Bolívia planeja ofensiva para explorar lítio
18 de julho de 2017Num mundo cujo futuro deverá ser movido por baterias, o lítio emerge como uma das matérias-primas mais importantes da economia internacional e já é tido como um dos potenciais substitutos do petróleo.
Essa projeção está levando a Bolívia, considerada o país com as maiores reservas mundiais do metal, a manter o lítio sob rígido controle estatal. O presidente Evo Morales enxerga um futuro próspero para o país e aposta no veloz aumento do preço global do valioso recurso.
"Vamos desenvolver uma imensa indústria de lítio. Mais de 800 milhões de dólares já foram colocados à disposição", disse Morales à agência de notícias alemã DPA.
O lítio é o metal mais leve e menos denso entre os elementos sólidos. Por causa de sua leveza e da capacidade de recarregamento, é o principal ingrediente de baterias de lítio-íon, atualmente considerada a melhor tecnologia disponível para abastecer uma imensa diversidade de produtos, incluindo celulares e carros elétricos.
Segundo artigo publicado no início de 2016 pela revista britânica The Economist, o preço internacional do carbonato de lítio puro, um dos elementos usados na produção de baterias, quase dobrou entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016, subindo para 13 mil dólares por tonelada. Esse pico num espaço tão curto de tempo estimulou várias empresas ao redor do mundo a correr atrás de reservas de lítio.
Acredita-se que os desertos de sal na Bolívia contenham milhões de toneladas de lítio ainda inexploradas. De acordo com a US Geological Survey, o principal instituto de estudos de topografia e recursos naturais dos EUA, só o Salar de Uyuni – a maior salina do mundo e principal atração turística da Bolívia – contém nove milhões de toneladas de lítio, mais de um quarto das reservas mundiais conhecidas. No total, estima-se que o país possua cerca de metade do lítio do planeta. Alguns especialistas até sugerem que a Bolívia poderá se tornar "a Arábia Saudita do lítio".
Um aumento da demanda mundial por lítio – se o mercado passar a produzir mais veículos elétricos, por exemplo – pode se revelar propício para a Bolívia, cujas enormes reservas significariam um lucro repentino para o país.
Construindo uma indústria
Mas, por enquanto, a Bolívia ocupa um lugar modesto no mercado global de lítio. Ao mesmo tempo, países vizinhos como Chile e Argentina dominam o mercado, apesar de possuírem reservas menores da matéria-prima.
Um complexo de exploração mineral para extração de lítio e cloreto de potássio (usado na produção de fertilizantes) está sendo construído atualmente na salina de Uyuni, numa área de 40 km². O governo diz que se trata de um projeto piloto e que quer investir centenas de milhares de euros na exploração de lítio e no desenvolvimento das capacidades de processamento do metal. Os planos do governo boliviano preveem o início da produção de carbonato de lítio em 2020.
Ainda assim, a Bolívia precisa superar uma série de desafios para concretizar o objetivo de desenvolver toda uma indústria de lítio.
O governo diz que não quer que o país seja um mero exportador da matéria-prima, preferindo que a Bolívia centralize toda uma cadeia de atividades de valor agregado envolvendo o metal. Isso incluiria, por exemplo, a construção de fábricas de baterias e de carros no país, com a esperança de gerar empregos e riqueza para a população boliviana.
Outra questão envolve a pureza do lítio extraído. As reservas da Bolívia são consideradas relativamente impuras porque contêm mais magnésio que o lítio encontrado em outros países. As planícies de sal do país são palco de inundações sazonais, o que dificulta e encarece o refinamento do produto porque a taxa de evaporação das salmouras acaba sendo reduzida (muitas vezes, o lítio é extraído de tanques de salmoura com o lítio suspenso e por meio da evaporação da água da suspensão).
A infraestrutura deteriorada do país também é um obstáculo. A Bolívia tenta equiparar seus sistemas de serviços públicos, logística e transportes aos de países como o Chile, aumentando a construção de estradas, portos, redes elétricas e linhas de comunicação.
No médio prazo, a exploração e o processamento do metal também podem depender do fato de as baterias de lítio-íon continuarem sendo a tecnologia líder de armazenamento de energia para carros, smartphones e outros aparelhos móveis, como laptops.
Porém, o armazenamento de energia para veículos elétricos é uma tecnologia que precisa ser bastante amadurecida. Nos próximos anos, é possível que surjam tecnologias mais eficientes, ou com melhor relação custo-benefício, que a que se baseia no lítio.
Ecologia versus economia
Outro fator que pode afetar negativamente os planos do governo Morales quanto à indústria do lítio é a confiança dos investidores no governo boliviano.
No poder desde 2006, Morales é o primeiro presidente indígena da Bolívia e se tornou o líder que está há mais tempo no poder desde a independência do país, em 1825. Mas empresas multinacionais veem Morales com desconfiança devido à sua orientação política de esquerda, temendo que o governo boliviano nacionalize rapidamente o dinheiro investido no país.
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Sob Morales, porém, a Bolívia registrou uma das maiores taxas de crescimento da região. O presidente boliviano também é conhecido por ter utilizado os lucros das exportações de gás para modernizar a economia e por ser um dos líderes mais prudentes com políticas fiscais na América do Sul.
Atualmente, empresas como a alemã K-UTEC Ag Salt Technologies e a chinesa China's Linyi Dake Trade extraem lítio na Bolívia. Em setembro de 2016, o país também enviou 15 toneladas de carbonato de lítio para a China. Foi a primeira exportação do metal boliviano.
Ao mesmo tempo em que o governo adota um discurso otimista com os investimentos na indústria do lítio, aumentam as críticas sobre o impacto da extração do metal sobre o meio ambiente. Enquanto alguns apontam para a degradação causada pela produção de lítio nas salinas, há quem afirme que o processo de evaporação utilizado na extração do metal é menos poluente que outras formas de mineração. Porém, os especialistas são unânimes ao alertar que a ecologia sensível da região pode sofrer sérios impactos com qualquer projeto de extração mineral de grande porte.