Bibliothek: A recepção de Brecht na Alemanha e no Brasil
Ricardo Domeneck
13 de junho de 2017
Obra de dramaturgo alemão, dedicada ao impulso comunista, é associada em sua terra natal à ditadura da antiga Alemanha Oriental. Já no Brasil, produção do expoente do teatro é vista como atual e tem grande influência.
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Quando ainda morava em São Paulo, eu era muito próximo de pessoas ligadas ao teatro. Atores, diretores, dramaturgos. Entre eles, se havia um nome alemão que era citado com muita frequência, esse nome era com certeza o de Bertolt Brecht.
Não muito conhecido como poeta no Brasil, ele é sem dúvida um dos dramaturgos internacionais mais influentes no país. Suas peças são encenadas, seus textos teóricos são estudados em escolas de teatro, suas técnicas ainda são usadas. Brecht é um nome incontornável para o teatro no Brasil, assim como em vários países da América Latina.
Ao me mudar para a Alemanha, o país de Brecht, eu havia imaginado e esperado que isso fosse ainda mais verdade aqui. Que Brecht seria, ao menos no teatro, ainda um autor incontornável. No entanto, não é exatamente o caso. Após conversar ao longo dos anos com muitas pessoas sobre o poeta e dramaturgo berlinense, sinto que a Alemanha tem hoje uma relação bastante difícil com Brecht.
É claro que ele é um autor canônico. É estudado nas escolas. Ao se entrar em qualquer boa livraria, é possível encontrar suas peças teatrais em volumes reunidos e também avulsos. Sua poesia está em catálogo. Há antologias e reuniões poéticas. Talvez a diferença básica que eu sinta entre a relação dos brasileiros e dos alemães com Brecht é a questão de sua atualidade.
No Brasil, as ideias de Brecht eram consideradas atuais, ao menos quando eu ainda vivia no país. Na Alemanha, o que ouço com frequência, mesmo que não exatamente com essas palavras, é que Brecht é um autor do passado. Histórico. Importante. Mas que não faz sentido para os dias de hoje como fez entre as décadas de 20 e 50.
É claro que ainda é possível ver as peças de Brecht em Berlim, mas essencialmente no Berliner Ensemble, o teatro que foi dirigido por ele até sua morte e que hoje funciona em grande parte como um espaço dedicado a sua obra.
Há poucas semanas tive novamente esta conversa com um alemão ligado ao teatro, que conhecia a influência de Brecht na América Latina. Em sua opinião, há no Brasil e outros países do continente uma reverência exagerada ao dramaturgo alemão.
Por aqui, as ideias de Brecht estão ligadas a um determinado momento histórico. É possível encená-lo, mas é necessário reinventá-lo, de alguma forma. Há, porém, outra questão, que é política. O trabalho de Brecht, dedicado como foi ao impulso revolucionário comunista, é inevitavelmente associado à República Democrática Alemã (RDA), a antiga Alemanha Oriental, e, portanto, acaba associado a uma ditadura.
Morto em 1956, Brecht não poderia prever tudo o que ocorreria entre as duas Alemanhas, começando pelo Muro de Berlim, erguido em 1961. Mas há uma espécie de ressaca política que envolve não apenas a obra de Brecht, mas de vários autores associados à Alemanha Oriental.
Como o Brasil experimentou no mesmo período uma ditadura de direita, há ainda uma aura romântica em torno do impulso político e revolucionário do teatro brechtiano no país. É difícil saber quando esta ressaca passará e os autores da Alemanha Oriental serão lidos da mesma maneira que os autores da Alemanha Ocidental.
Talvez seja necessário que a geração que viveu os terrores da divisão alemã já não esteja entre nós. É possível que, num futuro próximo, uma geração nascida após a Reunificação consiga retornar aos autores da Alemanha Oriental com menos desconfiança. Eu acredito que isso seria saudável.
Dez clássicos da literatura alemã
De "Fausto" à "História sem fim", de Thomas Mann a Günter Grass, a literatura alemã inclui obras para todos os gostos. Selecionamos dez.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Endig
"Fausto"
Dividido em duas partes, o poema trágico de Johann Wolfgang von Goethe, de 1808, "Faust – eine Tragödie" é considerado uma das obras-primas da literatura alemã. Insatisfeito com a própria vida e sedento de conhecimento, o cientista Heinrich Fausto acaba fazendo um pacto com o diabo, Mefisto, prometendo-lhe sua alma. Na foto, a tragédia é interpretada pelos atores Bruno Ganz e Robert Hunger-Bühler.
Foto: picture-alliance/dpa/Expo_2000
"A Montanha Mágica"
Uma das obras mais conhecidas de Thomas Mann, "Der Zauberberg", de 1924, é considerado um retrato da sociedade europeia antes da Primeira Guerra Mundial. O romance aborda a estadia do jovem Hans Castorp, oriundo de uma tradicional família de Hamburgo, num sanatório, nos Alpes suíços, de 1907 a 1914. O romance foi transformado em filme pelo diretor Hans W. Geissendörfer, em 1982 (foto).
Foto: imago/United Archives
"O tambor"
"Die Blechtrommel", de 1959, trouxe reconhecimento internacional ao futuro Nobel Günter Grass e projeção à literatura alemã do pós-guerra. O romance pertence à chamada "Trilogia de Danzig", que lida com a culpa da Alemanha pelo nazismo e a memória do Terceiro Reich. A versão para o cinema da obra, dirigida por Volker Schlöndorff, foi a primeira produção alemã do pós-Guerra a conquistar um Oscar.
Foto: ullstein - Tele-Winkler
"O perfume"
O bestseller de Patrick Süskind, "Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders" foi publicado em 1985 e, em 2006, ganhou versão cinematográfica (foto). A história se passa na França no século 18 e tem como protagonista Jean-Baptiste Grenouille, cujo próprio corpo não tem cheiro, mas que é dotado de um olfato fora do comum. Obcecado em criar o perfume perfeito, ele se transforma num assassino.
Foto: picture-alliance/dpa
"O lobo da estepe"
O clássico "Der Steppenwolf" foi publicado por Hermann Hesse (foto) em 1927. Em plenos anos 1920, em Zurique, o protagonista Harry Haller vive uma crise existencial em meio à devastação do pós-guerra e descreve a si mesmo como "o lobo da estepe". Ao conhecer Hermínia, ele começa a ver o mundo de outra maneira. O livro foi o primeiro de Hesse a ser traduzido para o português, em 1935.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
"Os bandoleiros"
O drama de Friedrich Schiller "Die Räuber", de 1781, tem como tema as tramas criminosas da nobreza, mais especificamente a rivalidade entre os irmãos Karl e Franz von Moor. Os dois brigam pelo reconhecimento do pai, concorrem pela mesma mulher e lutam por poder e influência. O clássico acaba de ser adaptado para o cinema no ano passado (foto), codirigido por Pol Cruchten e Frank Hoffman.
Foto: Coin Film Francois Fabert
"A honra perdida de Katharina Blum"
"Die verlorene Ehre von Katharina Blum" foi publicado pelo Nobel de Literatura Heinrich Böll em 1974. O autor tematiza a imprensa sensacionalista e suas possíveis consequências por meio da história da dona de casa Katharina Blum e do assassinato do jornalista Werner Tötges. O romance foi adaptado para o cinema em 1975 (foto), sob a direção de Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
"O Leitor"
"Der Vorleser", publicado por Bernhard Schlink em 1995, gira em torno do amor de Michael Berg, de 15 anos, por Hanna, 21 anos mais velha. Numa espécie de ritual romântico, ela sempre lhe pede que leia para ela. Até que Hanna desaparece. Anos depois, Michael a reconhece entre os acusados num processo para julgar crimes do nazismo. O romance transformou-se em filme em 2008 (foto).
Foto: Studio Babelsberg AG
"A história sem fim"
"Die unendliche Geschichte", publicado por Michael Ende em 1979, não pode faltar nas estantes das crianças na Alemanha. Todas conhecem as aventuras do jovem Bastian no país Fantasia, que ganharam projeção internacional desde que "A história sem fim" chegou aos cinemas, em 1984 (foto). O romance fascina não somente o público infantil, mas também adulto.
Foto: picture-alliance/dpa
"Contos de Grimm"
A coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm "Kinder- und Hausmärchen" foi publicada entre 1812 e 1858, e é considerada a obra alemã mais disseminada no mundo, depois da Bíblia de Lutero. Incluindo clássicos como "Rapunzel", "Chapeuzinho Vermelho" (foto) e "Branca de Neve", os contos já foram traduzidos para mais de 160 idiomas e inspiraram filmes, peças de teatro, desenhos animados e quadrinhos.