Em 1930, romancista tentou alertar povo alemão sobre perigos políticos após Partido Nazista ficar em segundo lugar nas urnas. Para o Nobel de Literatura, Hitler não podia mais ser visto apenas como piada de mau gosto.
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No dia 17 de outubro de 1930, Thomas Mann proferia no Beethoven-Saal, em Berlim, sua palestra intitulada Ein Appell an die Vernunft (Um apelo à razão). Ao mesmo tempo, membros da Sturmabteilung (SA), a milícia paramilitar nazista, tentavam perturbar o evento e impedir que o escritor falasse.
O contexto e impulso dessa fala do romancista alemão foi o resultado das eleições de setembro daquele ano, quando o Partido Nazista (NSDAP) conquistou 18,3% dos votos, sendo o segundo mais votado, atrás do Partido Social-Democrata (24,5%) e à frente do Partido Comunista da Alemanha (13,1%).
O escritor tinha naquele momento uma posição de grande autoridade intelectual na República de Weimar, tendo recebido em 1929 o Prêmio Nobel de Literatura. Ele já era o autor dos romances Buddenbrooks (1901) e Der Zauberberg (A Montanha Mágica, 1924).
Longe de ser visto como um autor engajado numa época que via o ativismo potente de Bertolt Brecht (grande desafeto seu) e outros autores, Mann disse em sua palestra que o tempo do "jogo puro" de Friedrich Schiller ou do idealismo estético havia chegado ao fim diante de tais perigos políticos.
Segundo o autor, era importante deter os nazistas, que buscavam de forma efetiva, aos gritos, tornar indissociáveis ideias de nação e sociedade. Ele analisou o contexto político e econômico do momento, sem poupar críticas aos efeitos desastrosos do Tratado de Versalhes sobre a sociedade alemã.
O engajamento de Mann na luta contra o fascismo encontrou também sua face literária em uma novela importante publicada naquele mesmo ano: Mario und der Zauberer. Escrita no ano anterior, chegava no mais propício dos momentos. É seu trabalho mais escancaradamente político.
O narrador descreve como, durante uma viagem à Itália, ele testemunha o poder de hipnose de um mágico chamado Cavaliere Cipolla. Este era capaz de criar com sua fala um clima de opressão em meio ao público que assistia ao seu espetáculo, controlando os espectadores até que um deles, o Mario do título, se revolta e o mata.
O momento era de tensão e angústia entre os espíritos democráticos da época: Josef Stálin consolidara seu poder na União Soviética, Benito Mussolini conclamava os italianos a recuperarem a glória do Império Romano, e o Partido Nazista começava a conquistar uma posição perigosa dentro da República de Weimar. O tempo de rir dos nazistas havia acabado.
Mann parecia decidido a convencer o povo alemão, ou ao menos a parcela que poderia ouvi-lo, de que Adolf Hitler não podia mais ser visto apenas como uma piada de mau gosto – como muitos intelectuais da época reagiram à sua gritaria até que ele chegou ao poder, em 1933, quando já era tarde demais.
Infelizmente, sabemos que naquele momento o apelo à razão de Mann junto a seus compatriotas não foi suficiente. O próprio Beethoven-Saal, onde proferiu sua palestra, foi bombardeado e destruído em 1944.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
Thomas Mann e as artes plásticas
Escritor alemão foi um apaixonado pelas artes plásticas. Exposição dupla em Lübeck mostra esse lado do autor, que mais tarde se tornou, ele mesmo, um objeto artístico.
Foto: Wien Museum
Escritor e amante da arte
Ele é um dos mais conhecidos escritores alemães do século passado: o Prêmio Nobel de Literatura Thomas Mann (1875-1955). Ele era também um amante da arte, que gostava de ir a exposições e era amigo de artistas e conhecedores de arte. As artes plásticas o inspiraram e influenciaram sua obra literária. Max Oppenheimer o retratou em 1926.
Foto: Wien Museum
Admirador da arte moderna
Thomas Mann era entusiasmado principalmente pela arte moderna. Ele acompanhava atentamente o que produziam artistas como Hans Thoma, Ludwig von Hofmann, Arnold Böcklin, Max Liebermann, Max Oppenheimer, Oskar Kokoschka e Emil Nolde. Este último pintou o quadro "Entrada em Jerusalém" (1915), aqui mostrado.
Foto: Keystone/Thomas-Mann-Archiv/Atelier Kesten
Promotor de artistas
O escritor não só admirava com prazer o trabalho dos pintores, ele também buscou contato com artistas contemporâneos. Ele os promovia, dedicando a eles seus ensaios. Mann escreveu um prefácio para publicações do gravador Frans Masereel, cuja xilogravura "Autorretrato" (1926) pode ser vista aqui. As obras do fotógrafo Albert Renger-Patzsch também eram homenageadas nas críticas do autor.
Foto: Museum Behnhaus Drägerhaus,VG Bild-Kunst,Bonn 2014
Ensaios sobre arte e sociedade
O grande romancista escreveu muitos tratados sobre arte, artistas (como Ernst Barlach, que criou em 1907 a "Mendiga russa I") e o papel da arte na sociedade. Ele também era fascinado pela arte de outras eras. Mann se ocupou, por exemplo, com os artistas do Renascimento Michelangelo e Albrecht Dürer.
Foto: Museum Behnhaus Drägerhaus
Uma aura especial
Obras de arte, especialmente originais, exerciam atração especial sobre o escritor. Isso valia para a pintura a óleo "Die Quelle" (A fonte, de 1913) de Ludwig von Hofmann, que Mann comprou em 1914 e pendurou em seu escritório. Outros trabalhos de Hofmann influenciaram o autor de forma decisiva, sobretudo durante a produção de seu romance "A Montanha Mágica".
A pintura "Kinderkarneval" (Carnaval de crianças, de 1888/89), do pintor Friedrich August Kaulbach, foi muito famosa em sua época. Foi reproduzida em diversas revistas e podia ser encontrada em guardanapos e louças. Thomas Mann também conhecia e amava o quadro. Somente mais tarde, soube que ele retrata sua futura mulher, Katia Pringsheim, e os irmãos dela.
Foto: Privatbesitz
Obras de arte como inspiração
Frequentemente Mann usava a arte para representar literariamente figuras, situações ou ambientes. Em "Buddenbrooks", ele descreve o mirante Brodtener Seetempel, onde Tony Buddenbrooks se encontra com Morten. O lugar realmente existiu, mas foi destruído em 1872 por uma tempestade. Mann se orientou por uma litografia de um artista desconhecido, produzida por volta do ano 1870.
Foto: unbek. Künstler um 1870
"Não pode ser tão ruim assim"
Em 1900, Mann viu durante a exposição da Secessão de Munique a pintura "Das Herz" (o coração), de Martin Brandenburg. Então, escreveu a seu amigo historiador de arte Paul Ehrenberg: "O quadro me impressionou muito, o que significa que ele provavelmente não custa cinco tostões sequer. Mas ele não pode ser tão ruim assim." Hoje, o quadro está desaparecido.
Foto: Abgebildet in:„Die weite Welt“Nr.14/1901
Obra de arte Thomas Mann
Mann se tornou, ele mesmo, um objeto de arte. Inúmeros retratos e caricaturas do escritor provam isso. Além disso, ainda há as ilustrações para seus textos realizadas por artistas gráficos de renome, como Alfred Kubin e Emil Preetorius. O escultor Hans Schwegerle, também nascido em Lübeck, fez em 1919 esta escultura em bronze do escritor.
Foto: Museum Behnhaus Drägerhaus
Pelos olhos do escritor
A dupla exposição "Augen auf! Thomas Mann und die bildende Kunst" (Abra os olhos! Thomas Mann e as artes visuais) pode ser visitada até 6 de janeiro de 2015 no Museu Behnhaus Drägerhaus e na Buddenbrookhaus, em Lübeck. A mostra apresenta obras de arte que Thomas Mann conhecia e apreciava, além de ilustrações feitas para seus textos.