Bibliothek: Destaques do mundo das artes na Alemanha em 2017
Ricardo Domeneck
26 de dezembro de 2017
Em sua última coluna do ano, Ricardo Domeneck faz um apanhado das surpresas artísticas dos últimos meses, de Daniel Kehlman como best-seller ao duo musical Lea Porcelain e à série de TV "Dark", da Netflix.
Anúncio
Última coluna do ano. Hora de revisões. Este ano foi um tempo de altos e baixos extremos ao redor do mundo. Progressos e retrocessos. A Alemanha não permaneceria ilesa. Ao mesmo tempo que houve a legalização do casamento igualitário, permitindo a casais homossexuais os mesmos direitos de seus concidadãos heterossexuais, as eleições de outubro levaram ao Parlamento dezenas de políticos extremamente conservadores.
No campo das artes, Berlim se viu às voltas com a grande polêmica sobre a nova direção do Volksbühne, que passou do alemão Frank Castorf, após 25 anos (1992-2017), às mãos do belga Chris Dercon, levando à ocupação do teatro por funcionários, pedidos de demissão em massa, e um longo debate sobre a relação entre uma comunidade, o Estado e as artes. Não se chegou a uma conclusão, mas os primeiros espetáculos sob nova direção já foram à cena entre críticas positivas e muitas negativas.
Neste fim de ano, alguns autores germânicos de qualidade dominam as listas de mais vendidos. No momento, a loja de artigos culturais Dussmann, de Berlim, elenca entre os autores mais procurados o alemão Daniel Kehlman, com Tyll (Rowohlt, 2017); o austríaco Robert Menasse, com Die Hauptstadt (Suhrkamp, 2017); e a alemã Julie Zeh (n. 1970), com Unterleuten (Luchterhand, 2016).
No Brasil, Daniel Kehlman teve um romance lançado recentemente: F (São Paulo: Companhia das Letras, 2017), em tradução de Sonali Bertuol. A mesma editora já havia lançado os romances Fama (2011) e A Medida do Mundo (2007).
Pessoalmente, o livro lançado este ano aqui na Alemanha que mais me interessou e entusiasmou foi um pequeno volume de Jo Frank, intitulado Snacks (Edition Atelier, 2017). Híbrido e experimental, o livro é uma meditação sobre a língua, suas verdades, seus mal-entendidos, mesclando principalmente o alemão e o inglês, e trazendo à prosa o caráter por vezes desorientador tanto do poema quanto da nota de rodapé.
Na música, este foi o ano em que o duo Lea Porcelain, do vocalista Markus Nikolaus e do produtor Julien Bracht, lançou seu álbum de estreia, Hymns To The Night (Kobalt Label). Com o título apropriadamente tirado do poeta romântico Novalis, as canções com letra de Markus Nikolaus ecoam desde o industrial no-wave da Alemanha dos anos 80 até as experimentações com guitarra de bandas como The Jesus and Mary Chain ou My Bloody Valentine. Para mim, Lea Porcelain é a melhor banda em atividade na Alemanha no momento, e eu recomendo sua música.
Este ano voltei a frequentar exposições e museus com mais assiduidade. Dois lugares em Berlim nunca falham em me dar prazer aos olhos: a Berlinische Galerie e a C/O Berlin. Cito as duas porque foi na primeira que descobri o trabalho de Jeanne Mammen (1890-1976), gravurista e pintora alemã famosa durante a República de Weimar e que havia caído em esquecimento. Estas recuperações da Berlinische Galerie são muito boas.
Na segunda, descobri o trabalho do fotógrafo Willi Ruge (1892-1961), pioneiro da arte na Alemanha, com fotografias belíssimas. Na arte contemporânea, cito as exposições individuais dos jovens Tom Król (n. 1991) no Studio Picknick em Berlim, e Malte Zenses (n. 1987) na Kunstverein Nürnberg. Dois nomes a acompanhar.
Por fim, na arte daquelas imagens que se movem, 2017 viu o lançamento do novo filme do mestre austríaco Michael Haneke, Happy End. Também a Netflix alemã emplacar uma série de televisão, Dark, com dez episódios. Escrita por Jantje Friese e Martin Behnke e dirigida por Baran bo Odar, Dark tem músicos como Apparat, Soap & Skin e Ben Frost na trilha sonora. É boa.
Que venham as surpresas de 2018.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
_______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
Alemanha e suas séries de TV e streaming
O mercado alemão de séries floresce, e não só com produções de emissoras locais. Gigantes como Sky, Amazon e Netflix apostam na estratégia de oferecer obras alemãs a um público internacional.
Foto: Netflix
"Dark", a primeira série alemã da Netflix
Em dezembro de 2017 estreou a primeira série alemã da Netflix para o mercado mundial. A temporada, de dez episódios, trata dos destinos de quatro famílias no interior da Alemanha: o sumiço de duas crianças desencadeia investigações que remontam até a década de 1950. A segunda temporada estreou em junho de 2019, e a terceira foi confirmada para 2020. Foi dublada e legendada em português brasileiro.
Foto: Netflix
Êxito artístico com "Im Angesicht des Verbrechens"
Muitos consideram "Im Angesicht des Verbrechens" (Diante do crime) a melhor série alemã da década: o épico de dois policiais investigando os círculos da máfia russa em Berlim. Contudo as vertiginosas sequências de cenas, enquadramentos sombrios e experimentos formais do diretor Dominik Graf foram ousados demais para parte do público, e a produção teve baixa audiência em 2010.
Foto: ARD/Julia von Vietinghoff
"Parfum", uma série criminal brutal e surpreendente
Em 2018, o canal alemão ZDFneo exibiu a série criminal Parfum (O Perfume), de seis episódios. Na trama, a brutal morte de uma antiga amiga leva um grupo a se reunir. Características específicas no cadáver fazem os amigos pensarem que somente um deles poderia ter cometido o crime. Fora da Alemanha, a produção foi disponibilizada pela Netflix, incluindo no Brasil, legendada e dublada em português.
Foto: Filmfest München 2018
How to Sell Drugs Online (Fast), tom de comédia para assunto sério
Em “How to Sell Drugs Online (Fast)”, que estreou em junho na Netflix, um estudante de uma pequena cidade da Alemanha, filho de um policial, decide vender drogas pela internet para se reaproximar da ex-namorada e arrasta o melhor amigo para o negócio. A série, em tom de comédia, foi dublada e legendada em português brasileiro e o título traduzido para "Como Vender Drogas Online (Rápido)".
Foto: picture-alliance/dpa/Netflix
"Weissensee": Berlim Oriental dos anos 80
Lançada em 2010, "Weissensee" é uma vitória da televisão alemã ao abordar temas da história recente. Tratando de duas famílias de Berlim Oriental na década de 1980, a produção da TV ARD teve boa audiência, já está caminhando para a quarta temporada e foi vendida para a Itália e a Rússia, entre outros mercados.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
"Deutschland 83" e mais
"Deutschland 83" foi exibida em 2015 na Alemanha pelo canal privado RTL. Apesar de premiada no exterior, ela teve baixa audiência na TV comercial e, a sequência, “Deutschland 86”, foi disponibilizada apenas na Amazon Prime, em 2018. No Brasil, a série foi transmitida pelo +Globosat, com o título “Deutschland - Espião Novato” e segue disponível no Globoplay. Os autores já prometem “Deutschland 89”.
Foto: picture alliance/dpa/R. Hirschberger
"Cães de Berlim" e o submundo da capital alemã
Produzida pela Netflix, "Dogs of Berlin" (Cães de Berlim) estreou em dezembro de 2018. A trama mergulha na face sombria da capital alemã e tem como protagonistas dois policiais não convencionais: Kurt Grimmer, um ex-neonazista, e Erol Birkan, homossexual e de ascendência turca. A dupla investiga o assassinato do jogador de futebol turco-alemão Orkan Erdem. É dublada e legendada em português.
Foto: Netflix
"You are wanted" na Amazon
Antecipando-se por alguns meses à rival Netflix, a gigante americana do streaming Amazon Prime lançou em março de 2017 sua primeira série alemça, "You are wanted" (Você é procurado), protagonizada por Matthias Schweighöfer. Focando vigilância digital e teorias da conspiração, a série não encontrou aprovação unânime do público e crítica. Ainda assim, sua segunda temporada já está em preparação.
Foto: picture alliance / Stephan Rabold/Amazon/dpa
Clãs de Berlim em "4 Blocks"
A produção do diretor Marvin Kren pode ser considerada um sucesso entre as séries alemãs e entrará em sua segunda temporada. Tratando dos conflitos entre os clãs familiares rivais do bairro berlinense de Neukölln, ela foi lançada em maio de 2017, em seis episódios, pelo canal de TV a cabo TNT Serie. "4 Blocks" recebeu críticas entusiásticas, chegando a ser comparada à americana "Os Sopranos".
Foto: picture-alliance/dpa/Handout/2017 Turner Broadcasting System Europe Limited & Wiedemann & Berg Television GmbH & Co.
Opulência dos anos 20 em "Babylon Berlin"
Série mais cara da TV alemã, "Babylon Berlin", de 2017, exibida pela Sky, é a prova de que os roteiristas e cineastas alemães são especialmente bons ao abordar temas históricos. Com grande minúcia e em imagens opulentas, três cineastas, entre os quais Tom Tykwer, evocaram a Berlim dos anos 1920. A série já foi vendida para diversos países.
Foto: 2017 X Filme/Frédéric Batier
"Das Verschwinden": drama psicológico
As emissoras de direito público da Alemanha também têm se lançado com sucesso no universo das séries. Em outubro de 2017, a ARD apresentou "Das Verschwinden" (O desaparecimento), uma sinistra história passada na Alemanha, dirigida por Hans-Christian Schmid. Como em "Dark", o tema aqui é o sumiço de uma jovem, e o drama psicológico resultante.
Na trilha das rivais Amazon e Sky, a Netflix conseguiu ampliar com "Dark" a sua parcela no mercado alemão: ao lado de seu enorme sucesso global, a plataforma de streaming persegue a estratégia de aproximar-se ainda mais das plateias nacionais encomendando especialmente séries para os mercados específicos.
Foto: Netflix
Mundos obscuros
O suíço Baran bo Odar dirigiu a série "Dark", escrita a quatro mãos com sua esposa, Jantje Friese. Em 2010, ele levara às telas uma história semelhante: também "Das letzte Schweigen" (O silêncio) é um drama familiar em torno de um desaparecimento, que conecta duas diferentes gerações. "Dark", porém, é bem mais sombrio, numa encenação quase sufocante.