Aficionados da música do alemão foram surpreendidos com a descoberta de uma obra perdida, de 1931. Canção tematiza a cegueira e teria sido escrita para a atriz e esposa do compositor, Lotte Lenya.
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Quando caminho pelo bairro de Berlin-Charlottenburg, há um lugarzinho escondido pelo qual sempre gosto de passar, entre a Kantstrasse e a Fasanenstrasse: o Lotte-Lenya-Bogen, um arco de trilhos de trem ao qual deram o nome da cantora e atriz alemã Lotte Lenya.
Os aficionados do trabalho musical de Kurt Weill reconhecem o nome imediatamente: Lenya foi casada com ele, e, mais importante, doou sua voz a algumas das canções mais conhecidas do compositor alemão, como Seeräuber Jenny e outras da peça Die Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vinténs, 1928), escrita com Bertolt Brecht.
Esses três nomes: Lenya, Weill e Brecht evocam imediatamente a Berlim da República de Weimar retratada em tantos trabalhos alemães e estrangeiros. Não é sob um desses arcos de trilhos que a personagem Sally Bowles, interpretada por Liza Minnelli, solta um grito na filmagem de 1972 de Cabaret, dirigido por Bob Fosse?
Os aficionados da música de Weill tiveram uma boa surpresa esta semana. Como noticiado pela Fundação Kurt Weill para Música, de Nova York, e em jornais alemães e americanos, o acaso levou um estudioso da obra do alemão a descobrir a partitura de uma nova canção do compositor na biblioteca da Freie Universität de Berlim. Intitulada Lied vom weissen Käse (Canção do Queijo Branco), teria sido escrita para Lenya, que chegaria a cantá-la em um evento no teatro Volksbühne.
A atriz havia tentado reencontrar informações sobre a canção, sem sucesso. Com a fuga de Weill em 1933, assim como tantos outros artistas judeus, acreditava-se que a canção nunca fosse recuperada. Lenya teria declarado: "Estará perdida em algum porão, como tantas outras coisas."
É entusiasmante pensar que novos trabalhos de artistas do entreguerras ainda possam ser encontrados em pleno século 21. A última grande descoberta de obras de Weill aconteceu em 1983, quando a cunhada do compositor descobriu várias peças do começo de sua carreira em um baú.
A canção refere-se a um curandeiro muito famoso na República de Weimar, Joseph Weissenberg (1855-1941), que usava, entre outras coisas, queijos para curar as pessoas e teve um grande número de seguidores. Em seu consultório na Gleimstrasse, em Prenzlauer Berg, chegou a tratar 50 pacientes por dia.
Na canção, uma jovem cega, interpretada por Lenya, é tratada pelo curandeiro mas não volta a enxergar. Ao fim da canção, ela medita se não seria melhor que todos fossem cegos, para não ver as atrocidades que acontecem no mundo. A canção é de 1931. Não foi justamente cegueira que acometeu a população alemã apenas um par de anos depois? Ou a cegueira se refere a toda a parcela da população que afirmou mais tarde não ter visto as atrocidades nazistas?
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
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As revoluções e suas músicas
Quer americana, francesa, russa ou árabe, por convicção ou obrigação, há séculos os compositores criam obras destinadas a apoiar ou comentar as revoluções. Mas também há espaço para vozes críticas.
Foto: picture-alliance/akg-images
Melodias e ritmos revolucionários
Compositores de diversos países e épocas têm feito música inspirada por ideias e eventos revolucionários. A Revolução Francesa de 1789, em especial, deixou forte marca em numerosas peças musicais. Porém outros levantes também tiveram sua trilha sonora.
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Canto da independência americana
Até hoje, "Yankee Doodle" é uma das melodias populares mais conhecidas dos Estados Unidos. Ela era a canção dos revolucionários que almejavam se libertar da dominação britânica – coisa que alcançariam em 1776. Thomas Jefferson elaborou a Declaração de Independência, enfatizando a liberdade e igualdade de todos os seres humanos. E a Revolução Francesa abraçou essas ideias.
Músico de Napoleão
Etienne-Nicolas Méhul foi o compositor revolucionário por excelência. A ele Napoleão Bonaparte encomendou um hino famoso na virada do século 18 para o 19, "Le chant du départ" (O canto da partida). Porém o líder esnobou a "Missa solene" de Méhul para sua coroação como imperador. Ao compositor francês fica o mérito de ter inspirado Beethoven na "Quinta sinfonia", apelidada "Do Destino".
Foto: picture-alliance/Gep/Citypress24
Ópera de salvação
Também o italiano Luigi Cherubini foi contagiado pelo espírito da revolução. Em 1800 sua "ópera de salvação" "Os dois dias, ou O aguadeiro" fez sucesso estrondoso. Esse gênero operístico trata do resgate de uma personagem injustamente perseguida. Aqui, o vendedor de água salva um conde de pagar com a vida por suas ideias progressistas. O obra foi fonte de inspiração para "Fidelio" de Beethoven.
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Fascínio da "Eroica"
Em 1803 a "Sinfonia nº 3" de Beethoven, apelidada por ele "Eroica", rompia com todas as convenções do gênero. Mais longa e dramática do que qualquer obra até então, ela nasceu como verdadeira "música da revolução", em honra a Napoleão. No entanto Beethoven retirou a dedicatória quando o líder francês se fez coroar imperador – traindo, assim, os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade.
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Homenagem à Revolução Russa
Sergei Prokofiev compôs em 1937 sua "Cantata pelo 20º aniversário da Revolução de Outubro". Além de um total de 500 instrumentistas e coristas, ela inclui tiros de canhão, metralhadora e sino de alarme. A bombástica obra sobre textos de Marx, Engels e Lenin caiu, no entanto, em desagrado com o ditador Stalin, só sendo estreada em 1966, em versão reduzida.
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Déspota humilhado
O poeta e libertário Lord Byron escreveu em 1814 uma "Ode" à abdicação de Napoleão, em que zombava do imperador. Em 1942, sob a impressão do domínio nazista, Arnold Schoenberg musicou o poema para recitante, piano e quarteto de cordas. Um crítico musical contemporâneo apontou paralelos entre Bonaparte e Hitler – que o compositor politicamente engajado não contradisse.
Foto: picture-alliance/dpa/APA Publications Arnold Schönberg Center
Beatles, 1968 e "Revolution"
A primeira canção que os Beatles gravaram para o "álbum branco" foi "Revolution". John Lennon a compôs em 1968, durante uma estada na Índia, inspirado nos protestos estudantis de Paris, na Guerra do Vietnã e no atentado contra Martin Luther King. A "Revolução" dos Beatles, porém, é pacífica, sem tiros nem extremistas violentos.