A palavra aparece com frequência nas falas do presidente brasileiro e de integrantes do círculo mais próximo do governo. Em seu discurso, esconde-se também uma concepção de mundo. Mas afinal: o que é ideologia?
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Ideologia: só no discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro usou essa palavra – ou suas variações – quatro vezes. Ele prometeu libertar o país "da submissão ideológica" e das "amarras ideológicas", combater a "ideologia de gênero" e conduzir uma economia "sem viés ideológico".
O termo é uma das marcas no discurso não só de Bolsonaro, mas dos membros do círculo mais próximo do governo. Na maioria das vezes, numa tentativa de desclassificar projetos políticos anteriores.
Foi assim, por exemplo, na última segunda-feira (14/01). Em seu perfil no Twitter, Bolsonaro, ao falar de sua ida ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, disse que estava feliz com a oportunidade de apresentar um Brasil "livre das amarras ideológicas".
Na boca de políticos governistas e do próprio presidente, o termo ganhou uma conotação negativa, que pouco remete ao seu real significado. Nas ciências sociais, ideologia é definida com uma forma de concepção de mundo (Weltanschauung) que se diferencia de outras ideias e projetos políticos.
"Por um lado, ideologias são sistemas de ideias, que enfatizam algumas poucas características e critérios para reduzir significativamente a complexidade social e, assim, explicar a realidade de uma maneira simplificada. Por outro lado, ideologias apontam para soluções, como certos males podem ser corrigidos, e dão impulsos para o que deve ser feito na política", afirma o cientista político Klaus-Gerd Giesen.
O professor da Universidade Clermont Auvergne, na França, diz que ideologia seria algo como o "reino dos ismos" – conservadorismo, liberalismo, anarquismo, fascismo, etc. "No cotidiano político, elas são aplicadas por partidos e outras organizações políticas que respectivamente querem pôr em prática uma ideologia", exemplifica.
Já o cientista político Cristóbal Rovira Kaltwasser, da Universidade Diego Portales, no Chile, destaca que não há como conceber um mundo político sem ideologias. "Academicamente, todos os discursos são ideológicos", explica. Segundo ele, até tecnocratas, que tentam passar uma imagem de neutros, também são movidos por princípios ideológicos.
"Os tecnocratas afirmam que há somente uma solução técnica para um problema. Porém, não é 100% verdade, pois há diferentes mecanismos para solucionar um problema e a ideologia também tem um papel decisivo nesta escolha", acrescenta Kaltwasser.
Desta maneira, explicam os especialistas, as ideias políticas de extrema direita de Bolsonaro e sua equipe também são uma forma de ideologia. Sua estratégia de tentar desclassificar os adversários políticos como aqueles que possuem tendências ideológicas é frequentemente associada ao populismo.
Esse discurso foi construído por Bolsonaro desde o início da campanha eleitoral, na qual ele aproveitou a oportunidade para se apresentar como uma alternativa à política tradicional, alvo da insatisfação popular desde os protestos de 2013, que culminaram com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Ao estigmatizar a ideologia de seus adversários nas urnas e discursivamente ocultar, assim, a sua própria, conseguiu transmitir a uma parte do eleitorado uma imagem de neutralidade e apartidarismo, apesar de ter sido deputado federal desde 1991.
Neutralidade como disfarce
Mesmo com a eleição, os ataques a projetos ideológicos diferentes dos seus continua presente no discurso de Bolsonaro, sendo reforçado nas últimas semanas por integrantes da sua equipe. Desde que assumiu o poder, o presidente não se cansa de repetir que fará um governo livre de "amarras ideológicas" e pretende combater "ideologias nefastas".
Segundo o cientista político Markus-Michael Müller, há paralelos temporais de como a ideologia foi rejeitada na época da ditadura e agora com Bolsonaro. Essa rejeição ocorre numa retórica discursiva que associa ideologia a tudo o que seria de esquerda e apresenta a direita como um projeto livre de concepções de mundo.
"Os militares se apresentavam como apolíticos e com um projeto neutro, que combatia um projeto ideológico de esquerda que vinha de fora e deveria ser excluído por não corresponder aparentemente aos valores da sociedade brasileira", afirma Müller, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.
No caso de Bolsonaro, essa estratégia discursiva de suposta neutralidade ganha força com a nomeação de tecnocratas para comandar ministérios, como o economista Paulo Guedes, na pasta de Economia, o ex-juiz Sérgio Moro, na Justiça, ou o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, na Defesa. A retórica usada: nenhum outro governo buscou especialistas como ministros.
"Com essa estratégia tecnocrática, Bolsonaro tenta disfarçar para a população sua própria ideologia de extrema direita ou pelo menos fazer com que ela pareça moderada", afirma Giesen.
Para o cientista político Christoph Harig, da Universidade das Forças Armadas da Alemanha, em Hamburgo, essa luta contra inimigos imaginários e abstratos, como o muitas vezes evocado 'marxismo cultural', pode ser bastante vantajosa para o governo Bolsonaro.
"Em caso de não alcançar objetivos políticos concretos, a referência à luta contra 'o politicamente correto' ou contra a 'ideologia de gênero' pode ser suficiente para manter, pelo menos, uma parte de seus seguidores em modo de campanha e, assim, ao seu lado. Agora só resta esperar se isso será suficiente para alcançar os setores da população que votaram nele sem convicção", avalia Harig.
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Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
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Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
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Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
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Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
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Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
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Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
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Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
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Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
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Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
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Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
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AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.