Após defender governo sem "amarras ideológicas", presidente impõe nos primeiros dias no cargo sua visão de extrema direita em áreas como educação e relações exteriores e exonera servidores suspeitos de "petismo".
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Ao assumir na última terça-feira (01/01), o presidente Jair Bolsonaro prometeu em dois discursos um governo livre de "amarras ideológicas" e combater "ideologias nefastas" que, segundo ele, destroem valores. Ele afirmou ainda que iria retirar o "viés ideológico" das relações internacionais do Brasil.
Após três dias de governo, no entanto, Bolsonaro já começou a colocar em prática uma agenda ideológica – no caso, a sua própria. Aos poucos, o governo vai assumindo uma face mais de acordo com a visão de extrema direita do novo presidente, diminuindo espaço para áreas como a promoção de direitos LGBT e de combate a mudança climáticas e promovendo um realinhamento da diplomacia e da educação no país.
Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores é o que sintetiza mais claramente a aplicação dessa nova agenda ideológica de sinais trocados. Sob os governos do PT, o país havia por mais de uma década demonstrado afinidade com regimes esquerdistas (democráticos ou não). Agora, em vez de apostar no pragmatismo, Bolsonaro vem optando por se aproximar de países governados pela direita, como Israel e a Hungria.
Antes mesmo de assumir o cargo, Bolsonaro já havia anunciado o plano de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, em um gesto que desconsidera possíveis implicações comerciais negativas para o comércio com países árabes, mas que agradou à ala evangélica e ultraconservadora que apoia o novo governo.
Além disso, Bolsonaro anunciou um alinhamento automático com a política externa dos Estados Unidos de Donald Trump, contrariando práticas que há décadas caracterizaram a diplomacia brasileira, que mesmo sob governo de direita do passado procurou um caminho independente dos americanos. Ele também levantou a hipótese de autorizar que os americanos possam instalar no futuro uma base militar no Brasil.
Em seu discurso de posse, o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pouco falou da pauta comercial do país, mas citou que, sob sua chefia, o Itamaraty vai combater o aborto e se insurgir contra o "ódio a Deus".
Já no Ministério da Educação (MEC), o governo determinou a extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e criou uma pasta específica para a alfabetização. Segundo Bolsonaro, o objetivo da medida é combater "a formação de mentes escravas das ideias de dominação socialista". A iniciativa está sendo encarada como uma forma de eliminar as temáticas de direitos humanos e de educação étnico-racial e a própria palavra diversidade da pasta.
O governo também promoveu uma mudança que levantou preocupações entre a comunidade LGBT do país. A medida provisória que estabeleceu a nova organização e as competências dos ministérios sob Bolsonaro não fez qualquer menção à comunidade LGBT no item que detalha as diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos.
No texto, a MP cita de maneira vaga a promoção de direitos de "minorias étnicas e sociais", e não mais lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais como ocorria anteriormente. Segundo o governo, as demandas dessa comunidade vão ser atendidas pela nova Secretaria de Proteção Global ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta chefiada pela evangélica Damares Alves, que logo após o discurso de posse disse que o Brasil vai entrar em "uma nova era" em que "menino veste azul e menina veste rosa".
Bolsonaro também retirou da Funai a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos que possam atingir povos indígenas. As atribuições passaram para o Ministério da Agricultura.
O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas e prometeu criar uma assessoria especial – bem mais enxuta – para lidar com o tema. Durante a campanha, Bolsonaro criticou o Acordo de Paris sobre o clima. Seu chanceler, Ernesto Araújo, também já disse que a esquerda transformou a "defesa da mudança climática" em uma "tática globalista de instilar o medo para obter mais poder".
"Despetização”
A nova administração também já vem promovendo um enxugamento de cargos comissionados com o objetivo de fazer uma "despetização do governo", segundo as palavras do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na quinta-feira, 3.400 servidores já haviam sido exonerados, segundo o jornal O Globo. "Nós somos um governo de perfil de centro-direita e não tem fundamento ter aqui alguém que é socialista, comunista ou qualquer dessas outras coisas", disse o ministro.
"Vamos retirar de perto da administração pública federal todos aqueles que têm marca ideológica clara. Nós todos sabemos do aparelhamento que foi feito principalmente do governo federal nos quase 14 anos que o PT aqui ficou", afirmou.
Lorenzoni também disse que a nova administração pretende governar "com aqueles que acreditam em nosso projeto", e não com pessoas "que ponham em risco o projeto aprovado nas urnas". Ele negou que a medida seja uma "caça às bruxas", mas disse que os exonerados deverão se submeter a uma avaliação para definir se serão readmitidos nos postos.
Segundo O Globo, os critérios de avaliação para a participação ou manutenção no governo vão além da filiação ou não ao PT. O jornal informou que comissionados estão tendo as redes sociais vasculhadas para identificar suas simpatias. Nesse pente-fino, postagens que incluem "Ele não!", "Fora, Temer" e até "Marielle vive" podem resultar em exoneração.
Esse "zelo" já atingiu até mesmo uma pessoa ligada a movimentos que ajudaram Bolsonaro na campanha. Desire Queiroz, uma evangélica cotada para assumir a Secretaria Nacional de Juventude – subpasta ligada ao novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos – acabou não sendo nomeada após contas de extrema direita a terem rotulado de "esquerdista" nas redes sociais.
Entre os elementos "incriminatórios" estava uma publicação no Facebook em que ela lamentou a morte da vereadora Marielle Franco em março do ano passado.
Pouco antes de ter sido descartada para o cargo, Queiroz atribuiu a campanha contra ela a uma disputa por cargos entre a própria direita e reafirmou que era conservadora. "Eu sou uma mulher negra e é muito fácil colar esses estereótipos [de esquerda] em mim", disse ao site de extrema direita Conexão Política.
Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
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Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
Foto: AFP/Getty Images
Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
Foto: Reuters/A. Machado
Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
Foto: imago/Fotoarena/A. Mauricio
Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
Foto: Getty Images/AFP/S. Lima
Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
Foto: Agência Brasil
Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
Foto: Agência Brasil
Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel
AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.