Bolsonaro diz que ordenou rememorar 1964, e não comemorar
28 de março de 2019
Após críticas e ações na Justiça, presidente suaviza o tom e defende que eventos de 31 de março pretendem "rever o que está errado" e não celebrar o início da ditadura militar. Porta-voz havia falado em "comemorações".
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Em mudança de tom após uma enxurrada de críticas acerca dos eventos que marcarão os 55 anos do golpe militar de 1964, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (28/03) que não ordenou as Forças Armadas a comemorarem a data, mas que "rememorassem".
"Não foi comemorar, foi rememorar, rever, ver o que está errado, o que está certo. E usar isso para o bem do Brasil no futuro", afirmou o capitão reformado durante um evento em comemoração aos 211 anos da Justiça Militar, no qual foi condecorado.
A declaração diverge do que foi dito pelo porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros. Na segunda-feira, ele anunciou que o presidente havia determinado ao Ministério da Defesa que sejam feitas "comemorações devidas" no próximo domingo, 31 de março, data que marcou o início da ditadura militar no Brasil.
O general ainda afirmou que Bolsonaro não considera que houve um golpe militar em 1964. O próprio presidente disse na quarta-feira que, em sua concepção, não houve ditadura militar no Brasil e defendeu que todo regime, como todo casamento, tem alguns "probleminhas".
No evento desta quinta-feira, Bolsonaro voltou a fazer comparações entre a ditadura e um casamento com problemas. Segundo ele, depois que um casal decide perdoar um ao outro, não é "para voltar naquele assunto do passado, que houve um mal entendido".
O presidente mencionou então a Lei da Anistia, de 1979, que concedeu perdão a civis e militares envolvidos em crimes cometidos durante o regime ditatorial.
"A Lei da Anistia está aí e valeu para todos. Inclusive, o governo militar [daquela época] fez com que ela fosse ampla, geral e irrestrita. Alguns setores dentro do parlamento não queriam que certas pessoas voltassem a Brasília porque atrapalhariam seus projetos políticos. Lei da Anistia, vamos respeitar para todo mundo, ponto final, não toca mais no assunto."
A determinação de Bolsonaro para que haja festejos nas unidades militares em razão do aniversário do golpe foi rechaçada por parte da população e virou alvo de ações na Justiça, que buscam impedir as comemorações nos quartéis em 31 de março.
Em resposta a um desses processos, uma juíza federal em Brasília deu cinco dias para que o presidente e a União se manifestem sobre o caso. A ação popular foi movida pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs. A Defensoria Pública da União assina outra ação.
Na quarta-feira, vítimas e parentes de vítimas da ditadura se somaram ao coro e pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que conceda uma liminar impedindo as comemorações autorizadas pelo presidente. O caso está sob análise do ministro Gilmar Mendes.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o Comando do Exército distribuiu nesta quinta-feira um ofício urgente aos comandos militares nos estados e a diversas outras unidades orientando que sejam mantidas as "solenidades previamente agendadas relativas ao" golpe. O texto informa, contudo, que a cúpula militar ainda aguarda pareceres jurídicos de dois setores acerca do caso.
O ofício seria uma reação à orientação do Ministério Público Federal (MPF) para que as diversas unidades militares do país se abstenham "de promover ou tomar parte de qualquer manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ou homenagem ao período de exceção instalado a partir do golpe militar de 31 de março".
A data havia sido retirada do calendário oficial do Exército em 2011 por determinação da então presidente, Dilma Rousseff, que foi torturada no regime ditatorial. Agora, com Bolsonaro na Presidência e diversos militares ocupando cargos ministeriais, o retorno do 31 de março à agenda estaria sendo avaliado pelas Forças Armadas.
O período da ditadura, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcado por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.
Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a votação do impeachment de Dilma, em 2016, ele chegou a homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.