Bolsonaro e Macri buscam consensos para além da Venezuela
Enrique Anarte pv
16 de janeiro de 2019
Encontro de presidentes brasileiro e argentino gera expectativas sobre pontos em comum em suas agendas políticas para além da rejeição ao governo em Caracas e em especial sobre o Mercosul.
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No crepúsculo dos governos de esquerda na América Latina, com a crise venezuelana no cerne do debate regional, o primeiro encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri gerou expectativas em relação à capacidade de uma nova geração de líderes conservadores de pôr em prática algo além da alternativa ideológica que tanto postulam.
Bolsonaro e Macri se encontraram nesta quarta-feira (16/01), em Brasília, em meio a um consenso em relação à Venezuela e à expectativa de poder demonstrar união entre essas duas potências latino-americanas em outros temas.
Em declaração à imprensa após reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, Macri disse que os governos brasileiro e argentino se preocupam com a situação dos venezuelanos e reafirmam sua posição de condenar o que classificam de "ditadura de Nicolás Maduro".
"Maduro é um ditador que busca se perpetuar no poder com eleições fictícias, encarcerando opositores e levando os venezuelanos a uma situação desesperadora", afirmou o líder argentino. "Reiteramos que reconhecemos a Assembleia Nacional como a única instituição legítima na Venezuela, eleita democraticamente pelo povo venezuelano."
Bolsonaro, por sua vez, destacou o compromisso da Argentina e do Brasil com a "defesa da liberdade e a democracia na região" e afirmou que a cooperação na questão da Venezuela é um exemplo claro disso.
Antes mesmo das declarações desta quarta-feira, já parecia claro que Bolsonaro e Macri compartilham a mesma posição em relação à situação turbulenta na Venezuela, especialmente depois que o presidente Nicolás Maduro iniciou um novo mandato em 10 de janeiro, mas foi declarado formalmente um "usurpador" da presidência pela Assembleia Nacional cinco dias depois.
Argentina e Brasil são membros do Grupo de Lima, um mecanismo político formado por 14 países das Américas para abordar a crise venezuelana e que concordou em 4 de janeiro – exceto o México – em não reconhecer o novo governo de Maduro. O Grupo de Lima defende que o poder na Venezuela seja transferido à Assembleia Nacional.
Não há dúvidas de que a Venezuela é um ponto de consenso, comenta Bandarra. Mas o que Macri e Bolsonaro poderiam fazer para promover uma mudança em Caracas? "Eles não podem fazer muito mais bilateralmente", diz. Porém, na próxima reunião do Mercosul, os dois líderes poderiam ir além. "Eles poderiam recorrer a sanções sob a cláusula democrática" do bloco, afirma.
O presidente argentino, que é o primeiro chefe de Estado a visitar o Brasil desde a posse de Bolsonaro, afirmou que o encontro foi "muito produtivo, pois deixou clara a vontade" dos dois países de trabalharem juntos.
"As conversas de hoje com o presidente Macri só fazem reforçar minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá avançando no rumo certo: o rumo da democracia, da liberdade e segurança e do desenvolvimento", declarou Bolsonaro.
Visões sobre o Mercosul
Os dois presidentes ainda precisam demonstrar que são capazes de estruturar algo mais do que palavras em comum. Os bons laços econômicos entre os dois países jogam a seu favor. O Brasil é o terceiro maior parceiro comercial da Argentina – e o mesmo ocorre na direção oposta da relação comercial.
"No entanto, isso também significa que não há muito mais a crescer nessa área", observa o cientista político Leonardo Bandarra, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga).
Porém, a negociação na área econômica fica complicada quando se toca num dos pontos de maior expectativa: o Mercosul. Em tese, as inclinações liberais de ambos os presidentes deveriam facilitar um acerto. Só que, para tirar o bloco do marasmo, será preciso mais do que coincidências ideológicas.
A cientista política argentina María Esperança Casullo demonstra ceticismo. "Não parece que Macri ou Bolsonaro tenham muito entusiasmo pelo Mercosul", comenta. "Até agora não se tem visto uma melhor coordenação em nível supranacional."
Após o encontro com Macri, Bolsonaro defendeu que o Mercosul seja aperfeiçoado e mais enxuto. "No plano interno, o Mercosul precisa valorizar a sua tradição original, com abertura comercial, redução de barreiras e eliminação de burocracias. O propósito é construir um Mercosul enxuto, que continue a fazer sentido e ter relevância", disse.
Durante brinde em almoço oferecido pelo governo brasileiro no Palácio do Itamaraty, Macri disse que as relações multilaterais no Mercosul começaram "de maneira equivocada", o que levou ao atraso na região. "Protegíamos o crescimento, mas isso não funcionou. Aconteceu o contrário: nossos países ficaram atrasados."
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), que tem sido adiado constantemente, era outra das principais questões na agenda. Bolsonaro vê o acordo com ressalvas e anunciou que revisará tudo o que foi negociado pelo governo do presidente Michel Temer, sob o argumento de que este cedeu à agenda multilateral argentina devido à sua fraqueza institucional.
Macri, por sua vez, tem sido um forte defensor do acordo. "A negociação com a União Europeia exigiu muito esforço. E avançou, senhor presidente Bolsonaro, como nunca antes. Com a sua chegada, temos a oportunidade de renovar o compromisso político do Mercosul e dar os passos para um acordo de beneficie os dois blocos comerciais", afirmou o presidente nesta quarta.
Dentro do Executivo brasileiro existem três perfis políticos bem diferenciados – liberais, militares e conservadores –, que representam uma complexa constelação de interesses, destaca Bandarra. No entanto, o cientista político afirma acreditar que obstáculos ainda maiores podem surgir do lado europeu, devido à relutância de França e Alemanha em negociar com Bolsonaro.
Macri de olhos nas eleições
Com a eleição presidencial argentina ainda em 2019, e tendo em vista que Macri deverá ter poucas conquistas econômicas para apresentar ao seu eleitorado, a segurança pública passou a ser uma das questões que ganhou importância na agenda da Casa Rosada.
Para Casullo, trata-se de uma "bolsonarização" do discurso do presidente argentino. "Não era seu plano original, mas o governo de Macri não tem muitas outras áreas para mostrar êxitos", afirma a pesquisadora.
A segurança marítima, segundo Bandarra, é uma área de cooperação da qual a Argentina pode tirar proveito. Assim como a segurança na fronteira. "A questão do tráfico de drogas não entrará na agenda comum com tanta força por causa das diferenças entre os dois governos", prevê Bandarra. "Mas a segurança na fronteira, sim."
O especialista enfatizou que uma prova disso é que a reforma militar promovida pelo governo de Macri foi "influenciada pela intervenção que ocorreu no Rio de Janeiro, embora na Argentina o envolvimento das Forças Armadas continue sendo um tabu".
Mas o compromisso com a segurança, um dos estandartes políticos de Bolsonaro, não precisa obrigatoriamente resultar nos mesmos frutos no país vizinho. "É uma estratégia que tem seus riscos. A Argentina não é o Brasil, aqui há uma tradição de uma linguagem de direitos humanos que nasceu da transição à democracia. No Brasil isso não existe da mesma maneira", aponta Casullo.
Isso, aliado à situação de que Macri carece do fator inovador que acompanhou Bolsonaro, torna difícil para o presidente argentino obter resultados eleitorais semelhantes. Jogar com as cartas de Bolsonaro e repetir seu discurso pode acabar saindo caro nas urnas. "Se Macri se mover muito para a direita, ele poderá perder o apoio crítico", resume Casullo.
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Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
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Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
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Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
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Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
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Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
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Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
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Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
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Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
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Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
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Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
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AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.