Blogueiro que antecipou ação contra Lula é levado para depor
22 de março de 2017
Sérgio Moro ordena condução coercitiva de Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania. Residência dele é alvo de busca e apreensão. Há um ano, blogueiro vazou informações sobre fase da Lava Jato envolvendo ex-presidente.
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O juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, ordenou a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, que edita o Blog da Cidadania. Ele foi levado para depor na superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo na manhã desta terça-feira (21/03).
A PF também cumpriu um mandado de busca e apreensão na residência de Guimarães. Em conversa com jornalistas após ser liberado pelos investigadores, o blogueiro afirmou que foram apreendidos em sua casa dois celulares, o dele e o de sua esposa, um computador e um pen drive.
Segundo a Justiça Federal do Paraná, os mandados contra Guimarães fazem parte de uma investigação para identificar os responsáveis pelo vazamento de informações sobre uma fase da Operação Lava Jato envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016.
Na ocasião, Guimarães antecipou que Lula seria levado para depor, também sob condução coercitiva, e que os imóveis de sua família seriam alvo de busca e apreensão. O blogueiro afirmou que, no depoimento desta segunda-feira, foi questionado pelos policiais sobre quem lhe passara tal informação. Ele disse que a PF já sabia quem era a fonte e, por isso, acabou confirmando o nome.
O advogado de defesa, Fernando Hideo Lacerda, declarou que a ação da PF contra seu cliente trata-se de uma "arbitrariedade". Segundo ele, o blogueiro não poderia ter sido alvo de condução coercitiva sem antes ter sido intimado a depor. Além disso, o advogado destacou que jornalistas não têm obrigação de revelar suas fontes. "O sigilo é garantido pela Constituição", disse ele a repórteres.
"Não é jornalista"
Segundo a Agência Brasil, a assessoria de imprensa do juiz Moro justificou que Guimarães não está protegido pela lei sobre o sigilo da fonte porque não pode ser considerado um jornalista.
"As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do Ministério Público Federal de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político-partidária", disse o magistrado, segundo o veículo.
O Blog da Cidadania, editado por Guimarães, costuma publicar duras críticas à atuação dos integrantes da Operação Lava Jato, bem como ao governo de Michel Temer. Considerado alinhado com partidos de esquerda, o blogueiro segue a mesma linha em suas postagens em redes sociais.
Manifestações de repúdio
No Facebook, ele repudiou o acontecido nesta segunda-feira. "É lamentável viver em um país em que a liberdade de imprensa está sendo pisoteada. E em que pessoas comprometidas com a informação e com a democracia sejam submetidas a todo tipo de constrangimento, por via da lei", escreveu.
A condução coercitiva foi alvo de protesto por jornalistas e políticos, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff. "A ele [Guimarães] foi pedido que revelasse suas fontes. O episódio é grave. Ameaça a liberdade de imprensa e de expressão, garantidas pela Constituição. Sou solidária a Eduardo porque sei como é duro ter de se explicar por pensar e escrever", publicou a petista também no Facebook.
EK/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.