Bolsonaro devolve demarcações indígenas para Agricultura
19 de junho de 2019
Presidente editou nova Medida Provisória sobre o tema, contrariando decisão anterior do Congresso. Em maio, parlamentares haviam rejeitado plano semelhante e mantido atribuição com a Funai.
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O presidente Jair Bolsonaro editou uma nova Medida Provisória (MP) para devolver ao Ministério da Agricultura a responsabilidade da demarcação de terras indígenas. A medida foi publicada nesta quarta-feira (19/06) no Diário Oficial da União e reverte decisão do Congresso de colocar o tema a cargo da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça.
Em janeiro, uma primeira MP que reorganizava a administração federal havia transferido a função de demarcação de terras indígenas à pasta da Agricultura, mas a proposta foi alterada no Congresso no mês passado. Assim, o tema acabou voltando para a Funai.
Bolsonaro, no entanto, alterou a legislação aprovada pelo Congresso por meio de uma nova Medida Provisória – por se tratar de uma MP, a proposta de Bolsonaro carrega a autoridade de lei e começa a valer imediatamente. Porém, a matéria precisa ser aprovada em até 120 dias pela Câmara dos Deputados e pelo Senado – caso não receba o aval do Congresso, a medida se torna inválida.
O novo texto do artigo que trata sobre a área de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – pasta comandada por Tereza Cristina (DEM-MS) – incluiu "reforma agrária, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal, terras indígenas e terras quilombolas".
O documento assinado por Bolsonaro acrescentou que a responsabilidade "compreende a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas".
A Medida Provisória anterior, votada e aprovada pelo Congresso no final de maio, deixou sob a alçada do Ministério da Agricultura as competências referentes à reforma agrária, à regularização fundiária de áreas rurais, o programa de desenvolvimento social e econômico Amazônia Legal e terras quilombolas, mas não citava a demarcação de terras indígenas.
Na nova MP, Bolsonaro também transferiu os "direitos indígenas", como, por exemplo, serviços médicos, e o Conselho Nacional de Política Indigenista – anteriormente vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública – à pasta da Agricultura.
Há ainda o componente jurídico na medida de Bolsonaro. A Constituição brasileira veda numa "mesma sessão legislativa" a reedição de uma Medida Provisória que tenha sido rejeitada pelo Congresso Nacional. As chamadas "sessões legislativas" estão definidas de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.
Bolsonaro lançou a MP original da reforma administrativa do governo federal em janeiro, quando deputados e senadores ainda não haviam tomado posse e, consequentemente, não havia iniciado oficialmente uma "sessão legislativa". Ou seja, há margem para questionar a qual período legislativo se refere a MP enviada em janeiro.
A batalha política entre Executivo e Legislativo culminou com a exoneração do presidente da Funai, o general da reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, na semana passada. O motivo da demissão não foi explicado, embora haja a suspeita de que tenha ocorrido por pressão da bancada ruralista.
Em seu discurso de despedida, Ribeiro de Freitas afirmou que Bolsonaro estaria sendo mal assessorado no que diz respeito às questões indígenas e apontou que a Funai está sob constantes ataques movidos por interesses terceiros, com orçamento limitado e déficit de pessoal.
PV/ots
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Criado em 1961 por decreto presidencial, ele está localizado no norte de Mato Grosso e, atualmente, é casa de 16 etnias. A principal via de ligação entre as aldeias é o rio Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Convívio com o rio Xingu
O Parque Indígena do Xingu foi a primeira área demarcada no país. Com cerca de 27 mil quilômetros quadrados, atualmente é casa de 16 etnias: aweti, ikpeng, kaiabi, kalapalo, kamaiurá, kĩsêdjê, kuikuro, matipu, mehinako, nahukuá, naruvotu, wauja, tapayuna, trumai, yudja, yawalapiti. O rio Xingu, onde os indígenas pescam, tomam banho e lavam roupas, é a principal via de ligação entre as aldeias.
Foto: DW/N. Pontes
Terra demarcada
Criado em 1961 por decreto presidencial como Parque Nacional do Xingu, a área incide sobre 10 municípios do norte de Mato Grosso. Embora os principais idealizadores tenham sido os irmãos Villas Bôas, o projeto foi escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro. As primeiras expedições datam de meados de 1880, comandadas pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen. Hoje é chamado de Parque Indígena do Xingu.
Foto: DW/N. Pontes
Esforço logístico na floresta
O acesso a maior parte das aldeias do Xingu é feito por meio de barco. Existem poucas estradas que levam à área. Uma delas sai da cidade de Canarana (MT) e vai até a aldeia Kalapalo, num percurso de 250 km de estrada de terra. Para os indígenas, o transporte é difícil e caro: para cada viagem de barco é preciso calcular a quantidade de combustível necessária, que é trazido em galões da cidade.
Foto: DW/N. Pontes
Diaurum: o início do Parque
Os pés de manga foram plantados por Claudio Villas Bôas quando a aldeia Diauarum começou a ser formada (foto). Ela foi o segundo ponto de apoio com serviços do governo, como escola. Susana Grillo, a primeira professora a dar aula para crianças no território, entre 1975 e 1978, disse à DW Brasil que, na década de 1990, a aldeia foi o primeiro centro de formação de professores indígenas.
Foto: DW/N. Pontes
Cultura forte do povo kaiabi
Os kaiabi que fundaram a aldeia Ilha Grande, médio Xingu, foram trazidos da região do rio Teles Pires, onde sofriam com a invasão de empresas seringalistas. Atualmente, 250 pessoas moram na aldeia, que conta com posto de saúde e escola até o quarto ano fundamental. Na foto, cacique Sinharo se prepara para uma apresentação cultural com mulheres kaiabi.
Foto: DW/N. Pontes
Agricultura de subsistência
Nas aldeias do Xingu, cada família tem sua roça para subsistência. Na Ilha Grande, os indígenas cultivam batata, vários tipos de mandioca, cará, inhame, batata doce, milho, banana, abacaxi e amendoim (foto). A mandioca é muito usada para produzir farinha, beijus e mingaus. Alguns alimentos vêm da cidade, como sal e arroz.
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Cacica Mapulu Kamayurá
Cacica Mapulu Kamayurá é uma das lideranças femininas mais antigas no Xingu. Detentora de conhecimentos ancestrais, ela recorre à medicina tradicional indígena para cuidar dos moradores. Na foto, ela conta a outras mulheres as suas principais preocupações: ameaça da perda de terra e desmatamento. Ela ganhou, em 2018, o Prêmio de Direitos Humanos, do ministério que hoje é gerido por Damares Alves.
Foto: DW/N. Pontes
Floresta preservada às margens do Xingu
O Parque do Xingu é marcado por grande biodiversidade e fica numa região de transição ecológica, com cerrados, campos, florestas de várzea, florestas de terra firme e florestas em Terras Pretas Arqueológicas. Entre duas usinas hidrelétricas, Paranatinga 2 e Belo Monte, os indígenas dizem sofrer com a queda do número de peixes. O tucunaré, um dos mais consumidos, está mais difícil de ser fisgado.
Foto: DW/N. Pontes
Fundo Amazônia no Xingu
Diversos projetos de desenvolvimento sustentável e preservação da floresta têm o apoiao de recursos do Fundo Amazônia no parque. Um deles é a Rede de Sementes do Xingu, que oferece sementes nativas para plantios de restauração, unindo comunidades indígenas, pesquisadores, organizações governamentais e não governamentais, prefeituras, movimentos sociais, agricultores familiares e produtores rurais.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento e soja
No entorno do Parque Indígena do Xingu, fazendas de grãos dominam o espaço. Mato Grosso é o maior exportador de soja do país. Estima-se que 66% das florestas nas proximidades foram desmatadas para dar lugar a grandes lavouras nos últimos 30 anos. O uso de agrotóxicos, secas e fogo descontrolado estão entre os principais impactos relatados pelos indígenas com essa mudança na paisagem.