Bibliothek: Walter Benjamin, de Berlim para o mundo
Ricardo Domeneck
18 de julho de 2017
Admirado por sua vida e obra, influente pensador alemão revela alma berlinense dos anos 1920 em dois de seus trabalhos relacionados à cidade natal, interessantes para quem se interessa pela história da capital alemã.
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Walter Benjamin talvez seja o pensador alemão mais influente, citado e estudado no campo da literatura no século 20. Não apenas seu pensamento, mas também sua vida gera admiração e paixão. Ainda que visto primordialmente como crítico literário e pensador da linguagem, seu trabalho sempre foi o de um criador devido a sua grande originalidade. Seu uso do fragmento e do esboço fazem dele um escritor eminentemente moderno.
O nome de Benjamin é muito associado a Paris por seus estudos sobre a capital francesa no século 19, mas para mim é impossível dissociar seu nome de Berlim, a cidade onde nasceu, no bairro de Charlottenburg.
O pensamento de Benjamin mais conhecido é aquele produzido no final dos anos 1920, quando escreveu a tese que o tornaria famoso: A origem do drama barroco alemão. Extremamente prolífico, vivendo para o pensamento e a escrita, este foi também o período de composição de um trabalho bastante diferente e um dos seus livros mais queridos, Rua de mão única (Einbahnstraße), formado por aforismos e fragmentos, um documento importante produzido durante a República de Weimar.
Na obra, Benjamin discute assuntos que não são convencionais no trabalho de um pensador: cartazes, monumentos, praças e mesmo seus sonhos, tudo ligado às ruas de sua cidade natal. O livro é frequentemente unido a outro trabalho bastante pessoal seu, Infância berlinense: 1900 (Berliner Kindheit um Neunzehnhundert), publicado postumamente em 1950.
Uma edição recente no Brasil, com tradução de João Barrento, traz os dois trabalhos em um único volume: Rua de mão única - Infância berlinense: 1900 (Belo Horizonte: Editora Autência, 2013). É uma edição muito bonita, importante para conhecer a mente do alemão e ter um retrato da Berlim dos anos 1920. As duas obras revelam algo da alma da Berlim da época, sua atmosfera, o que se perdeu e o que restou. Para quem talvez não esteja interessado em crítica literária ou nos trabalhos mais densamente filosóficos do autor, este dois pequenos trabalhos são excelentes. Guias interessantes para quem vive em Berlim ou se interessa por sua história.
Mas se foi em Berlim que Benjamin nasceu e cresceu, não seria permitido a ele morrer em sua cidade natal. Com a chegada dos nazistas ao poder, a vida de qualquer intelectual judeu tornou-se impossível na Alemanha. Em 1933, ele se exilou em Paris. Mas a guerra expandiu o poder nazista por círculos cada vez maiores.
Em 1940, como tantos outros, o berlinense estava em fuga pelo sul da Europa, tentando deixar o continente de qualquer maneira. A história é bastante triste. De Marselha, sua única esperança era chegar à Espanha e daí a Portugal. Com um grupo de refugiados, Benjamin se viu obrigado a cruzar as montanhas entre França e Espanha para chegar à cidade fronteiriça de Portbou.
Apesar de sua idade e seu estado de saúde precário, ele conseguiu chegar à pequena cidade onde não permitiram sua entrada e ameaçam enviá-lo de volta à França. Completamente esgotado, o grande pensador berlinense cometeu suicídio.
Um monumento belíssimo em Portbou, cavando uma trincheira na rocha até o mar – com projeto do artista Dani Karavan – marca esta perda gigantesca para Berlim, para a língua alemã, e para todos nós.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.
Dez clássicos da literatura alemã
De "Fausto" à "História sem fim", de Thomas Mann a Günter Grass, a literatura alemã inclui obras para todos os gostos. Selecionamos dez.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Endig
"Fausto"
Dividido em duas partes, o poema trágico de Johann Wolfgang von Goethe, de 1808, "Faust – eine Tragödie" é considerado uma das obras-primas da literatura alemã. Insatisfeito com a própria vida e sedento de conhecimento, o cientista Heinrich Fausto acaba fazendo um pacto com o diabo, Mefisto, prometendo-lhe sua alma. Na foto, a tragédia é interpretada pelos atores Bruno Ganz e Robert Hunger-Bühler.
Foto: picture-alliance/dpa/Expo_2000
"A Montanha Mágica"
Uma das obras mais conhecidas de Thomas Mann, "Der Zauberberg", de 1924, é considerado um retrato da sociedade europeia antes da Primeira Guerra Mundial. O romance aborda a estadia do jovem Hans Castorp, oriundo de uma tradicional família de Hamburgo, num sanatório, nos Alpes suíços, de 1907 a 1914. O romance foi transformado em filme pelo diretor Hans W. Geissendörfer, em 1982 (foto).
Foto: imago/United Archives
"O tambor"
"Die Blechtrommel", de 1959, trouxe reconhecimento internacional ao futuro Nobel Günter Grass e projeção à literatura alemã do pós-guerra. O romance pertence à chamada "Trilogia de Danzig", que lida com a culpa da Alemanha pelo nazismo e a memória do Terceiro Reich. A versão para o cinema da obra, dirigida por Volker Schlöndorff, foi a primeira produção alemã do pós-Guerra a conquistar um Oscar.
Foto: ullstein - Tele-Winkler
"O perfume"
O bestseller de Patrick Süskind, "Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders" foi publicado em 1985 e, em 2006, ganhou versão cinematográfica (foto). A história se passa na França no século 18 e tem como protagonista Jean-Baptiste Grenouille, cujo próprio corpo não tem cheiro, mas que é dotado de um olfato fora do comum. Obcecado em criar o perfume perfeito, ele se transforma num assassino.
Foto: picture-alliance/dpa
"O lobo da estepe"
O clássico "Der Steppenwolf" foi publicado por Hermann Hesse (foto) em 1927. Em plenos anos 1920, em Zurique, o protagonista Harry Haller vive uma crise existencial em meio à devastação do pós-guerra e descreve a si mesmo como "o lobo da estepe". Ao conhecer Hermínia, ele começa a ver o mundo de outra maneira. O livro foi o primeiro de Hesse a ser traduzido para o português, em 1935.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
"Os bandoleiros"
O drama de Friedrich Schiller "Die Räuber", de 1781, tem como tema as tramas criminosas da nobreza, mais especificamente a rivalidade entre os irmãos Karl e Franz von Moor. Os dois brigam pelo reconhecimento do pai, concorrem pela mesma mulher e lutam por poder e influência. O clássico acaba de ser adaptado para o cinema no ano passado (foto), codirigido por Pol Cruchten e Frank Hoffman.
Foto: Coin Film Francois Fabert
"A honra perdida de Katharina Blum"
"Die verlorene Ehre von Katharina Blum" foi publicado pelo Nobel de Literatura Heinrich Böll em 1974. O autor tematiza a imprensa sensacionalista e suas possíveis consequências por meio da história da dona de casa Katharina Blum e do assassinato do jornalista Werner Tötges. O romance foi adaptado para o cinema em 1975 (foto), sob a direção de Volker Schlöndorff e Margarethe von Trotta.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
"O Leitor"
"Der Vorleser", publicado por Bernhard Schlink em 1995, gira em torno do amor de Michael Berg, de 15 anos, por Hanna, 21 anos mais velha. Numa espécie de ritual romântico, ela sempre lhe pede que leia para ela. Até que Hanna desaparece. Anos depois, Michael a reconhece entre os acusados num processo para julgar crimes do nazismo. O romance transformou-se em filme em 2008 (foto).
Foto: Studio Babelsberg AG
"A história sem fim"
"Die unendliche Geschichte", publicado por Michael Ende em 1979, não pode faltar nas estantes das crianças na Alemanha. Todas conhecem as aventuras do jovem Bastian no país Fantasia, que ganharam projeção internacional desde que "A história sem fim" chegou aos cinemas, em 1984 (foto). O romance fascina não somente o público infantil, mas também adulto.
Foto: picture-alliance/dpa
"Contos de Grimm"
A coletânea dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm "Kinder- und Hausmärchen" foi publicada entre 1812 e 1858, e é considerada a obra alemã mais disseminada no mundo, depois da Bíblia de Lutero. Incluindo clássicos como "Rapunzel", "Chapeuzinho Vermelho" (foto) e "Branca de Neve", os contos já foram traduzidos para mais de 160 idiomas e inspiraram filmes, peças de teatro, desenhos animados e quadrinhos.