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Berlinenses querem abrir restaurante antidesperdício

Richard A. Fuchs (fca)24 de agosto de 2015

Somente na Alemanha, 18 milhões de toneladas de alimentos são descartados por ano. Para reaproveitar sobras, grupo de Berlim pretende inaugurar um restaurante que só utilize ingredientes que iriam parar no lixo.

Foto: DW/R. A. Fuchs

As panquecas já estão nos pratos. Leoni Beckmann coloca uma colher de compota de pera com vinho do Porto sobre cada uma delas e, então, derrama calda de chocolate por cima. Poderia ser uma sobremesa comum, mas não na cozinha experimental do clube Restlos glücklich (em português, algo como "Sem sobras e feliz").

"Utilizamos produtos que normalmente teriam sido jogados no lixo para fazer receitas criativas e saborosas", explica Beckmann, que faz parte do clube com sede no bairro de Kreuzberg, em Berlim.

Para a sobremesa do dia, as peras eram sobras de um grande fornecedor. O chocolate havia ficado parado na alfândega, sob o sol, durante muito tempo e, por isso, não podia mais ser vendido. O sabor, contudo, não foi alterado.

Criatividade obrigatória

O objetivo do Restlos glücklich é conscientizar as pessoas, alertando sobre um problema que assola os países industrializados: o desperdício de alimentos. De acordo com um novo estudo da WWF, somente na Alemanha, 18 milhões de toneladas de comida vão parar no lixo anualmente, e estima-se que cerca de 10 milhões de toneladas desse contingente ainda poderiam ser consumidas.

Beckmann e seus colegas querem mostrar que é possível agir de outra forma. "Pretendemos abrir o primeiro restaurante da Alemanha contra o desperdício de comida", diz. O estabelecimento deve ter capacidade para 30 pessoas, e 90% dos alimentos utilizados no restaurante devem ser ingredientes resgatados do lixo.

"Estamos falando de frutas e verduras que não correspondem às normas comerciais, que tiveram de ser descartadas por causa de uma limpeza do estoque ou que simplesmente foram etiquetadas de forma errada", explica a colega Aline Henkys. Se com todas essas sobras ainda faltar algo para completar uma receita, os membros do clube poderão comprá-los na região ou plantá-los.

Equipe do "Restlos glücklich" (a partir da esq.): Aline Henkys, Leoni Beckmann, Wiebke Hempel, Lena Becker, Stefan Wingendorf, Anette KeuchelFoto: DW/R. A. Fuchs

Porém, as compras devem ser limitadas, o que faz da administração de um restaurante como esse um desafio. "Nunca sabemos quais produtos vamos receber no dia seguinte", conta Becker, também do Restlos glücklich. Logo, um cardápio fixo está fora de cogitação. O novo estabelecimento deve surpreender os clientes diariamente.

"Como sempre podemos ir ao supermercado, onde há de tudo, não precisamos ser criativos para cozinhar com aquilo que temos no momento", comenta Beckmann.

Um restaurante de Copenhague com conceito parecido virou modelo para a iniciativa berlinense. Assim como na capital dinamarquesa, além de dois cozinheiros e um gerente, voluntários deverão ajudar a tocar o projeto em Berlim. "Em Copenhague, por exemplo, um gerente de TI lava os pratos uma vez por semana por várias horas para mudar um pouco de ares, sair da frente do computador e fazer algo que tem sentido para ele", diz Henkys.

Tamanho não é documento

No dia da reportagem, o prato principal preparado por Wiebke Hempel foi panqueca de abobrinha e restos de pão. "Sempre há muito pão, por isso, fazemos várias experiências com ele", explica a chef amadora, que no clube é chamada de gerente de recursos.

As abobrinhas vieram do agricultor Johannes Erz, cuja fazenda fica a 70 quilômetros de Berlim. Erz fica contente por encontrar, com o novo empreendimento, um destino para os produtos que não consegue vender. Nesta manhã, foram entregues 30 abobrinhas gigantes, que, apesar de serem de ótima qualidade, não podem ser comercializadas.

"Tudo o que não se enquadra nas normas, seja grande ou pequeno demais, exige esforço na comercialização", conta o agricultor. "Por quê? Isso significa que preciso explicar a meus clientes porque é assim." Erz prefere poupar esse tempo.

O agricultor quer arrumar uma forma de, por exemplo, oferecer maçãs com defeitos pela metade do preço, para serem usadas na produção de cereais ou de suco – ou fornecê-las ao restaurante de sobras. Tomates e batatas grandes ou pequenos demais para serem comercializados também não faltam na fazenda de Erz.

O agricultor Johannes Erz fica feliz em encontrar destino para abobrinhas "gigantes"Foto: DW/R. A. Fuchs

Além da cozinha

A cozinha do Restlos glücklich ainda está em fase de testes, promovendo eventos como o "Brunch dos salvadores de comida". Para abrir, o restaurante precisa sobretudo de uma coisa: dinheiro. Com uma campanha de crowdfunding, os envolvidos pretendem angariar 50 mil euros para investir em mesas, utensílios e licenças de funcionamento. A campanha começou a todo vapor, e em apenas dois dias, o projeto arrecadou 6 mil euros.

Se a iniciativa der certo, os membros do Restlos glücklich prometem repassar os lucros do restaurante a projetos educativos. "Com as crianças, queremos abordar toda a trajetória dos alimentos, da plantação até o prato", conta Becker. "Com os adultos, queremos oferecer workshops sobre a durabilidade dos alimentos."

Contudo, as noites no restaurante serão dedicadas à boa comida, garante Beckman, acalmando aqueles que não gostam de ouvir discursos enquanto apreciam uma refeição. "Mas nosso desejo é que, quando nossos clientes voltarem para casa, possam abrir a geladeira, olhar para aquele tomate pequeno e murcho e pensar no que podem preparar com ele", completa.

Como um restaurante contra o desperdício de comida deve fazer de tudo para evitar jogar alimentos fora, o Restlos glücklich servirá porções menores do que de costume. Mas todo mundo deve ficar satisfeito, e, por isso, quem quiser pode repetir sem custo adicional. Porém, também na segunda vez, a ideia é servir apenas o bastante para que não haja desperdício.

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