Em sua época de ouro, cidade alemã atraiu figuras como Goethe, Schiller e Nietzsche. Arquivos dedicados a eles e ruas e casas onde fase áurea da literatura alemã foi escrita fazem visita à pequena Weimar valer a pena.
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Apesar de viver há quinze anos como escritor na Alemanha, há uma cidade de grande importância histórica para a literatura de língua alemã que visitei pela primeira vez somente na semana passada: Weimar. Sob o mecenato de Karl August, Grão-Duque de Saxe-Weimar-Eisenach, a cidade conheceu um apogeu literário, atraindo grandes personalidades, como Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller, e também figuras menos conhecidas, como Christoph Martin Wieland, Johann Gottfried von Herder e Johannes Daniel Falk. Foi a época de ouro de Weimar.
Ali fundariam o estilo que veio a ser conhecido como Weimarer Klassik. Como se não bastasse, viveram e produziram na cidade também Johann Sebastian Bach e Friedrich Nietzsche. Alguns desses nomes estão entre os alemães mais famosos e influentes de todos os tempos.
Talvez por isso espantasse algumas pessoas, quando o assunto vinha à tona, que eu jamais houvesse visitado a cidade. Uma espécie de peregrinação literária incontornável. A cidade sempre teve um vulto grande em minha cabeça por tudo isso. Além disso, ela cedeu seu nome ainda para a República que surge ao fim da Primeira Guerra, a República de Weimar, um dos períodos que mais me interessam na história alemã.
Foi com essas expectativas que fui à cidade para uma leitura. Sua importância histórica é tão grande que eu também a imaginava assim: grande. Ao chegar à estação ferroviária central de Weimar, me perguntei por um segundo se havia descido na cidade errada. Parecendo uma parada de cidade do interior, a estação já anunciava que Weimar ainda hoje é pequena e delicada. É interessante como as lendas literárias por vezes distorcem a realidade.
Na Goetheplatz, há uma estátua dos dois amigos Goethe e Schiller. Não muito longe dela, pode-se visitar a casa onde viveu Goethe e onde escreveu, entre outros, seu Fausto. Também existe ainda a casa onde viveu Schiller, e a cidade sedia os arquivos dedicados aos dois, assim como o de Nietzsche.
Bastante poupada durante os bombardeios da Segunda Guerra, Weimar é uma das cidades alemãs onde ainda se pode ver um retrato antigo do país. Grande parte dessa história ocorreu, é claro, quando ainda não se podia falar de uma Alemanha, antes da Unificação sob comando da Prússia. Mas com certeza Weimar é uma das cidades onde a sensibilidade alemã, unindo todas as regiões pela língua, começou a ser forjada.
Para conhecer as ruas e casas onde uma fase áurea da literatura alemã foi escrita, mas também para simplesmente ler estas mesmas obras nos muitos cafés de Weimar, a visita à cidade com sabor literário vale bastante a pena.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
Goethe, a versatilidade de um gênio
Ele doou ao mundo uma grande quantidade de literatura. Mas Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) queria mais, e explorou as mais diversas áreas. Aqui, alguns de seus aspectos menos conhecidos desse versátil gênio.
Foto: ullstein bild - JOKER/Haefele
Ministro e saneador financeiro
Aos 26 anos, Johann Wolfgang von Goethe se mudou para Weimar, capital do ducado de Saxe-Weimar-Eisenach, onde se tornou ministro do duque Carlos Augusto. Suas áreas oficiais de competência incluíam mineração, chefia da comissão de pavimentação e guerra, mas a principal meta era sanar as dívidas da corte. Para tal, adotou medidas radicais, como cortar pela metade as forças armadas do ducado.
Foto: Imago/United Archives
Amigo leal
Goethe gostava de se recolher nesta casa de veraneio no parque de Weimar. O duque Carlos Augusto era mais do que seu empregador: a amizade entre ambos durou 53 anos. Contudo, nem sempre em harmonia, pois a relação sofreu desgastes, por exemplo, com as viagens repentinas de Goethe. Carlos Augusto é o responsável pelo "von" no nome do poeta, tendo lhe concedido o título de nobreza em 1782.
Foto: picture alliance/akg-images
Cientista
As obrigações na corte de Weimar ocupavam Goethe em tempo integral, mas não o satisfaziam, e ele foi explorar outros mundos, como a geologia, botânica, mineralogia, ou osteologia. Mais tarde, ocupou-se da metamorfose dos vegetais, tornando-se cofundador da morfologia, ciência que estuda a estrutura e organização dos seres vivos e de suas partes.
Foto: Imago/Chromaorange
Peregrino
No auge da carreira oficial, a camisa-de-força ministerial ficou apertada demais. Em 1786, Goethe partiu por dois anos para a Itália, sem aviso prévio. Lá, aprendeu a amar a Antiguidade Clássica e o Renascimento. Em cartas, falava de um "renascimento", uma "nova juventude". Inspirado pela Itália, Goethe escreveu as peças teatrais "Ifigênia em Táuris", "Egmont" e "Torquato Tasso".
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Paisagista
Goethe era um amante das flores, especialmente das malvas. Embora nunca tenha ido à Inglaterra, era fascinado pelos jardins ingleses, alguns aspectos dos quais ele incorporou em seu próprio jardim, mas também no Park an der Ilm, em Weimar. Inspirado por sua viagem pela Itália, Goethe incentivou e inicialmente até conduziu a construção da Casa Romana nesse parque (gravura de Georg Melchior Kraus).
Foto: picture-alliance/akg
Sedutor
De origem humilde, Christiane Vulpius foi amante e mais tarde esposa de Goethe. Sua mãe a chamava de "Bettschatz" (tesouro de cama), um apelido nada lisonjeiro. A jovem inspirou as "Elegias romanas" do poeta – 24 poemas francamente eróticos, indecentes demais para Weimar. Mas as elegias significaram mais: a emancipação de Goethe como autor, inspirado por poetas antigos, rigorosamente formal.
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Diretor teatral
Goethe atuou mais de 20 anos como diretor artístico. Antes de assumir em 1791 no recém-fundado Teatro da Corte de Weimar, ele dirigira o Liebhabertheater, em caráter amador. O próprio poeta atuou nas primeiras peça, em parte ao lado do amigo duque Carlos Augusto. O Teatro da Corte de Weimar se tornaria um dos palcos mais importantes do país.
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Classicista
Goethe e Friedrich Schiller: dois espíritos livres. Para Schiller, Goethe de início era um "egoísta insensível". Este, por sua vez, falava de um "encontro fracassado". No entanto, um não passava sem o outro, desenvolvendo juntos a concepção literária atualmente conhecida por "Classicismo de Weimar". Um intercâmbio importante para ambos: Schiller fez dele "novamente um poeta", escreveria Goethe.
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Teórico das cores
Ao longo de 20 anos, Goethe se ocupou da natureza das cores, antes de publicar sua "Teoria das cores" em 1810. Em dois volumes e muitas ilustrações, ele aborda o fenômeno em sua totalidade, não apenas do ponto de vista físico. Porém apenas cerca de um terço da classe científica da época apoiou suas ideias, quase a metade foi contra, 20% se mostraram indecisos. Goethe ficou decepcionado e magoado.
Foto: gemeinfrei
Mediador entre Ocidente e Oriente
Não só a Itália e a Antiguidade Clássica o inspiraram: Johann Wolfgang von Goethe estudou árabe e persa, leu o Alcorão e devorava os versos de Hafiz, um dos mais célebres místicos e poetas persas. O espaço cultural recém-descoberto o precipitou numa "euforia criativa", registraria. Dessa época data sua mais extensa antologia de poemas, o "Divã ocidental-oriental".
Foto: Imago/imagebroker
O eterno explorador
Que traços autobiográficos oculta a obra prima de Goethe, a tragédia "Fausto"? Certo está que tanto autor quanto protagonista estavam à procura do que mantém o mundo coeso em seu âmago. O erudito Fausto é confrontado com a avidez por saber mais profundo e por mais prazeres, com relacionamentos fracassados, magia, culpa, fé, perdão divino, redenção e muito mais. E Goethe...?