, mas triunfal para as artes, especialmente o cinema. Ao observar o subtítulo da retrospectiva do Festival de Berlim (A Influência Internacional do Cinema de Weimar depois de 1933), fica logo claro o que os curadores tinham em mente: mostrar a influência do cinema alemão dos anos 1920 sobre as gerações posteriores de cineastas, sobretudo em Hollywood. Isso não dizia respeito apenas aos diretores que haviam migrado da Alemanha, mas também a cineastas norte-americanos, como por exemplo John Ford.
Ford rodou Como era verde meu vale em 1941, quando a Segunda Guerra Mundial assolava a Europa. A história gira em torno de quatro pessoas – uma família de mineiros da região da Valônia –, obrigada a enfrentar as mudanças do início do século, além de diversas adversidades pessoais. Trata-se de um filme melodramático sobre as dificuldades sociais e a união familiar.
A razão de o clássico de Ford estar sendo exibido em Berlim está em sua estética: "A iluminação de Friedrich Wilhelm Murnau serviu de exemplo para muitos diretores da produtora norte-americana Fox, para a qual Murnau trabalhou entre 1926 e 1929. Entre eles John Ford", diz Rainer Rother, diretor da Cinemateca Alemã.
A fama de Hollywood
Murnau é um dos principais nomes entre os diretores alemães que rodaram filmes durante a República de Weimar (Fausto, O último homem) e emigraram cedo para os EUA. Já naquela época, alguns cineastas se sentiam atraídos pelo "país das possibilidades ilimitadas". Hollywood atraía a todos com muito dinheiro, diversos estúdios de grandes proporções e tempo bom constante. No entanto, nos anos que sucederam à saída de Murnau da Alemanha, as razões pelas quais os artistas começaram a migrar passaram a ser outras.
Os nazistas viam sobretudo no cinema um meio para veicular sua propaganda pérfida. "Não pensamos nem de longe em tolerar que qualquer ideia, que tenha sido completamente extinta da nova Alemanha, apareça de alguma forma disfarçada ou abertamente no cinema", instigava o ministro da propaganda do "Reich", Joseph Goebbels, já em março de 1933, em discurso contra cineastas judeus. Estima-se que o número de artistas alemães forçados ao exílio gire em torno de 2 mil. Entre eles, cineastas, roteiristas, atores e compositores, bem como figurinistas e técnicos.
Comédias alemãs
Mas foram poucos os que conseguiram se estabelecer no exterior nos anos que se seguiram. Mesmo sendo certa a afirmativa de que Hollywood não teria se tornado o que é sem a influência dos cineastas europeus, o número daqueles que fracassaram no exílio é maior do que o dos que obtiveram sucesso.
Billy Wilder, que começou sua carreira na República de Weimar, como roteirista e diretor, se transformou no rei das comédias hollywoodianas: Quanto mais quente, melhor, com Marilyn Monroe, se tornou um dos filmes mais conhecidos da história do cinema. E suas raízes estavam na República de Weimar – um aspecto abordado agora pela retrospectiva do Festival de Berlim.
Comédias e musicais desempenham um papel muito importante na retrospectiva, diz Rother, ao salientar que a Alemanha teve um papel precursor exatamente neste gênero cinematográfico mais "leve". Algo que pode hoje surpreender muita gente. Fato é que Billy Wilder e outros diretores deram continuidade em Hollywood à tradição que havia sido soterrada na Alemanha.
A retrospectiva do Festival de Berlim tem cinco pontos de destaque: além das comédias, a mostra presta também tributo aos filmes policiais sombrios. "É notável que os policiais também se inspiraram na tradição de Weimar, da forma como ela marcou, por exemplo, os filmes de Fritz Lang", observa Rother.
O film noir se tornou a expressão de uma grande e criativa fase do cinema americano. "Observando mais detalhadamente este subgênero do cinema, percebe-se que havia ali um número surpreendentemente alto de diretores e roteiristas que haviam emigrado da Alemanha", constata Rother.
Resistência contra os nazistas – no cinema
Por fim, o êxodo dos artistas da República de Weimar fez com que vários diretores tenham se oposto ao nazismo nos anos 1940. A retrospectiva realça esse aspecto através de exemplos no capítulo Know Your Enemy (Conheça seu inimigo): além de algumas obras hoje praticamente desconhecidas, estão sendo exibidos também clássicos como Os carrascos também morrem, de Fritz Lang, ou Ser ou não ser, de Ernst Lubitsch.
Dessa forma, a retrospectiva do festival deste ano expande o olhar para um capítulo importante da história cinematográfica. E mostra que o cinema alemão daquela época tinha reconhecimento internacional: primeiro entre os anos 1918 e 1933, produzido na própria Alemanha, e depois, devido ao exílio dos profissionais, principalmente em Hollywood.
Autor: Jochen Kürten (sv)
Revisão: Alexandre Schossler