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Bolsonaro começa a aplicar sua própria agenda ideológica

4 de janeiro de 2019

Após defender governo sem "amarras ideológicas", presidente impõe nos primeiros dias no cargo sua visão de extrema direita em áreas como educação e relações exteriores e exonera servidores suspeitos de "petismo".

Brasilien Jair Bolsonaro
Bolsonaro também retirou da Funai a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos que possam atingir povos indígenas.Foto: imago/ZUMA Press/O Globo

Ao assumir na última terça-feira (01/01), o presidente Jair Bolsonaro prometeu em dois discursos um governo livre de "amarras ideológicas" e combater "ideologias nefastas" que, segundo ele, destroem valores. Ele afirmou ainda que iria retirar o "viés ideológico" das relações internacionais do Brasil.

Após três dias de governo, no entanto, Bolsonaro já começou a colocar em prática uma agenda ideológica – no caso, a sua própria. Aos poucos, o governo vai assumindo uma face mais de acordo com a visão de extrema direita do novo presidente, diminuindo espaço para áreas como a promoção de direitos LGBT e de combate a mudança climáticas e promovendo um realinhamento da diplomacia e da educação no país.

Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores é o que sintetiza mais claramente a aplicação dessa nova agenda ideológica de sinais trocados. Sob os governos do PT, o país havia por mais de uma década demonstrado afinidade com regimes esquerdistas (democráticos ou não). Agora, em vez de apostar no pragmatismo, Bolsonaro vem optando por se aproximar de países governados pela direita, como Israel e a Hungria.

Antes mesmo de assumir o cargo, Bolsonaro já havia anunciado o plano de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, em um gesto que desconsidera possíveis implicações comerciais negativas para o comércio com países árabes, mas que agradou à ala evangélica e ultraconservadora que apoia o novo governo.

Além disso, Bolsonaro anunciou um alinhamento automático com a política externa dos Estados Unidos de Donald Trump, contrariando práticas que há décadas caracterizaram a diplomacia brasileira, que mesmo sob governo de direita do passado procurou um caminho independente dos americanos. Ele também levantou a hipótese de autorizar que os americanos possam instalar no futuro uma base militar no Brasil. 

Em seu discurso de posse, o novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, pouco falou da pauta comercial do país, mas citou que, sob sua chefia, o Itamaraty vai combater o aborto e se insurgir contra o "ódio a Deus".

Já no Ministério da Educação (MEC), o governo determinou a extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e criou uma pasta específica para a alfabetização. Segundo Bolsonaro, o objetivo da medida é combater "a formação de mentes escravas das ideias de dominação socialista". A iniciativa está sendo encarada como uma forma de eliminar as temáticas de direitos humanos e de educação étnico-racial e a própria palavra diversidade da pasta.

O governo também promoveu uma mudança que levantou preocupações entre a comunidade LGBT do país. A medida provisória que estabeleceu a nova organização e as competências dos ministérios sob Bolsonaro não fez qualquer menção à comunidade LGBT no item que detalha as diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos.

No texto, a MP cita de maneira vaga a promoção de direitos de "minorias étnicas e sociais", e não mais lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais como ocorria anteriormente. Segundo o governo, as demandas dessa comunidade vão ser atendidas pela nova Secretaria de Proteção Global ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta chefiada pela evangélica Damares Alves, que logo após o discurso de posse disse que o Brasil vai entrar em "uma nova era" em que "menino veste azul e menina veste rosa".

Bolsonaro também retirou da Funai a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos que possam atingir povos indígenas. As atribuições passaram para o Ministério da Agricultura.

O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas e prometeu criar uma assessoria especial – bem mais enxuta – para lidar com o tema. Durante a campanha, Bolsonaro criticou o Acordo de Paris sobre o clima. Seu chanceler, Ernesto Araújo, também já disse que a esquerda transformou a "defesa da mudança climática" em uma "tática globalista de instilar o medo para obter mais poder".

"Despetização”

A nova administração também já vem promovendo um enxugamento de cargos comissionados com o objetivo de fazer uma "despetização do governo", segundo as palavras do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na quinta-feira, 3.400 servidores já haviam sido exonerados, segundo o jornal O Globo. "Nós somos um governo de perfil de centro-direita e não tem fundamento ter aqui alguém que é socialista, comunista ou qualquer dessas outras coisas", disse o ministro.

"Vamos retirar de perto da administração pública federal todos aqueles que têm marca ideológica clara. Nós todos sabemos do aparelhamento que foi feito principalmente do governo federal nos quase 14 anos que o PT aqui ficou", afirmou.

Lorenzoni também disse que a nova administração pretende governar "com aqueles que acreditam em nosso projeto", e não com pessoas "que ponham em risco o projeto aprovado nas urnas". Ele negou que a medida seja uma "caça às bruxas", mas disse que os exonerados deverão se submeter a uma avaliação para definir se serão readmitidos nos postos.

Segundo O Globo, os critérios de avaliação para a participação ou manutenção no governo vão além da filiação ou não ao PT. O jornal informou que comissionados estão tendo as redes sociais vasculhadas para identificar suas simpatias. Nesse pente-fino, postagens que incluem "Ele não!", "Fora, Temer" e até "Marielle vive" podem resultar em exoneração.

Esse "zelo" já atingiu até mesmo uma pessoa ligada a movimentos que ajudaram Bolsonaro na campanha. Desire Queiroz, uma evangélica cotada para assumir a Secretaria Nacional de Juventude – subpasta ligada ao novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos – acabou não sendo nomeada após contas de extrema direita a terem rotulado de "esquerdista" nas redes sociais.

Entre os elementos "incriminatórios" estava uma publicação no Facebook em que ela lamentou a morte da vereadora Marielle Franco em março do ano passado.

Pouco antes de ter sido descartada para o cargo, Queiroz atribuiu a campanha contra ela a uma disputa por cargos entre a própria direita e reafirmou que era conservadora. "Eu sou uma mulher negra e é muito fácil colar esses estereótipos [de esquerda] em mim", disse ao site de extrema direita Conexão Política.

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