Bibliothek: As mulheres na literatura contemporânea alemã
Ricardo Domeneck
22 de agosto de 2017
Número de escritoras deixando sua marca no idioma vem crescendo nas últimas décadas. Nomes como Sibylle Berg, a Nobel Herta Müller e a premiada Carolin Emcke são alguns destaques.
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Nos últimos textos, falei sobre as escritoras que marcaram a literatura em língua alemã do período medieval ao pós-guerra imediato. Discutir a presença feminina na escrita contemporânea é mais desafiador, já que o número de escritoras deixando hoje sua marca é muito maior. Uma das dificuldades aqui seria recomendar escritoras para aqueles que não dominam o alemão, já que infelizmente a escrita feminina germânica não tem encontrado acolhida justa no mercado editorial brasileiro.
Basta pensarmos em Sibylle Berg, por exemplo. Alemã naturalizada suíça, a escritora é uma das presenças mais constantes da vida cultural por aqui, não apenas por meio de seus livros como também por sua coluna na revista Der Spiegel. É uma das autoras mais mordazes da língua hoje e alcançou tanto sucesso de crítica como de público com seu primeiro romance, Ein paar Leute suchen das Glück und lachen sich tot (Algumas pessoas buscam a felicidade e morrem de rir, 1997). No Brasil, uma de suas peças foi apresentada este ano no Festival de artes Cênicas Brasil Internacional pelo grupo do Maxim Gorki Theater, mas em inglês.
Algumas escritoras ainda precisam ser vistas por sua própria luz, e não sob a sombra de outros homens. O caso mais gritante é o de Inge Müller (1925-1966), ex-mulher de Heiner Müller, que chegou a escrever com ele as primeiras peças, tendo sua coautoria apagada em edições subsequentes.
As escritoras vivas mais conhecidas hoje serão com certeza as duas ganhadoras do Nobel nas últimas décadas: a austríaca Elfriede Jelinek, em 2004, e a romena de nascimento Herta Müller, em 2009. Jelinek ainda é uma figura controversa, mas Müller tem acolhida de estrela por onde quer que passe. São duas das figuras mais fascinantes da literatura em língua alemã nos dias de hoje.
Mas há outras autoras interessantíssimas que precisam ser mais conhecidas, tanto na Alemanha como no Brasil. Há figuras de culto, como a também romena de nascimento Aglaja Veteranyi (1962–2002), naturalizada suíça. Em 2004, foi lançado no Brasil seu livro Warum das Kind in der Polenta kocht (Por que a criança cozinha na polenta, publicado originalmente em 1999), com tradução de Fabiana Macchi.
Ainda na Suíça, mencionaria Mariella Mehr, poeta e romancista nascida em Zurique em 1947, que é do povo ieniche, a terceira maior etnia nômade da Europa. A etnia sofreu persecuções por parte do governo suíço, sendo que a própria autora foi tirada da mãe, ainda bebê, e entregue a várias famílias e institutos. O mesmo ocorreu ao filho dela, que nasceu quando Mehr tinha 18 anos. Essas experiências marcaram profundamente seu trabalho.
Na Alemanha, muito do melhor da escrita tem saído da pena de mulheres como Odile Kennel, Monika Rinck, Nora Bossong e Carolin Emcke. Esta última recebeu no ano passado o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, fazendo um discurso de agradecimento em defesa dos direitos humanos e abordando temas como a homossexualidade e o debate sobre o véu islâmico.
Sua fala teve grande repercussão no país, ao atacar a tentativa de "pseudorreligiosos e dogmáticos nacionalistas de difundir uma doutrina de um povo homogêneo, de uma única religião verdadeira, de um único tipo natural de família e de uma nação autêntica". Seu trabalho seria, portanto, muito bem-vindo no Brasil.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
Dez clássicos da literatura alemã
De "Fausto" à "História sem fim", de Thomas Mann a Günter Grass, a literatura alemã inclui obras para todos os gostos. Selecionamos dez.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Endig
"Fausto"
Dividido em duas partes, o poema trágico de Johann Wolfgang von Goethe, de 1808, "Faust – eine Tragödie" é considerado uma das obras-primas da literatura alemã. Insatisfeito com a própria vida e sedento de conhecimento, o cientista Heinrich Fausto acaba fazendo um pacto com o diabo, Mefisto, prometendo-lhe sua alma. Na foto, a tragédia é interpretada pelos atores Bruno Ganz e Robert Hunger-Bühler.
Foto: picture-alliance/dpa/Expo_2000
"A Montanha Mágica"
Uma das obras mais conhecidas de Thomas Mann, "Der Zauberberg", de 1924, é considerado um retrato da sociedade europeia antes da Primeira Guerra Mundial. O romance aborda a estadia do jovem Hans Castorp, oriundo de uma tradicional família de Hamburgo, num sanatório, nos Alpes suíços, de 1907 a 1914. O romance foi transformado em filme pelo diretor Hans W. Geissendörfer, em 1982 (foto).
Foto: imago/United Archives
"O tambor"
"Die Blechtrommel", de 1959, trouxe reconhecimento internacional ao futuro Nobel Günter Grass e projeção à literatura alemã do pós-guerra. O romance pertence à chamada "Trilogia de Danzig", que lida com a culpa da Alemanha pelo nazismo e a memória do Terceiro Reich. A versão para o cinema da obra, dirigida por Volker Schlöndorff, foi a primeira produção alemã do pós-Guerra a conquistar um Oscar.
Foto: ullstein - Tele-Winkler
"O perfume"
O bestseller de Patrick Süskind, "Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders" foi publicado em 1985 e, em 2006, ganhou versão cinematográfica (foto). A história se passa na França no século 18 e tem como protagonista Jean-Baptiste Grenouille, cujo próprio corpo não tem cheiro, mas que é dotado de um olfato fora do comum. Obcecado em criar o perfume perfeito, ele se transforma num assassino.
Foto: picture-alliance/dpa
"O lobo da estepe"
O clássico "Der Steppenwolf" foi publicado por Hermann Hesse (foto) em 1927. Em plenos anos 1920, em Zurique, o protagonista Harry Haller vive uma crise existencial em meio à devastação do pós-guerra e descreve a si mesmo como "o lobo da estepe". Ao conhecer Hermínia, ele começa a ver o mundo de outra maneira. O livro foi o primeiro de Hesse a ser traduzido para o português, em 1935.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
"Os bandoleiros"
O drama de Friedrich Schiller "Die Räuber", de 1781, tem como tema as tramas criminosas da nobreza, mais especificamente a rivalidade entre os irmãos Karl e Franz von Moor. Os dois brigam pelo reconhecimento do pai, concorrem pela mesma mulher e lutam por poder e influência. O clássico acaba de ser adaptado para o cinema no ano passado (foto), codirigido por Pol Cruchten e Frank Hoffman.
Foto: Coin Film Francois Fabert
"A honra perdida de Katharina Blum"
"Die verlorene Ehre von Katharina Blum" foi publicado pelo Nobel de Literatura Heinrich Böll em 1974. O autor tematiza a imprensa sensacionalista e suas possíveis consequências por meio da história da dona de casa Katharina Blum e do assassinato do jornalista Werner Tötges. O romance foi adaptado para o cinema em 1975 (foto), sob a direção de Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
"O Leitor"
"Der Vorleser", publicado por Bernhard Schlink em 1995, gira em torno do amor de Michael Berg, de 15 anos, por Hanna, 21 anos mais velha. Numa espécie de ritual romântico, ela sempre lhe pede que leia para ela. Até que Hanna desaparece. Anos depois, Michael a reconhece entre os acusados num processo para julgar crimes do nazismo. O romance transformou-se em filme em 2008 (foto).
Foto: Studio Babelsberg AG
"A história sem fim"
"Die unendliche Geschichte", publicado por Michael Ende em 1979, não pode faltar nas estantes das crianças na Alemanha. Todas conhecem as aventuras do jovem Bastian no país Fantasia, que ganharam projeção internacional desde que "A história sem fim" chegou aos cinemas, em 1984 (foto). O romance fascina não somente o público infantil, mas também adulto.
Foto: picture-alliance/dpa
"Contos de Grimm"
A coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm "Kinder- und Hausmärchen" foi publicada entre 1812 e 1858, e é considerada a obra alemã mais disseminada no mundo, depois da Bíblia de Lutero. Incluindo clássicos como "Rapunzel", "Chapeuzinho Vermelho" (foto) e "Branca de Neve", os contos já foram traduzidos para mais de 160 idiomas e inspiraram filmes, peças de teatro, desenhos animados e quadrinhos.