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PolíticaBolívia

Bolivianos vão às urnas sob a sombra da instabilidade

Sandra Weiss
17 de outubro de 2020

Bolívia realiza sua primeira eleição presidencial sem a participação de Evo Morales em mais de duas décadas. Muitos esperam que pleito ajude o país a superar de uma vez o caos político – mas isso é muito pouco provável.

Eleitora põe cédula de votação em urna na Bolívia
Foto: Martin Mejia/AP Photo/picture-alliance

Enquanto os bolivianos vão às urnas neste domingo (18/10) para eleger um novo governante e um novo Parlamento, o ex-presidente Evo Morales não aparece nas cédulas de votação. É a primeira eleição sem sua participação desde 1997, ou seja, em mais de duas décadas.

Exilado na Argentina, Morales escolheu seu ex-ministro e aliado próximo Luis Arce como candidato do partido Movimento para o Socialismo (MAS) à presidência da Bolívia.

Falando em um evento de campanha em Santa Cruz nesta semana, Arce prometeu que o partido de Morales retornaria ao poder: "Eles puxaram uma arma para nós e nos forçaram a deixar o cargo, mas vamos voltar." Pesquisas de opinião mostram que entre 30% e 40% dos bolivianos querem ver o MAS governando o país novamente.

Muitos integrantes de povos indígenas, agricultores e moradores mais pobres das cidades da Bolívia acumulam esperanças de que o partido poderia tirar a nação da crise gerada pela pandemia de covid-19 e trazer a economia de volta aos trilhos.

Mas uma parte considerável dos bolivianos ficou totalmente desiludida com a legenda, suas tendências autoritárias e o nepotismo em suas fileiras. Eles odiariam ver o retorno de Morales, que dizem ter apoiado os agricultores que plantam folha de coca.

"Se o MAS vencer a eleição, não haverá misericórdia para a oposição", diz Alejandro Colanzi, ex-parlamentar opositor e professor universitário.

Caos político na Bolívia

A Bolívia vive um período de turbulência e instabilidade política desde a eleição presidencial do ano passado. Morales, acusado de fraudar a votação, foi forçado a renunciar pelo Exército boliviano. Ele foi sucedido por um governo provisório conservador chefiado por Jeanine Áñez, que, apegada ao poder, adiou a eleição geral mais de uma vez devido à pandemia de coronavírus.

Evo Morales e Luis Arce, em foto de janeiroFoto: Getty Images/AFP/R. Schemidt

O pleito deste domingo visa finalmente trazer a estabilidade de volta ao país. Mas Maria Teresa Zegada, socióloga da Universidade de Cochabamba, duvida que isso aconteça. "O MAS está ameaçando não reconhecer um resultado eleitoral vantajoso", afirma.

A especialista argumenta que, se a oposição boliviana vencer, ela será "permanentemente confrontada com a pressão de movimentos sociais, que são controlados pelo MAS". Zegada acredita que a Bolívia poderia, então, se afundar numa instabilidade política de longo prazo, como não se vê desde os anos 1990.

As empresas, em particular, estão preocupadas com a perspectiva de manutenção da turbulência política. "Precisamos de estabilidade para poder fazer planos, e precisamos que o Estado apoie as empresas privadas em vez de dificultar as coisas para elas", diz Pedro Colanzi, do Instituto Boliviano de Comércio Exterior, sediado em Santa Cruz. A cidade abriga 30% de toda a população da Bolívia e é responsável por mais de um terço de seu produto interno bruto (PIB).

A Bolívia é um país profundamente polarizado quando se trata de poder econômico e político, uma situação agravada pelas contínuas tensões entre a população indígena e não indígena. Juntos, esses fatores tornam governar o país algo muito desafiador.

Oposição dividida

"Se o MAS vencer, podemos enfrentar um autoritarismo – mas a oposição cometeu erros também e falhou em aproveitar uma grande oportunidade [que foi ocupar o poder]", diz o ex-parlamentar Alejandro Colanzi.

Muitos bolivianos estão decepcionados com a presidente interina Áñez e seus aliados, que se envolveram em escândalos de corrupção e manifestaram sentimentos religiosos extremistas e calúnias raciais. Áñez, por exemplo, chegou a se referir aos povos indígenas do país como "selvagens".

Muitos acreditam que ela e seus ministros se preocupam apenas com seu ganho pessoal, em acertar contas e desfazer as políticas sociais de Evo Morales.

Carlos Mesa, principal candidato da oposiçãoFoto: Marcelo Perez del Carpio/dpa/picture-alliance

A oposição do país, entretanto, está dividida. O moderado professor universitário Carlos Mesa, que deverá receber cerca de 30% dos votos, segundo apontam pesquisas de opinião, é apoiado pela classe média urbana liberal da Bolívia.

Já a elite conservadora e empreendedora torce pelo populista de direita Luis Fernando Camacho, projetado para levar 15% dos votos neste domingo. Alguns pediram que Camacho desistisse da corrida para aumentar as chances de Mesa, mas o populista rechaça a ideia, em meio às animosidades entre ele e o professor.

Enquanto isso, o candidato Luis Arce provavelmente se beneficiará de uma oposição dividida. De acordo com as leis eleitorais da Bolívia, ele só precisa de 40% dos votos – e uma vantagem de dez pontos percentuais sobre o segundo colocado – para vencer no primeiro turno.

O cientista político Diego von Vacano está convencido de que o candidato do MAS seria bom para o país neste momento: "Arce não é como Morales; é um tecnocrata cosmopolita e a única garantia de que a Bolívia não vai voltar ao neoliberalismo e privatizar suas reservas de lítio", afirma.

Preocupações com o futuro

Independente de quem vencer as eleições neste domingo, governar a Bolívia será um desafio. "O MAS tem uma ala reformista que apoia o vice-presidente David Choquehuanca em vez de Arce e Morales, então tensões são inevitáveis", diz a socióloga Zegada.

Roger Cortez, especialista em socioeconomia, também prevê problemas à frente. "O MAS propaga um modelo econômico baseado no capitalismo de Estado e na exploração de recursos naturais." Além disso, afirma ele, "a pandemia empurrou entre 1 e 2 milhões de bolivianos de volta à pobreza".

Cortez também não acredita que a agricultura de corte e queima e as plantações geneticamente modificadas na planície boliviana sejam sustentáveis.

Mesa prometeu uma nova abordagem econômica, mas foi vago nos detalhes. De qualquer forma, será difícil formar maiorias num Parlamento tão fragmentado.

Muitos bolivianos, portanto, estão bastante pessimistas quanto ao futuro. Uma pesquisa online conduzida pela Fundação Friedrich Ebert, da Alemanha, apontou que 78% dos entrevistados veem a situação da Bolívia piorando, e 57% esperam o fim da violência após as eleições. Enquanto isso, impressionantes 80% se disseram preocupados com a economia e pobreza crescente.

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