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Bolsonaro ameaça existência de órgão antitortura, diz ONU

17 de junho de 2019

Representante do escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas para a América Latina classifica como "preocupante” decisão do governo que esvaziou equipe de órgão brasileiro responsável por fiscalizar presídios.

Brasilien Manaus Gefängnis Anisio Jobim
Representante da ONU lembrou que o Brasil ratificou o protocolo da Convenção das Nações Unidas contra tortura em 2007Foto: Getty Images/M. Tama

A chefe do escritório sul-americano do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a alemã Birgit Gerstenberg, criticou em nota a decisão do governo Bolsonaro de exonerar a equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), braço do governo federal que fiscaliza violações de direitos humanos em presídios.

Gerstenberg classificou a medida como "preocupante” e uma ameaça à "existência” do órgão antitortura.

A nota é uma resposta a um decreto presidencial publicado no dia 11 de junho que extinguiu as 11 vagas de perito renumeradas e com dedicação exclusiva do MNPCT.

Além disso, o texto prevê que ano futuro a participação de peritos no Mecanismo passará a ser não renumerada, a ser exercida de forma voluntária. A escolha será chancelada pelo próprio presidente e os voluntários não poderão ser vinculados a redes e a entidades da sociedade civil.

O decreto ainda acaba com critérios de diversidade de raça e etnia na escolha para o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

O decreto foi duramente criticado por organizações ONGs brasileiras e estrangeiras de direitos humanos, que denunciaram o presidente Jair Bolsonaro na Relatoria Especial da ONU para tortura, tratamentos e punições degradantes, na Suíça.

Com mais de 20 anos de atuação na ONU, Gerstenberg chefia desde maio de 2018 o escritório da ACNUDH no Chile, que tem a missão de observar, promover e proteger os direitos humanos em nove países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Ela lembra que o Brasil ratificou o protocolo facultativo da Convenção das Nações Unidas contra tortura em 2007 e tem uma "obrigação contratual”. Ela defende ainda o modelo de monitoramento por órgãos externos no combate à tortura:

"Este tratado surgiu depois que evidências empíricas, reconhecidas por todos, que demonstraram que o monitoramento independente dos locais de detenção desempenha um papel vital na prevenção da tortura e outros maus-tratos, bem como na melhoria das condições de detenção”, escreve Gerstenberg.

Sobre a formação dos membros de um órgão antitortura como o Mecanismo Nacional de Prevenção e combate à Tortura, a chefe do escritório sul-americano ACNUDH ressalta que eles devem ser independentes e demonstra preocupação com a decisão do governo Bolsonaro, que, na avaliação dela, ameaça até mesmo a existência do MNPCT.

"O Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura exige que seus membros tenham a independência e autonomia necessárias, e o Estado deve fornecer a este órgão os recursos adequados, tanto em termos financeiros quanto humanos, para cumprir seu mandato. A situação atual é, portanto, preocupante porque questiona os atributos mencionados anteriormente do Mecanismo Nacional, bem como sua própria existência”, alerta Gerstenberg.

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, pasta à qual o Mecanismo está vinculado, informou após a publicação do decreto do governo Bolsonaro, na semana passada, que o órgão "permanece ativo, sem quaisquer prejuízos ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura".

Criado em 2013, o MNPCT faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e era composto por 11 peritos independentes que tinham acesso às instalações de privação de liberdade, como presídios, centros de detenção, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, instituições socioeducativas e centros militares de detenção disciplinar. Os peritos eram escolhidos via edital e tinham um mandato de três anos.

Leia na íntegra a tradução da nota do escritório latino-americano de direitos humanos da ONU:

"Desde que o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura em 2007, tem uma obrigação contratual convencional, nacional e internacional de fornecer todos os meios e tomar todas as medidas necessárias para implementar suas disposições. Este tratado surgiu depois que evidências empíricas, reconhecidas por todos, que demonstram que o monitoramento independente dos locais de detenção desempenha um papel vital na prevenção da tortura e outros maus-tratos, bem como na melhoria das condições de detenção.

O tratado confia a Mecanismos Nacionais para a Prevenção da Tortura com esta importante e delicada tarefa. Portanto, é responsabilidade do Estado assegurar que esta entidade seja estabelecida e dotada de um forte mandato legislativo e com os recursos humanos e financeiros necessários para o bom funcionamento. Em conformidade com o Protocolo Opcional, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura exige que seus membros tenham a independência e autonomia necessárias, e o Estado deve fornecer ao Mecanismo recursos adequados, tanto em termos financeiros quanto humanos, para cumprir seu mandato. A situação atual é, portanto, preocupante porque questiona os atributos mencionados anteriormente do mecanismo nacional, bem como sua própria existência.”

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