"Big data" revela autoria mista em peças de Shakespeare
25 de outubro de 2016
Célebre dramaturgo recebeu ajuda para escrever 17 peças, inclusive de seu suposto arquirrival Christopher Marlowe. Coautoria foi revelada em nova edição da obra do escritor inglês, baseada em pesquisa de dados complexos.
Anúncio
Ele pode ter sido o maior dramaturgo de todos os tempos, mas William Shakespeare (1564-1616) não trabalhou sozinho. Uma equipe internacional de pesquisadores concluiu que 17 de 44 obras do bardo de Stratford-upon-Avon resultaram de colaborações, informou a editora Oxford University Press nesta segunda-feira (24/10).
Isso é mais que o dobro das oito de 39 peças que foram identificadas pela mesma editora, em 1986, como sendo de autoria mista.
Considerado desde o século 18 como sendo rival de Shakespeare, acredita-se agora que Christopher Marlowe (1564-1593) tenha sido coautor da trilogia sobre o rei Henrique 6°. Além disso, acredita-se que Thomas Middleton tenha adaptado a peça Tudo bem quando termina bem.
Desde janeiro de 2009, 23 especialistas de cinco países trabalharam na nova edição da obras de Shakespeare. A descoberta de que Marlowe não foi realmente um rival, mas um colaborador, pôs abaixo uma antiga crença sobre o relacionamento deles.
"Muitos acadêmicos suspeitavam disso desde o século 18, mas até bem recentemente, não tínhamos nenhuma maneira de comprovar isso de forma confiável", declarou Gary Taylor, professor da Universidade da Flórida. "Agora podemos estar seguros que [Shakespeare e Marlowe] não só tiveram influências mútuas, mas também trabalharam juntos. Os rivais às vezes colaboram."
Investigação
Segundo Taylor, a equipe de pesquisadores utilizou "big data" ou megadados – conjunto de dados muito grandes armazenados e analisados para otimizar tomadas de decisão – para realizar comparações precisas entre as obras de Shakespeare e alguns de seus contemporâneos. Essas bases de dados informatizadas somente ficaram disponíveis nas duas últimas décadas.
"Nós contamos quantas vezes determinadas palavras e frases apareceram nos textos de Shakespeare e outros autores de sua época. Esses padrões se revelaram bastante inconfundíveis", explicou Gabriel Egan, da Universidade Montford em Leicester.
Ele disse que ainda não está claro como funcionava a cooperação entre os autores. É possível que Marlowe tenha escrito os textos e que Shakespeare os tenha editado posteriormente.
"Parte do que é interessante está na interação entre esses dois gênios bastante diferentes. É por isso que tais obras tocavam as pessoas como sendo diferentes de Shakespeare", continuou Taylor, referindo-se à trilogia Henrique 6°.
"Podemos ver agora que essa diferença se deve a Marlowe, um escritor que era muito interessado em política, violência e no conflito religioso. Marlowe escreve sobre tais coisas num estilo diferente. Estas descobertas tornam essas peças mais interessantes, não menos", acrescentou o professor da Universidade da Flórida.
Taylor afirmou ainda que a colaboração entre dramaturgos era algo inteiramente normal na época elisabetana e que nada apontava para um grande segredo ou conspiração em relação à cooperação entre Shakespeare e Marlowe. Em consequência, os nomes dos dois dramaturgos aparecerão agora juntos nos títulos de crédito das três partes da peça de teatro Henrique 6°.
CA/afp/dpa/lusa/dw
Ricardo 3º: repouso eterno de um monarca
Durante 500 anos o paradeiro dos restos mortais do rei inglês imortalizado por Shakespeare foi um mistério. Em 2012, o achado sensacional sob um estacionamento em Leicester. Agora Ricardo 3º jaz na catedral da cidade.
Foto: Reuters/D. Staples
Leicester festeja
Uma cidade em júbilo por seu rei "reencontrado": Leicester homenageia Ricardo 3º com cinco dias de festividades. Milhares acorreram às ruas, para a procissão que levou até a catedral municipal o caixão com os restos mortais do soberano inglês morto em 1485.
Foto: Reuters/S. Plunkett
Sob um estacionamento
Durante mais de cinco séculos não se sabia o paradeiro do corpo de Ricardo 3º (1452-1485). Em 2012, pesquisadores encontraram um esqueleto sob o estacionamento do conselho municipal da cidadezinha inglesa de Leicester. O exame de DNA confirmou: os ossos pertenciam a ninguém menos que o lendário monarca imortalizado por Shakespeare.
Foto: Getty Images/AFP/A. Cowie
Enterro desonroso
Os restos mortais não se encontravam num sarcófago, nem mesmo envolvidos por uma mortalha. Isso significaria que o corpo de um rei consagrado teria sido simplesmente jogado numa vala. Impensável?
Foto: REUTERS/University of Leicester
Destino de perdedor
Nem tanto. Afinal, Ricardo foi o perdedor da Guerra das Rosas, pela sucessão ao trono da Inglaterra. Nela, as casas de Lancaster e York se lançaram em décadas de luta pelo poder. O rei só regeu por dois anos. Após sua morte, na Batalha de Bosworth, em 22 de agosto de 1485, seu cadáver foi desonrado, exposto nu em uma estalagem e enterrado sem cerimônias num mosteiro franciscano.
Foto: Hulton Archive/Getty Images
Depois da morte, a difamação
Durante séculos, Ricardo 3º foi visto como um monstro coroado. Também graças a William Shakespeare: 100 anos após a morte do rei, o dramaturgo inglês o descrevia como usurpador inescrupuloso e intrigante, que ao fim estava pronto para trocar seu reino por um cavalo. No drama histórico ele é apresentado, além disso, como feio e deformado: para a época, clara expressão de um caráter maligno.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Filaktou
O vencedor define a história
Tal distorção histórica é facilmente compreensível. Desde a morte de Ricardo 3º a dinastia dos Tudors regia a Inglaterra. Para eles era interessante apresentar seu finado rival da forma mais negativa possível. Quando Shakespeare escreveu seu "Ricardo 3º", quem ocupava o trono era Elisabeth 1ª, neta de Henry Tudor, o vencedor da Guerra das Rosas que entrou para a história como Henrique 7º (foto).
Esclarecido, em vez de vilão
Neste meio tempo, já se reviu a concepção de Ricardo 3º como arquivilão da história britânica. Segundo diversos historiadores, ele era até bastante esclarecido e aberto, para sua época. Por exemplo, desenvolveu uma forma precursora de assistência legal. O rei também não era especialmente pequeno nem tinha corcunda, embora sofresse de escoliose.
Foto: picture-alliance/dpa/University of Leicester
Ascensão sem escrúpulos
Por outro lado, está confirmado que, para alcançar o poder, Ricardo 3º não media escrúpulos diante de seus adversários – mesmo dentro da própria família. Entre suas vítimas constam o próprio irmão e os sobrinhos. Estes eram ainda crianças ao serem confinados na Torre de Londres.
Foto: public domain
Honras tardias
Passados 530 anos desde a morte do soberano, soldados uniformizados levam o féretro de Ricardo 3º para o antigo campo de batalha de Bosworth. Lá ele é homenageado num breve culto religioso, antes de ser levado para a catedral de Leicester.
Foto: Reuters/E. Keogh
Rosas brancas para um York
Diante da catedral, uma estátua e uma placa comemorativa relembram o último rei inglês da Casa de York. Admiradores de Ricardo 3º depositaram flores brancas, símbolo daquela dinastia nobre.
Foto: Reuters/S. Plunkett
Despedida de um soberano
Depois de um réquiem para o "rei reencontrado", os restos mortais do controvertido nobre jazem agora na catedral, no centro de Leicester. Lá, ele finalmente encontra o repouso eterno em local consagrado, como convém a um monarca inglês.