Biólogos alemães defendem fim do termo 'raça' para humanos
Michaela Cavanagh
15 de setembro de 2019
Em manifesto, pesquisadores afirmam que não há base biológica para classificação da humanidade em raças e que conceito é resultado do racismo, além de ter sido usado para justificar perseguições e escravidão.
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Cientistas da Universidade de Jena, localizada no leste da Alemanha, afirmaram que não há base biológica para a classificação da humanidade em raças e lançaram um manifesto pedindo que o termo deixe de ser usado na descrição humana.
"A justificativa primariamente biológica para definir grupos humanos em raças, por exemplo, com base na cor de pele ou de seus olhos ou no formato de seus crânios, levou à perseguição, escravização e matança de milhões de pessoas", diz um trecho do manifesto intitulado Declaração de Jena.
"Não há base biológica para raças, e nunca houve uma. O conceito de raça é resultado do racismo, não seu pré-requisito", acrescenta o texto. Segundo os pesquisadores signatários do manifesto, a categorização hierárquica de grupos de pessoas com base em seus traços biológicos supõe relações evolutivas entre as espécies, sendo assim uma forma de racismo.
A Declaração de Jena foi elaborada pelos biólogos, especializados em evolucionismo, Martin Fischer, Uwe Hossfeld e Johannes Krause, da Universidade Friedrich Schiller de Jena, e Stefan Richter, da Universidade de Rostock. O manifesto foi apresentado no âmbito do 100º aniversário da morte de Ernst Haeckel, que foi considerado por muitos a versão alemã de Charles Darwin.
Haeckel foi um notório zoólogo e biólogo que teria contribuído para a biologia nazista. O cientista categorizou os humanos em 12 "espécies" e 36 "raças", afirmando inclusive que grupos indígenas e negros seriam menos civilizados que europeus. Por meio de uma suposta classificação científica de "raças humanas" em "árvores genealógicas", Haeckel contribuiu para "uma forma de racismo aparentemente baseada na ciência", ressalta o manifesto.
O biólogo Uwe Hossfeld afirmou que Haeckel era um "racista naturalista", pregando ideias do seu tempo, e que o atual manifesto é uma revisão crítica da tradição da disciplina.
Pesquisas científicas sobre variações genéticas de seres humanos apontaram que "em vez de limites definidos, os gradientes genéticos ocorrem entre grupos humanos", segundos os pesquisadores. "Para ser explícito, não apenas não há um único gene que sustente as diferenças 'raciais', como não existe nem mesmo um único par de bases", explicaram.
O manifesto carrega um peso adicional na Alemanha, onde, durante o regime nazista, a eugenia, um conjunto de crenças e práticas que visava melhorar a qualidade genética de uma população humana, e a higiene racial foram amplamente aplicadas para promover o dogma ideológico nazista de manter uma raça matriz pura e biologicamente superior a outras.
O presidente da Universidade de Jena, Walter Rosenthal, admitiu que a simples remoção da palavra "raça" do vocabulário acadêmico não evitará o racismo, mas pode contribuir para garantir que esse preconceito "não possa mais ser invocado por nós como uma justificativa".
Na Declaração de Jena, o grupo de cientistas estabeleceu uma ligação entre as formas atuais de racismo e "disciplinas aparentemente científicas", como higiene racial e eugenia. "Designar 'os africanos' como uma suposta ameaça à Europa e atribuir certas características biológicas a eles está na tradição direta do pior racismo do nosso passado. Portanto, vamos garantir que as pessoas nunca mais sejam discriminadas com base em especificações biológicas", concluíram os cientistas.
Para animais domésticos, o termo raça ainda é adequado. Segundo Hossfeld, isso ocorre porque as raças nestes casos são resultado de criação e não de um processo biológico natural. "A qualificação geográfica não se aplica a animais domésticos. Não existem dachshunds de Gilbratar que migraram para o norte", acrescentou o biólogo.
O drama "Green Book" foi premiado com o Oscar de melhor filme de 2019. O tema da segregação racial já foi abordado por Hollywood diversas vezes no passado.
Foto: picture alliance/AP/Universal/P. Perret
Melhor filme de 2019
A história contada pelo diretor Peter Farrelly é baseada em fatos reais. Viggo Mortensen (esq.) faz o papel de um chofer de um pianista negro que viaja pelos estados do sul dos EUA, orientando-se pelo "Green Book: o Guia". A particularidade: o livro informa motoristas sobre restaurantes e hotéis que são exclusivamente para pessoas negras – um sinal claro de segregação racial.
Foto: picture alliance/AP/Universal/P. Perret
"Infiltrado na Klan"
Em 2019, o Oscar do melhor roteiro adaptado foi para um filme que também aborda a segregação racial. "Infiltrado na Klan", do diretor Spike Lee, remonta igualmente a uma história verídica. Nos anos 1970, um policial negro consegue se infiltrar na Ku Klux Klan. Desde a década de 1980, o cineasta afro-americano vem abordando o tema do racismo nos EUA.
Foto: D. Lee/F. Features
"Pantera Negra"
Um terceiro filme que aborda – no sentido mais amplo – o tema do racismo também arrebatou três Oscar este ano. "Pantera Negra", adaptação de HQ dos estúdios Marvel, apresentou pela primeira vez um super-herói negro. Os autores de quadrinhos Stan Lee e Jack Kirby criaram os personagens na década de 1960, no auge do movimento pelos direitos civis.
Foto: picture-alliance/Marvel Studios
Homens brancos julgam…
Em 1957, o filme "Doze homens e uma sentença" foi uma das primeiras obras do cinema americano a tratar do racismo. Como thriller judicial em primeira linha, a estreia cinematográfica do diretor Sidney Lumet também abordava os preconceitos dos doze jurados brancos, responsáveis pelo veredicto contra um jovem porto-riquenho no tribunal.
Foto: picture-alliance/United Archives
"No calor da noite"
Dez anos depois, foi Sidney Poitier quem abriu mais portas em Hollywood. No drama "No calor da noite", Poitier interpreta um policial do norte que tem de resolver um caso no sul dos EUA e se depara com um racismo abismal. O filme foi premiado com cinco Oscars – e coroou Poitier como primeiro superastro afro-americano do cinema do país.
Foto: picture-alliance/United Archiv/TBM
"Mississippi em chamas"
Rodado nos EUA pelo diretor britânico Alan Parker, em 1988, "Mississippi em chamas" aborda assassinatos de negros e investigações do FBI. Um crítico escreveu: "A direção sensacionalista de Parker (faz) praticamente tudo para transformar 'Mississippi em chamas' num pastiche de filme de gângster. Mesmo assim, a película rompe um tabu: põe a culpa em toda uma camada burguesa de americanos brancos."
Foto: ORION PICTURES CORPORATION
"Conduzindo Miss Daisy"
Um ano depois, o australiano Bruce Beresford trouxe às telas a história sentimental produzida em Hollywood "Conduzindo Miss Daisy". Da mesma forma que "Green Book: o Guia", este filme também foi um exemplo de como se pode lidar com o tema no cinema: de forma conciliatória e sentimental. Ele conseguiu levar quatro Oscars.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library/Majestic Films
"Gran Torino"
Em 2008, o diretor e estrela de Hollywood Clint Eastwood surpreendeu seus fãs com o drama "Gran Torino". Nele, Eastwood interpreta um americano racista, que nutre preconceitos principalmente contra a população de origem asiática nos EUA. No decorrer do filme, o personagem interpretado por Eastwood se transforma por meio de vivências pessoais para melhor.
Foto: Imago//Unimedia Images
Mais Clint Eastwood
Um ano depois, Eastwood abordava novamente, de outra forma, o tema do racismo. No drama biográfico esportivo "Invictus", ele conta a história da seleção sul-africana de rúgbi. "Conquistando o inimigo" foi o título do livro original. Eastwood lançou um olhar sobre a África do Sul na era pós-apartheid. Morgan Freeman fez o papel de Nelson Mandela.
Foto: AP
"O mordomo da Casa Branca"
Este filme também se encaixa na tradição de filmes americanos sobre o racismo com o ímpeto esclarecedor: "O mordomo da Casa Branca" (2013), com Forest Whitaker e Oprah Winfrey nos papéis principais. Ele conta a história baseada em fatos verídicos autênticos do mordomo afro-americano Eugene Allen, que trabalhou para oito presidentes dos EUA. A película também reflete a recente história americana.
Foto: picture alliance/AP Images
"Doze anos de escravidão"
Lançado nos cinemas em 2013 e premiado com o Oscar de melhor filme um ano depois, "Doze anos de escravidão" faz um retrospecto dos primórdios da escravatura nos EUA. O filme do artista britânico Steve McQueen, que também faz sucesso como diretor de longas-metragens, encenou o drama sobre racismo com atores famosos – e convenceu a Academia de Hollywood.
Um ano depois, a diretora americana Ava DuVernay também mergulhou na história. Em "Selma", ela abordou as marchas de ativistas dos direitos dos negros e da população em geral da cidade de Selma para Montgomery, no estado do Alabama. No filme, David Oyelowo interpreta Martin Luther King, Tom Wilkinson (foto) aparece como o insensível presidente Lyndon B. Johnson.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nishijima
"Loving: uma história de amor"
Três anos atrás, o diretor americano Jeff Nichols surpreendeu o público com o sensível drama "Loving: uma história de amor", no qual também se resgata um capítulo da história do racismo nos EUA. O filme destaca a luta de um casal que se rebela contra a lei dos casamentos mistos proibidos – conseguindo êxito em tribunal.
Foto: picture-alliance/ZUMAPRESS.com/Focus Features
"Corra"
Certamente uma das contribuições mais originais sobre o tema do racismo no cinema foi o filme "Corra" em 2017. Ao contrário de tantas produções hollywoodianas bem-intencionadas, mas muitas vezes piegas, o diretor afro-americano Jordan Peele fez um filme de gênero no qual o racismo é apresentado com elementos de terror e comédia – o resultado é uma mescla de gêneros muito original e convincente.
No mesmo ano, o diretor Barry Jenkins conquistou o Oscar de melhor filme com "Moonlight: sob a luz do luar". Em três capítulos, Jenkins conta a história de um homossexual afro-americano. Esteticamente convincente, o filme é um exemplo de obra cinematográfica formalmente interessante e que implementa seu tema embasada e diferenciadamente, dispensando melodrama e sentimentalismo.
Foto: picture alliance/AP Photo/D. Bornfriend
"Eu não sou seu negro"
Além dos muitos filmes com os quais o cinema americano tem contribuído para o assunto nas últimas décadas, houve documentários esporádicos. Em "Eu não sou seu negro" (2016), o diretor haitiano Raoul Peck baseou de forma muito convincente seu olhar retrospectivo sobre o racismo nos EUA, especialmente em textos do escritor afro-americano James Baldwin.