Berlinale mantém tradição política e foca no tema refugiados
Joachim Kürten (ca)11 de fevereiro de 2016
O Festival de Cinema de Berlim também se ocupa do assunto do momento na Alemanha: a crise migratória. Na programação estão filmes sobre deportação e integração, além de diversas atividades de apoio a imigrantes.
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"O choque de culturas é a verdadeira razão do grande carisma da Berlinale", declarou o diretor do Festival de Cinema de Berlim, Dieter Kosslick, já no ano passado. Um ano depois, o tema dos refugiados se tornou o foco da mostra.
Embora a Berlinale seja um grande evento internacional de cultura, ela sempre esteve comprometida com temas de relevância social e política. O mencionado "choque de culturas" está profundamente enraizado no festival e pertence ao "DNA da Berlinale", como Kosslick sempre enfatizou.
"Quando a Berlinale foi lançada, há 66 anos, milhões de alemães se encontravam em fuga ou estavam traumatizados pela deportação", afirma o site do festival, explicando que a Berlinale definiu como sua tarefa promover a compreensão, tolerância e aceitação.
A mostra sempre reagiu a situações de cunho social. Se os outros grandes festivais do continente, Cannes e Veneza, tivessem a pretensão de afirmar o mesmo, isso seria muito menos digno de crédito.
A Berlinale, por outro lado, sempre foi um festival politizado, às vezes menos, mas frequentemente mais. Isso acabou até mesmo gerando críticas de que ele pouco se dedicaria à evolução estética do cinema, priorizando a relevância social. Aí há alguma verdade. Nos últimos anos, não raro teve-se a impressão de que os vencedores dos Ursos de Ouro e Prata só foram escolhidos por serem "politicamente importantes" e não por apresentarem uma estética inovadora.
Tudo o que você precisa saber sobre a Berlinale
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Momento mais intenso
Polêmica à parte, a Berlinale sempre se beneficiou da diversidade. Nas seções do festival, principalmente naquelas distantes das competições glamorosas, ano após ano são apresentados documentários, cinema experimental político, filmes engajados e críticos. Grupos à margem da sociedade, ou mesmo refugiados, também já estiveram no foco da Berlinale por diversas vezes.
Nesse contexto, Kosslick recorda o que ele considera seu momento mais tocante como diretor do festival: "Para mim, o momento mais intenso, no qual a utopia e o cinema se uniram à realidade foi o último dia da Berlinale de 2003".
Enquanto, do lado de dentro, anunciava-se o Urso de Ouro para o filme Neste Mundo, de Michael Winterbottom, que mostra a fuga de três afegãos do país devastado pela guerra, do lado de fora 400 mil pessoas protestavam na praça Potsdamer Platz contra a invasão do Iraque. "Naquele momento, a Berlinale e o cinema estavam realmente 'neste mundo'", afirmou Kosslick.
O direito à felicidade
Essa integração entre cinema e realidade, entre cultura e política se reflete em vários exemplos na história do Festival de Cinema de Berlim. Em 2006, o drama bósnio Grbavica foi o grande premiado na capital alemã.
No ano passado, o vencedor do Urso de Ouro foi a película rodada secretamente em Teerã Taxi, de Jafar Panahi. "Não se trata somente de um trabalho corajoso", assinalou Kosslick, "mas de uma obra que expressa o direito à liberdade de expressão também na forma artística".
"O direito à felicidade" é o lema da 66ª Berlinale e à felicidade das pessoas pertencem tanto a liberdade de expressão quanto o direito à alimentação, de escolher o lugar onde se deseja viver e o livre exercício da religião.
É claro que o lema também faria sentido em edições anteriores do Festival de Cinema de Berlim, mas especialmente neste ano parece ter sido a escolha certa. Diversos filmes, em todas as seções, abordam temas atuais, como fuga, expulsão e integração.
Cultura das boas-vindas
Mas o engajamento do 66° Festival de Cinema de Berlim vai além da mera apresentação de filmes. Foram anunciadas diversas atividades. Redução dos preços dos ingressos, cotas de assentos livres, patrocínios – tudo isso em prol dos refugiados.
"No ano passado, 79.034 pessoas procuraram refúgio em Berlim", afirma o site oficial da Berlinale: "Como um festival voltado para o público e um grande evento da cidade, a Berlinale se vê comprometida a contribuir para a cultura das boas-vindas de Berlim".
Pela primeira vez serão coletadas doações em grande escala entre o público, os inúmeros convidados de todo o mundo e as personalidades. O dinheiro será destinado a organizações que cuidam de refugiados, que ajudam pessoas traumatizadas e promovem cursos de língua.
Assim, a 66ª edição do Festival de Cinema de Berlim certamente contribuirá para que o tema refugiados permaneça em foco. Além do glamour, do burburinho em torno das estrelas e do tapete vermelho, além das premiações e das estreias, será constantemente lembrado que, também neste ano, a Berlinale é o mais politizado de todos os grandes festivais de cinema do mundo.
66° Festival de Cinema de Berlim
"O direito à felicidade" é o lema da Berlinale em 2016. Com a promessa de lançar olhar sobre sentimentos humanos, evento inclui temática da crise de refugiados, remake de "O Diário de Anne Frank" e filmes brasileiros.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Kappeler
Boas escolhas
O sucesso de um grande festival depende dos organizadores e das escolhas dos filmes. Dieter Kosslick, diretor da Berlinale desde 2001, sabe tanto espalhar bom humor quanto apresentar filmes que mostram o lado obscuro da vida. A temática dos refugiados ganha destaque no 66° Festival de Cinema de Berlim, realizado entre 11 e 21 de fevereiro na capital alemã.
Foto: Getty Images/AFP/O. Andersen
Sobre refugiados
O lema da 66ª Berlinale, "o direito à felicidade", pode ter muitas interpretações. Mas, naturalmente, o Festival aborda o principal tema da atualidade: a crise de refugiados. O documentário italiano "Fuocoammare" foca na ilha mediterrânea de Lampedusa para abordar o direito à felicidade, tanto dos moradores quanto dos refugiados que ali desembarcam. O filme concorre na competição oficial.
Foto: Berlinale
A felicidade das estrelas
Grandes festivais como a Berlinale são sempre medidos pelo número de estrelas internacionais em seus tapetes vermelhos. Neste ano, entre outros, está sendo esperada a atriz francesa Isabelle Huppert. No filme "L'avenir", que também concorre na competição oficial, ela faz o papel de uma professora à procura da própria felicidade.
Foto: L' avenir/Mia Hansen-Løve
Presenças hollywoodianas
Quando as estrelas de Hollywood chegam à Berlinale, não devem faltar gritos de fãs. E isso já no filme de abertura do festival: "Ave, César!". Dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen, ele os bastidores da indústria do cinema. Scarlett Johansson, George Clooney e Josh Brolin (foto) dão um brilho hollywoodiano à película.
Foto: Universal Pictures
Olhar afro-americano
O novo filme do diretor americano Spike Lee é aguardado com ansiedade. Recentemente, ele esteve à frente do movimento de boicote ao Oscar, devido à nomeação somente de atrizes e atores brancos para concorrer ao prêmio. Sua nova obra, "Chi-Raq", aborda a cena do hip hop e do rap em Chicago.
Foto: Parrish Lewis
Irã, país do cinema
O Festival de Cinema de Berlim sempre foi marcado pelo interesse em produções de países para além da Europa e de Hollywood. Filmes iranianos são presença regular na Berlinale. Em 2016, participa da competição oficial "Ejhdeha Vared Mishavad!" ("A chegada de um dragão!"), do diretor Mani Haghighi. O filme lança um olhar sobre o Irã dos anos 1960.
Foto: Abbas Kosari
Presidência de Meryl Streep
Nos próximos dias, a renomada atriz hollywoodiana deverá ser presença constante nos tapetes vermelhos: Meryl Streep preside o júri da Berlinale em 2016. Ela e outros seis jurados vão decidir sobre os Ursos de Ouro e Prata. Streep sempre foi bem-vinda na Berlinale. Na foto, ela acena para a multidão em 2012.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Carstensen
Panorama brasileiro
Além da competição oficial da Berlinale, a seção Panorama traz filmes independentes e cinema de autor. Neste ano, o Brasil está representado logo com três filmes na inovadora mostra: "Mãe só há uma" (foto), de Anna Muylaert, diretora do premiado "Que horas ela volta?"; "Antes o tempo não acabava", dos cineastas Sérgio Andrade e Fábio Baldo e o documentário "Curumim", de Marcos Prado.
Foto: Berlinale
Novo Cinema
O Brasil também tem filmes selecionados para a mostra Forum, dedicada a filmes de vanguarda e experimentais. Nesta seção, o país é representado por "Muito Romântico", de Melissa Dullius e Gustavo Jahn; "Ruína" (foto), de Gabraz Sanna, e ainda pela exposição "A Mina dos Vagalumes", de Raphäel Grisey.
Foto: Gabraz Sanna
Curtas-metragens
O cinema brasileiro também tem chances de ganhar prêmios na Berlinale Shorts, categoria de curtas-metragem do festival. O documentário "Das águas que passam", de Diego Zon, foi selecionado para a competição. O filme retrata o pescador Zé de Sabino. A produção foi gravada na foz do rio Doce em março de 2015, antes da tragédia ambiental que devastou a região.
Foto: Berlinale
Retrospectiva
A Berlinale também é famosa por suas retrospectivas cuidadosamente elaboradas da história do cinema. Neste ano, o tema é "Alemanha 1966 – perspectivas cinematográficas no leste e no oeste", ou seja, os cinemas das antigas Alemanha Ocidental e Oriental. Um dos filmes exibidos é "Der sanfte Lauf", com Bruno Ganz como protagonista (foto).
Foto: Deutsche Kinemathek/Haro Senft
Reprises com música
Outra boa tradição da Berlinale é a reprise anual de um clássico do cinema mudo. Esses filmes dos primeiros tempos da sétima arte são cuidadosamente restaurados, digitalizados e apresentados durante o Festival de Cinema de Berlim, acompanhados de uma grande orquestra numa atmosfera festiva. Neste ano, será mostrada a película do diretor Fritz Lang "A morte cansada" (1921).
Foto: Friedrich-Wilhelm-Murnau-Stiftung
Um americano em Berlim
O Festival oferece a produtores e distribuidores uma boa plataforma para a première de seus novos filmes. Portanto, fora das seções oficiais, também em 2016 podem ser vistos alguns destaques antes de suas apresentações nos cinemas, como o novo documentário de Michael Moore "Onde invadir agora?" (2015).
Foto: Dog Eat Dog Films
Diário de Anne Frank
O tão aguardado remake do "Diário de Anne Frank" vai celebrar a sua estreia mundial durante o Festival de Berlim, antes de chegar aos cinemas no início de março. O filme foi dirigido por Hans Steinbichler e conta com a participação dos atores Martina Gedeck e Ulrich Noethen. A jovem Lea van Acken impressiona no papel de Anne Frank.
Neste ano, somente uma produção meramente alemã concorre ao Urso de Ouro, o principal prêmio do Festival de Berlim. "24 Wochen" ("24 semanas"), filme de Anne Zohra Berrached, retrata a vida de uma jovem grávida que a criança tem síndrome de Down. Um filme sobre um golpe do destino e sobre como lidar com ele. No elenco, estão Julia Jentsch e Bjarne Mädel.
Foto: Friede Clausz
Berlinale: festival alemão
Apesar de só ter um representante nacional concorrendo ao Urso de Ouro, o 66° Festival de Cinema de Berlim aposta pesado no cinema doméstico. Serão exibidos 151 filmes da Alemanha ou com financiamento do país. Na seção Perspectiva do Cinema Alemão, pode ser visto, por exemplo, "Agonie", do diretor David Clay Diaz.