Biden: sair do Afeganistão foi a melhor decisão para os EUA
1 de setembro de 2021
Após retirada completa das tropas americanas, presidente defende "sábia decisão" de pôr fim à "guerra eterna" contra o Talibã. Saída foi um "sucesso extraordinário", afirma, ignorando cenas de caos no aeroporto de Cabul.
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Em pronunciamento nesta terça-feira (31/08), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, defendeu com veemência a decisão de retirar as tropas americanas do Afeganistão, dizendo ter se recusado a prolongar ainda mais uma guerra que descreveu como "interminável".
A saída traumática do território afegão, concluída na segunda-feira após 20 anos de batalha contra o Talibã, foi uma "decisão sábia e a melhor para os Estados Unidos", declarou o líder democrata.
Após ser atacado por opositores republicanos devido à natureza caótica dos esforços para retirar os soldados americanos do Afeganistão, Biden disse que fez o que deveria ter sido feito anos atrás. "Eu não estenderia essa guerra eterna e não estenderia essa retirada eterna [das tropas]."
"Assumo a responsabilidade pela decisão", afirmou. "Eu me comprometi com o povo americano a acabar com essa guerra. Hoje honrei esse compromisso."
Ele disse que a escolha era simples: "Ou seguir o compromisso assumido pelo governo anterior [do ex-presidente Donald Trump] e deixar o Afeganistão, ou dizer que não íamos embora e enviar dezenas de milhares de soldados para a guerra." Segundo o presidente, a "verdadeira escolha era entre sair ou escalar [o conflito]".
"Após 20 anos no Afeganistão, me recusei a enviar outra geração de filhos e filhas dos EUA para lutar numa guerra que deveria ter terminado há muito tempo", completou.
Falando da pomposa Sala de Jantar de Estado da Casa Branca, o presidente batia no púlpito enquanto detalhava os custos extraordinários – mais de 2.400 soldados americanos mortos e mais de 2,3 trilhões de dólares gastos – de uma guerra que terminou com o Talibã de volta ao poder.
"Sucesso extraordinário"
Sobre as delicadas operações de evacuação do território afegão, Biden falou em um "sucesso extraordinário". Ao todo, mais de 120 mil pessoas foram retiradas do Afeganistão em voos americanos e de outros países aliados nos últimos dias, desde a tomada de poder pelos talibãs.
Âncora afegão apresenta programa cercado por talibãs armados
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"Nenhuma nação jamais fez algo parecido em toda a história; apenas os Estados Unidos tiveram a capacidade, a vontade e a habilidade para fazer isso", disse o presidente.
Biden, no entanto, ignorou fiascos e episódios de caos e desespero no aeroporto de Cabul nos últimos dias, enquanto milhares de pessoas tentavam fugir de um novo regime talibã.
Afegãos morreram ao tentar entrar em aviões e se agarrar à fuselagem para deixar o país a qualquer custo; mães lançavam bebês sobre a cerca de arame farpado do aeroporto, clamando para que soldados estrangeiros tirassem pelo menos seus filhos do país.
Além disso, no fim da semana passada, um ataque terrorista matou cerca de 200 pessoas perto do aeroporto, entre eles soldados americanos.
Já no domingo, os Estados Unidos realizaram um ataque com um drone que, segundo os americanos, visava evitar uma ameaça terrorista no aeroporto, mas deixou numerosas vítimas civis.
Talibãs comemoram
O Talibã também encarou a evacuação como um sucesso: para o grupo fundamentalista islâmico, a saída dos EUA foi um marco de seu surpreendente retorno ao poder, bem como da derrota de uma superpotência global.
Na madrugada de terça-feira, combatentes talibãs deram tiros de arma de fogo para o ar em Cabul, após a decolagem do último avião dos EUA, celebrando o fim da ocupação americana. Mais tarde, eles invadiram o aeroporto da capital.
"Parabéns ao Afeganistão... esta vitória pertence a todos nós", declarou o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, a repórteres. Segundo ele, a conquista dos talibãs foi uma "lição para outros invasores".
A retirada americana ocorreu pouco antes do prazo final – 31 de agosto – estabelecido pelo presidente Biden para encerrar a guerra que tirou a vida de dezenas de milhares de afegãos.
O fim da retirada se seguiu a uma ameaça da ramificação regional do grupo terrorista "Estado Islâmico", rival do Talibã, de realizar novos ataques contra as forças americanas no aeroporto. Na segunda-feira, o sistema antimísseis dos EUA interceptou cinco foguetes disparados contra o local.
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Os próximos dias
Agora, todos os olhares se voltam para como o Talibã agirá em seus primeiros dias com autoridade exclusiva sobre o país, especialmente se o regime permitirá a partida daqueles que ficaram e desejam deixar o país – incluindo alguns estrangeiros.
Os EUA disseram que "menos de 200" de seus cidadãos permaneceram no Afeganistão. Já o Reino Unido afirmou que o número de cidadãos britânicos estava na casa das "poucas centenas".
Milhares de afegãos que colaboraram com o governo deposto apoiado pelos Estados Unidos temem retaliação por parte do Talibã e também querem ir embora.
O Departamento de Estado americano divulgou um comunicado no domingo, assinado por cerca de cem países, além da Otan e da União Europeia, informando ter recebido "garantias" do Talibã de que pessoas com documentos de viagem poderiam sair do país.
O Talibã disse que permitirá viagens normalmente após assumir o controle do aeroporto, mas ainda não está claro como os combatentes irão administrar a base aérea e quais empresas voarão para Cabul, considerando as preocupações de segurança.
Muitos afegãos temem viver sob o regime do Talibã, que governou o país de 1996 a 2001, período caracterizado pela marginalização de mulheres e meninas, abusos generalizados dos direitos humanos e um brutal sistema de Justiça.
ek (AFP, Reuters, Efe, Lusa)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.