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Bolsonaro diz que não vai comprar vacina chinesa

21 de outubro de 2020

Ministro da Saúde havia anunciado acordo com São Paulo para compra de 46 milhões de doses produzidas pelo Instituto Butantan. Presidente fala em "traição" e diz que seu governo não mantém diálogo com João Doria.

O presidente Jair Bolsonaro
Bolsonaro vem se posicionando publicamente contra uma potencial vacinação obrigatória. Ao longo da pandemia, preferiu apostar em tratamentos sem comprovaçãoFoto: Reuters/U. Marcelino

O presidente Jair Bolsonaro reagiu de maneira agressiva nesta quarta-feira (21/10) ao acordo firmado por seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com o estado de São Paulo, que prevê a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, vacina contra o coronavírus da empresa chinesa Sinovac a ser produzida no Brasil em parceria com o Instituto Butantan.

A reação de Bolsonaro ocorreu no Facebook, em resposta a seguidores radicais que se posicionaram contra a vacina. "Não será comprada", escreveu Bolsonaro para um seguidor, em letras maiúsculas. "Qualquer coisa publicada, sem comprovação, vira TRAIÇÃO", reagiu Bolsonaro a um comentário de outro usuário, que acusou Pazuello de agir pelas costas do presidente.

"Tudo será esclarecido hoje. Tenha certeza, não compraremos vacina chinesa. Bom dia", respondeu Bolsonaro para outra seguidora, que acusou Pazuello de ser um "Mandetta milico". Ela se referia a um dos antecessores de Pazuello no ministério, Luiz Henrique Mandetta, demitido pelo presidente por não concordar com a ingerência errática de Bolsonaro na pasta.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro ainda disparou várias mensagens no mesmo tom para seus ministros e aliados no Congresso. "Alerto que não compraremos uma só dose de vacina da China, bem como o meu governo não mantém qualquer diálogo com João Doria na questão do covid-19. PR Jair Bolsonaro", diz o texto, citando o governador paulista, desafeto de Bolsonaro e chefe do Executivo de um estado que concentra mais de um quinto da população brasileira.

Depois, Bolsonaro divulgou um comunicado nas suas redes sociais em que chama a Coronavac de "vacina chinesa de João Doria". "Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem", escreveu.

"Qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA. O povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina."

Mais tarde, Bolsonaro afirmou durante um evento que a compra de vacinas estava descartada até a comprovação da eficácia de algum dos imunizantes. "A vacina precisa de comprovação científica para ser usada, não é como a hidroxicloroquina", acrescentou.

Pazuello assumiu o ministério em maio, após a queda de dois antecessores em sequênciaFoto: Getty Images/A. Anholete

O anúncio da compra de 46 milhões de doses havia ocorrido um dia após o Instituto Butantan afirmar que resultados preliminares dos ensaios clínicos da Coronovac feitos no Brasil revelaram a segurança do imunizante contra a covid-19.

Em reunião com governadores, Pazuello ainda havia afirmado que esperava começar a vacinação com a Coronavac já em janeiro, após a aprovação da Anvisa. O ministério havia informado que pretendia investir R$ 1,9 bilhão na compra da Coronovac produzida no Brasil pelo Butantan. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, o ministro havia enviado em 19 de outubro um ofício ao instituto confirmando a compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

Após as declarações de Bolsonaro, o Ministério da Saúde voltou atrás e disse que "não há intenção" por parte do governo federal de adquirir "vacinas chinesas". A pasta afirmou ainda que houve "uma interpretação equivocada" da fala de Pazuello sobre o imunizante, mas reconheceu a assinatura de um protocolo de intenção com o Instituto Butantan para a compra da vacina.

O ministério apagou ainda um tuíte publicado na terça-feira no qual anunciava a compra da vacina chinesa. O conteúdo era semelhante ao de uma nota divulgada pela pasta, que também foi alterada no site oficial.

Postura de Bolsonaro na pandemia

Bolsonaro nunca compartilhou qualquer entusiasmo com potenciais vacinas. Ao longo da pandemia, ele preferiu promover "curas" sem comprovação científica, como a aplicação da hidroxicloroquina no tratamento da doença. Além de minimizar o vírus, o presidente também agiu sistematicamente para sabotar a imposição de medidas de distanciamento social no país.

Mais recentemente, ele passou a agir ativamente contra a possibilidade de uma vacinação obrigatória, contrariando uma medida assinada pelo seu próprio governo no início da pandemia.

O fato de a linha de frente da produção da vacina ter sido assumida pelo governo João Doria, seu desafeto, e envolver a China – vista como inimiga por muitos bolsonaristas, inclusive membros de sua família – adicionou ainda mais combustível à fogueira ideológica do presidente.

Fritura

As falas que desautorizaram Pazuello publicamente foram encaradas pela imprensa brasileira e parte do meio político como o início de um processo de fritura. No cargo desde maio, Pazuello substituiu o médico Nelson Teich, que ficou menos de um mês no posto.

Sem experiência na área de gestão da saúde pública, Pazuello logo se tornou um facilitador das vontades do presidente no ministério, mesmo quando as ordens se chocavam com o consenso científico. Ele editou protocolos para a expansão do uso da hidroxicloroquina e chegou a tentar esconder os números da pandemia.

Por outro lado, tentou melhorar as relações do ministério com os governadores do país, que estavam em pé de guerra com Bolsonaro por causa das atitudes erráticas do presidente.

Segundo o jornal O Globo, Bolsonaro está repetindo o processo que desencadeou na queda de Mandetta, cuja atuação havia causado ciúmes no presidente e sua família. O jornal aponta que o presidente reclamou para auxiliares que Pazuello está "querendo aparecer demais, está gostando dos holofotes, como o Mandetta".

Nesta mesma quarta-feira, Pazuello testou positivo para a covid-19. Ele se torna assim o 12º integrante do primeiro escalão do governo Bolsonaro a contrair o coronavírus.

Em meio a mais uma ofensiva do presidente, a covid-19 segue avançando no Brasil, ainda que não com o mesmo ritmo de meses atrás. O país acumula o segundo maior número de mortes associadas à doença: 154.837. Também concentra o terceiro maior número de casos no planeta: mais de 5,2 milhões. 

JPS/ots