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Bolsonaro e Fernández serão "buenos hermanos"?

25 de outubro de 2019

Na Argentina, os peronistas estão prestes a retornar ao poder com a iminente eleição de Alberto Fernández. O que isso significa para as relações com o poderoso vizinho Brasil sob a tutela de Jair Bolsonaro?

Alberto Fernández, candidato peronista à presidência da Argentina
O candidato peronista Alberto Fernández deve destronar Mauricio Macri e ser eleito presidente da Argentina Foto: Reuters/A. Marcarian

Os argentinos não vão reeleger o presidente liberal Mauricio Macri no domingo, de acordo com as pesquisas eleitorais. Em seu lugar, governará a partir da Casa Rosada o peronista Alberto Fernández – e de quebra, como vice-presidente, a ex-presidente Cristina Kirchner. Um cenário que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro já demonstrou não gostar.

"Sabemos que a volta da turma do Foro de São Paulo da Cristina Kirchner pode, sim, colocar em risco todo o Mercosul. E possivelmente, repito, possivelmente, temos que ter uma alternativa no bolso", disse Bolsonaro na quarta-feira durante sua visita ao Japão, ameaçando isolar a Argentina do Mercosul.

Em agosto, Bolsonaro já tinha chamado os peronistas de "esquerdalha". Uma vitória deles colocaria a Argentina "no caminho da Venezuela", e Bolsonaro "não quer irmãos argentinos fugindo para cá". Em resposta, Fernández chamou Bolsonaro de "um racista, um misógino e um violento que é a favor da tortura".

Com direito à réplica, Bolsonaro subiu o tom outra vez. "Olhem o que está acontecendo na Argentina agora. A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque nas primárias bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder", disse.

Especialistas avaliam que Bolsonaro, com seus ataques, ajudou a aumentar a popularidade dos peronistas na Argentina. Agora, a presidência de Fernández se torna cada vez mais provável. Mas quais seriam as consequências reais para as relações bilaterais e, em decorrência, para o Mercosul, caso Fernández vença as eleições?

"Bolsonaro vai fazer um discurso para sua base política, vai falar para seu eleitorado da história do socialismo, mas a economia argentina é importante para a brasileira, e a economia brasileira é importante para a argentina, e as duas economias são complementares", avaliou o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo, em entrevista à DW. "Então pode haver uma ou outra provocaçãozinha. Mas acredito que os órgãos econômicos, de comércio e o empresariado tendem a amenizar as tensões."

Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), disse à DW que prevalecerá a sensatez econômica. "Na Argentina existe uma percepção muito forte de como o Brasil é importante para a Argentina. O oposto não é muito verdadeiro. Aqui no Brasil, com muita frequência, mesmo o governo não tem tão claro por que a Argentina é um parceiro econômico essencial para o Brasil", disse Santoro, que acrescentou que a Argentina é ainda o terceiro maior parceiro comercial do Brasil.

Recentemente, no entanto, a importância diminuiu acentuadamente – e deve seguir em queda diante do caos econômico na Argentina. Em 1998, o Brasil enviava ao país vizinho 13% de suas exportações, comparado com apenas 6% em 2018. E este ano provavelmente será de apenas 4%.

"Vejo, infelizmente, como algo declinante", concluiu Fabio Giambiagi, economista-chefe do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em entrevista à DW. "O Brasil é mais importante para a Argentina do que a Argentina para o Brasil. Há, de fato, uma perda crescente de protagonismo da Argentina em termos de importância relativa para as exportações brasileiras."

Segundo Giambiagi, isso enfraquece a posição argentina nas próximas negociações no encontro de cúpula presidencial do Mercosul, agendado para os dias 4 e 5 de dezembro, no Rio Grande do Sul.

Até agora, o Mercosul sempre teve a sorte de que os presidentes argentinos e seus respectivos homólogos brasileiros mantinham boas relações pessoais, recordou Giambiagi. No momento, os sinais apontam para tempos tempestuosos. "Não só pode haver um desalinhamento importante de objetivos gerais, de filosofias dos dois governos, como também uma divergência acerca de questões que podem ser cruciais", disse o economista.

Além da questão da união aduaneira, haverá uma discussão a respeito da Tarifa Externa Comum (TEC), segundo Giambiagi. Segundo o jornal Valor Econômico, o Brasil vai propor um corte da TEC pela metade.

"O Brasil vai colocar na mesa o tema da tarifa externa comum, que é uma questão importante por razões ligadas à competitividade da economia brasileira, e se a Argentina rejeitar isso, acho que o Mercosul vai se ver num impasse muito sério e de grandes proporções", afirmou Giambiagi.

O primeiro impasse já é o fato de o encontro ter sido agendado para os dias 4 e 5 de dezembro, há menos de uma semana antes do fim do mandato de Macri. Desta forma, haverá um presidente sem real poder de decisão representando a Argentina. "O ideal seria que o novo presidente já participasse da reunião", disse Giambiagi. "Mas, aparentemente, não parece haver muito espaço para entendimento entre Macri e Fernández. Talvez tenha que ficar para o ano que vem."

Mas será que o anfitrião Bolsonaro deseja a presença de Fernández? E seria concebível desconvidar o presidente-eleito? "Seria uma deselegância do Brasil, e se isso acontecer vão acender todas as luzes de alerta, pois significaria colocar a ideologia na frente dos interesses comerciais do Brasil", avaliou Melo.  

A atualmente enraivecida guerra comercial entre os Estados Unidos e a China exige uma cooperação mais estreita entre os parceiros do Mercosul. "Seria desejável", segundo Giambiagi. "Mas isso exige pragmatismo de ambos os países, e não sei se existirá." A falta de pragmatismo também põe em dúvida o futuro do recém-lançado acordo entre Mercosul e a União Europeia (UE).

"Está na berlinda, principalmente por causa do Brasil", afirmou Melo. O governo brasileiro parece não levar a sério os próprios compromissos com a preservação do meio ambiente, "dando uma narrativa para que alguns países da União Europeia pudessem barrar ou, pelo menos, protelar o acordo com o Mercosul", prosseguiu Melo, referindo-se, principalmente, aos países europeus que querem proteger o próprio setor agrícola da concorrência sul-americana.

Além dos problemas ambientais, Santoro disse enxergar também na Argentina perigos para o acordo entre Mercosul e UE. "Há uma dúvida muito grande na própria Argentina sobre qual será o nível de compromisso de Fernández com o acordo", disse o cientista político, acrescentando que a força motriz por trás do acordo foi justamente Macri.

Por outro lado, Santoro afirmou existirem reservas sobre o acordo com a Europa também dentro do governo brasileiro. Enquanto a ala liberal saúda o acordo, a ala nacionalista do governo tem se mostrado preocupada. Eles temem um aumento de influências estrangeiras na área de proteção ambiental e de direitos humanos.

Provavelmente será crucial para as relações bilaterais de Brasil e Argentina que Bolsonaro abra mão de seu discurso ideológico. "Acho que é possível que o governo Bolsonaro desenvolva uma relação normal com a Argentina, assim como ele conseguiu fazer com a Bolívia de Evo Morales", afirmou o cientista político Ricardo Markwald, diretor-geral da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), em entrevista à DW. No entanto, ele também expressou receios.

"Assim como com Donald Trump, estamos perante presidentes imprevisíveis, que usam o Twitter de uma forma surpreendente." Além disso, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, conhecido por sua diplomacia de excelência, está em segundo plano sob Bolsonaro, lamentou Markwald.

"Neste momento, o Itamaraty parece não estar no comando. Então é difícil responder se a atitude de Bolsonaro será ideológica ou pragmática. Teremos alguma escalada? Espero que não, pois ambos terão de conviver nos próximos anos."

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