Bibliothek: Os escritores alemães que têm chegado ao Brasil
Ricardo Domeneck
26 de setembro de 2017
Ainda há muito por fazer na relação literária entre Brasil e Alemanha, mas nos últimos anos foram dados alguns bons passos, com traduções de nomes como Thomas Mann, Bertolt Brecht e Hertha Müller para o português.
Anúncio
Nós brasileiros temos a tendência de reclamar que nossa literatura, ou cultura em geral, não recebe ainda a devida atenção no âmbito internacional. No entanto, mesmo nós acabamos muitas vezes por nos concentrar em regiões específicas do mundo, especialmente o de língua inglesa.
É mais fácil que um americano celebrado pelo The New York Times seja publicado com rapidez no Brasil do que mesmo os autores de outras línguas amplamente faladas, como o francês e o espanhol, apesar da proximidade geográfica. O português, europeu e americano, é uma ilha cercada pela fala hispânica. E como anda a relação entre Brasil e Alemanha?
Alguns brasileiros têm chegado à Alemanha após um período de silêncio entre as duas línguas. Autores clássicos como Machado de Assis, Jorge Amado e Clarice Lispector têm recebido novas traduções, e escritores vivos, como Luiz Ruffato e Angélica Freitas, vêm sendo traduzidos.
No Brasil, o coquetel é parecido, servindo ao leitor brasileiro de autores clássicos a contemporâneos. Uma visita pelas páginas das maiores editoras do país mostra novas traduções para autores como Thomas Mann, que teve seu Doutor Fausto relançado pela Companhia das Letras em tradução de Herbert Caro, e Bertolt Brecht, que voltou às prateleiras com um livro importante para nossos dias, seu Conversas de refugiados, lançado pela Editora 34 em tradução de Tercio Redondo. O livro, que permaneceu inacabado, seria publicado postumamente na Alemanha apenas em 1961. Em nossos dias, em que os refugiados tornaram-se o centro do debate político na Alemanha, este livro nos lembra de que houve um tempo em que eram os alemães os refugiados.
Dois escritores de língua alemã e ganhadores recentes do Prêmio Nobel podem ser encontrados facilmente no país, como Günter Grass, que teve seu A caixa lançado pelaRecord em 2013, com tradução de Marcelo Backes; e Herta Müller, que tem hoje seis livros no país: O Compromisso (tradução de Lya Luft, São Paulo: Globo, 2004); Depressões (tradução de Ingrid Ani Assmann, São Paulo: Globo, 2010); Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio (tradução de Claudia Abeling, São Paulo: Globo, 2012); Tudo o que tenho levo comigo (tradução de Carola Saavedra, São Paulo: Companhia das Letras, 2012); Fera d'alma (tradução de Claudia Abeling, São Paulo: Globo, 2013); e O rei se inclina e mata (tradução de Rosvitha Friesen Blume, São Paulo: Globo, 2013).
Além de Herta Müller, talvez o autor contemporâneo de língua alemã mais tenha discutido na imprensa brasileira seja Ingo Schulze, que teve quatro livros publicados no Brasil: Histórias simples da Alemanha Oriental (tradução de Theresa Graupner e João Marschner, Rio de Janeiro: Lacerda, 2002); Celular – 13 histórias à maneira antiga (tradução de Marcelo Backes, São Paulo: Cosac Naify, 2008); Vidas novas (tradução de Marcelo Backes, São Paulo: Cosac Naify, 2009); e Adam e Evelyn (tradução de Sergio Tellaroli, São Paulo: Cosac Naify, 2013).
Ao procurar por autores alemães entre as editoras brasileiras, eu tinha também curiosidade de ver quais escritores lançados no Brasil estão entre os mais discutidos aqui na Alemanha nos últimos anos. Há vários. Por exemplo, Ilija Trojanow, Julia Franck, Uwe Timm, Daniel Kehlmann, Wladimir Kaminer e Silke Scheuermann são todos autores que aparecem com frequência na imprensa cultural alemã e nas listas de prêmios, vendem bem seus livros e são amplamente resenhados. Todos estes autores tiveram livros traduzidos e lançados no Brasil nos últimos anos. Ainda há muito por fazer na relação literária entre Brasil e Alemanha, mas nos últimos anos foram dados alguns bons passos.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
Prêmios Nobel de Literatura desde 2000
Os laureados no século 21 não poderiam ser mais distintos. Entre eles, uma sarcástica dramaturga austríaca, o primeiro Nobel turco, um autor chinês controverso, um norueguês que escreve em dialeto minoritário.
Foto: picture-alliance/Effigie/Leemage
2023: Jon Fosse
Jon Fosse recebeu o Nobel por "suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível". Além de mais de 40 obras teatrais, o norueguês nascido em 1959 publicou romances, ensaios, coletâneas de poesia e livros infantis. Ele escreve em "novo norueguês", desenvolvido no século 19 a partir de dialetos rurais e falado por apenas 10% da população. Seus livros já foram traduzidos em mais de 40 idiomas.
Foto: Jessica Gow/TT/AFP
2022: Annie Ernaux
Autora de mais de 20 livros, Annie Ernaux é conhecida por seus romances autobiográficos e livros de memórias, em geral curtos e baseados em experiências de classe e gênero. Ao premiar a ffrancesa nascida em 1940, a Academia louvou a "coragem e acuidade clínica com que revela as raízes, estranhamentos e inibições coletivas da memória pessoal".
Foto: Ger Harley/EdinburghElitemedia/picture alliance
2021: Abdulrazak Gurnah
Abdulrazak Gurnah nasceu na Tanzânia em 1948 e desde os anos 60 mora na Inglaterra, onde lecionou Inglês e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent. A Academia Sueca citou sua "dedicação à verdade e sua aversão à simplificação", em obras que "evitam descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversa". "Paraíso" é um dos dez romances de sua autoria.
Foto: Ger Harley/StockPix/picture alliance
2020: Louise Glück
A poeta americana Louise Glück foi agraciada em 2020 por sua "voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual". Nascida em Nova York, a escritora fez sua estreia literária em 1968 e, segundo o comitê, ''logo se tornou uma das poetas mais proeminentes da literatura americana contemporânea''. Desde 2011 um poeta não levava o Nobel.
Foto: Robin Marchant/Getty Images/AFP/picture alliance
2018: Olga Tokarczuk, 2019: Peter Handke
Como anunciado, a academia concedeu dois prêmios em 2019. A escritora polonesa Olga Tokarczuk recebeu o de 2018 pela "imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida". O austríaco Peter Handke ficou com o de 2019 pelo "trabalho influente que, com ingenuidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana".
2018: escândalos impossibilitam premiação
Em maio de 2018, a Academia Sueca comunicou que o Prêmio Nobel de Literatura não seria concedido naquele ano, depois que alegações de abusos sexuais e escândalos de crimes financeiros mancharam a reputação da organização. Na ocasião, a entidade informou que, no ano seguinte, dois prêmios seriam entregues. Foi a primeira vez desde 1949 que o prêmio não foi concedido.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
2017: Kazuo Ishiguro
O escritor britânico nascido no Japão Kazuo Ishiguro foi laureado com o Nobel de 2017. A Academia Sueca destacou a "grande força emocional" de sua obra. "Os escritos de Ishiguro são marcados por um modo de expressão cuidadosamente restrito, independentemente de qualquer evento que ocorra", disse a Academia. Entre seus romances mais famosos está "Os vestígios do dia", de 1989.
Foto: Getty Images/B. A. Pruchnie
2016: Bob Dylan
Em 2016, uma polêmica: o prêmio foi para um cantor e compositor, Bob Dylan. O astro da música folk e do rock foi escolhido por criar "novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Após o anúncio, Dylan silenciou por algumas semanas, o que colocou em dúvida se ele aceitaria a homenagem. Por fim, ele disse que ficou sem palavras, mas optou por não ir à cerimônia.
Foto: picture alliance/dpa/J.Lo Scalzo
2015: Svetlana Alexievitch
Na figura de uma autora bielorussa, o Comitê do Prêmio Nobel reconheceu uma nova forma de autoria. Em suas reportagens e ensaios, Svetlana Alexievitch desenvolveu um estilo literário todo próprio, realizando entrevistas e adensando-as em emocionais colagens da vida quotidiana. Enquanto cronista do sofrimento humano, ninguém documentou a decadência da União Soviética como ela.
Foto: Imago/gezett
2014: Patrick Modiano
Guerra, amor, ocupação, morte são os temas que ocupam o ator francês Patrick Modiano, ao processar as lembranças de sua infância infeliz na Paris do pós-Guerra. O júri do Nobel o elegeu precisamente por essa "muito especial arte da memória". Há muito consagrado em seu país, até ser laureado ele era pouco conhecido em nível internacional.
Para a Academia Sueca, que concede o prêmio anualmente desde 1901, Alice Munro é uma "mestra da crônica contemporânea". Entre as características inovadoras dos contos da escritora canadense está o livre trajeto na linha do tempo. Uma colega americana a classificou como "o nosso Tchecov".
Foto: PETER MUHLY/AFP/Getty Images
2012: Mo Yan
O chinês Guan Moye é melhor conhecido por seu pseudônimo Mo Yan. O Comitê Nobel louvou nele um autor que, "com realismo alucinógeno, combina contos de fadas, história e presente". A decisão foi criticada pelo artista chinês Ai Weiwei, para quem seu compatriota era próximo demais do regime comunista.
Foto: picture-alliance/dpa
2011: Tomas Tranströmer
Em sua justificativa sobre Tomas Gösta Tranströmer, o júri louvou as "imagens comprimidas, esclarecedoras, que apontam novos caminhos para o real". Na década de 60, o poeta sueco trabalhou como psicólogo numa instituição para jovens delinquentes. Seus poemas foram traduzidos para mais de 60 idiomas.
Foto: Fredrik Sandberg/AFP/Getty Images
2010: Mario Vargas Llosa
O autor peruano Mario Vargas Llosa recebeu o Nobel por "sua cartografia das estruturas de poder e seus enérgicos retratos da resistência individual, da rebelião e da derrota". Na América Latina, ele ficou famoso pela frase, pronunciada na televisão: "México é a ditadura perfeita", assim como suas invectivas contra o ex-amigo Gabriel García Márquez, em 1976.
Foto: AP
2009: Herta Müller
Como mais recente laureada germanófona, a teuto-romena Herta Müller foi destacada por, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados". Ela também critica em suas obras o autoritário regime Ceaușescu, que até 1989 geriu os destinos da Romênia. Entre seus romances editados em português estão "A terra das ameixas verdes" e "O compromisso".
Foto: Getty Images
2008: Le Clézio
Segundo a Academia Sueca, Jean-Marie Gustave Le Clézio é "o autor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensorial", além de "estudioso de uma humanidade abaixo e acima da civilização dominante". Filho de uma francesa e de um nativo de Maurício, ele considera esse Estado insular no Oceano Índico sua "pequena pátria".
Foto: AP
2007: Doris Lessing
A britânica Doris Lessing publicou tanto romances e contos quanto peças teatrais. A Academia Sueca a saudou como "épica da experiência feminina, que, com ceticismo, paixão e força visionária, colocou à prova uma civilização fragmentada". A hoje nonagenária já se engajou contra a energia atômica e foi opositora eloquente do regime do apartheid na África do Sul.
Foto: AP
2006: Orhan Pamuk
Ao homenagear Istambul, o primeiro ganhador do Nobel da Literatura de nacionalidade turca "encontrou novas imagens simbólicas para o conflito e o entrelaçamento das culturas, em busca da melancólica alma de sua cidade natal". Ferit Orhan Pamuk é o escritor turco mais lido do mundo, com 11 milhões de livros vendidos e traduções em 35 idiomas.
Foto: picture-alliance/dpa
2005: Harold Pinter
O dramaturgo inglês Harold Pinter morreu de câncer pulmonar três anos após receber o Nobel. Com seus dramas, apontou o júri, ele "revelou o precipício sob a conversa fiada do dia a dia", penetrando "no espaço fechado da repressão". Tendo escrito também para a TV e o cinema, ele também foi ator e diretor de várias de suas peças.
Foto: Getty Images
2004: Elfriede Jelinek
A autora austríaca Elfriede Jelinek recebeu o Prêmio Nobel pelo "fluxo musical de vozes e contravozes em seus romances e dramas", em que desmascara os clichês sociais. Um de seus temas centrais é a sexualidade feminina. O romance "A pianista" (1983) foi base para o filme homônimo de 2011, dirigido por Michael Haneke e com Isabelle Huppert no papel principal.
Foto: AP
2003: John M. Coetzee
Segundo o júri, John Maxwell Coetzee retrata "a participação do ser humano na diversidade da existência, de maneira muitas vezes atordoante". Além do Nobel, o autor da África do Sul já recebeu duas vezes o prestigioso Man Booker Prize. Seu romance mais conhecido, "Desgraça" (1999), que trata da era pós-apartheid, foi transformado nove anos mais tarde no filme "Desonra".
Foto: Getty Images
2002: Imre Kertész
O sobrevivente de Auschwitz Imre Kertész foi laureado por uma obra que "contrapõe a frágil experiência do indivíduo à bárbara arbitrariedade da história". O judeu húngaro descreveu em seus romances os horrores dos campos de concentração. Em "Sem destino", uma das mais impressionantes narrativas sobre o Holocausto, ele trabalhou mais de 13 anos.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Lundahl
2001: Vidiadhar Naipaul
Uma arte narrativa "em que ele conjuga uma percepção particularmente sensível com meticulosidade irreprimível, para nos obrigar a reconhecer a contemporaneidade das histórias reprimidas": assim o Comitê justificou a escolha de Vidiadhar Surajprasad Naipaul. O indo-britânico tomou como tema a liberdade do indivíduo numa sociedade em ocaso, em diversas regiões do mundo.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Giagnori
2000: Gao Xingjian
O primeiro Prêmio Nobel da Literatura do século 21 coube ao chinês Gao Xingjian, escolhido por "uma obra de validade universal", marcada por "amargos insights e riqueza linguística", abrindo novos caminhos para a prosa e o teatro na China. Desde 1987 ele vive e atua em Paris como autor, dramaturgo e pintor.