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Bolsonaro não apoiou agenda anticorrupção, afirma Moro

25 de maio de 2020

Em entrevista ao Fantástico, ex-ministro reitera que presidente interferiu na PF, diz que estava desconfortável na reunião de 22 de abril, questiona alianças políticas feitas pelo governo e critica gestão da epidemia.

Moro, de terno, fala ao microfone
Moro disse que não saiu antes do governo por ter esperança de emplacar agenda anticorrupçãoFoto: Reuters/U. Marcelino

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro afirmou que o presidente Jair Bolsonaro não se empenhou no combate à corrupção, uma de suas principais promessas de campanha, e chamou o mandatário de um negacionista da pandemia de coronavírus. As declarações foram feitas em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, neste domingo (24/05), um mês após deixar o governo.

Moro está no centro de uma crise política, após acusar Bolsonaro de interferir na Polícia Federal (PF) ao exigir a troca no comando da corporação e da Superintendência do Rio de Janeiro por motivos pessoais, fato que levou à sua renúncia em 24 de abril. As acusações do ex-ministro, feitas no dia de sua demissão, levaram à abertura de um inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Questionado se, com 22 anos de experiência na magistratura, ele acredita que Bolsonaro cometeu um crime, o ex-juiz respondeu que a seu ver houve interferência na PF, mas não cabe a ele dizer se se tratou de um ato criminoso. Cabe ao STF, à PGR e à PF avaliar os fatos apresentados por ele, declarou.

O ex-ministro disse que o episódio de interferência de Bolsonaro foi a "gota d'água" para ele deixar o governo, "em particular porque a Polícia Federal também investiga mal-feitos dos próprios governantes", mas afirmou que, antes disso, já vinha vendo a agenda anticorrupção proposta pelo Ministério da Justiça ser esvaziada. Segundo ele, a renúncia só não ocorreu antes porque ele ainda tinha "esperança de avançar com essa agenda".

Famoso por conduzir a Operação Lava Jato em Curitiba, Moro afirmou que o governo se valia de sua imagem "de combate firme contra a corrupção", mas na prática "não fortalece as instituições para um combate à corrupção".

"Essa agenda anticorrupção – e me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa é uma verdade inconveniente –, mas essa agenda anticorrupção não teve um impulso por parte do presidente da República para que nós implementássemos", denunciou.

Para justificar a afirmação, Moro citou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, bem como alianças do governo com "políticos que não têm não um histórico totalmente positivo dentro da história da administração pública". Ele também se disse decepciondo com a falta de apoio de Bolsonaro ao projeto anticrime.

Contudo, declarou que não se arrepende de ter assumido o cargo que ocupou por 15 meses.

Reunião ministerial
Sobre a participação na polêmica reunião ministerial de 22 de abril, apontada por ele como prova da interferência de Bolsonaro na PF e que foi tornada pública pelo ministro do STF Celso de Mello na sexta-feira, Moro afirmou que estava "bastante desconfortável e incomodado" no encontro. Por isso, usou como desculpa um compromisso já agendado para se retirar antes do fim da reunião. "Queria ter saído antes", declarou.

Moro confirmou que, horas antes da reunião, recebeu uma mensagem de Bolsonaro em que o presidente afirma: "Valeixo sai esta semana. Está decidido. Você pode dizer apenas a forma: a pedido ou a ex-ofício [sic]." Valeixo era o então diretor-geral da Polícia Federal, nomeado por Moro e exonerado em 24 de abril, horas antes da renúncia de Moro. Para o ex-ministro, "isso demonstra que essa argumentação de que não havia desejo de interferência na Polícia Federal não é propriamente correta".

"Esse vídeo é mais um dos elementos de prova. Nós tivemos a reunião ministerial, na qual novamente ele externou essa situação de que ele queria trocar, intervir, porque os serviços de inteligência não funcionavam, ele precisava trocar. E ele ali, me parece claro, até pelo gestual que ele realiza, que ele se refere a mim. Ele fala da Polícia Federal."

Moro disse que não discutiu o tema na reunião "porque ali o ambiente não era muito favorável ao contraditório" e porque tinha um encontro agendado com Bolsonaro no dia seguinte.

Na reunião, o presidente afirmou que tentou "trocar gente da segurança do Rio de Janeiro oficialmente" e não conseguiu. "Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final", disse Bolsonaro no encontro de 22 de abril.

Enquanto a defesa do mandatário insiste que a preocupação fosse em torno da segurança física de seus familiares, Moro vem afirmando desde sua demissão que Bolsonaro estava preocupado, na verdade, com investigações em curso que atingiriam sua família, por isso os desejos de trocas em postos-chave da PF.

"O vídeo fala por si", disse Moro. "Quando ele [Bolsonaro] olha na minha direção, isso evidencia que ele estava falando desse assunto da Polícia Federal. E temos que analisar os fatos que ocorrem anteriormente – ele não teve nenhuma dificuldade em alterar o serviço do GSI. Inclusive do Rio de Janeiro, ele promoveu até as pessoas envolvidas. Sinal de que não havia nenhuma insatisfação [com a segurança pessoal do presidente]."

Questionado pelo Fantástico se antes da reunião ministerial Bolsonaro já havia externado preocupação com a família e amigos dele, Moro respondeu que quem tem que esclarecer o sentido dessas afirmações é o Planalto.

"Ele externou publicamente, diversas vezes, as preocupações que ele tinha em relação aos filhos dele, né? O que existe é todo um contexto, que é a necessidade externada pelo presidente, de colocar pessoas de confiança dele e uma insatisfação com serviços de inteligência que eram prestados pela PF. Agora, tem que ver o que ele entende exatamente como serviços de inteligência que para ele estavam insatisfatórios."

O ex-ministro também se esquivou de responder sobre um "sistema particular de informações" do presidente, alheio aos órgãos oficiais, que Bolsonaro mencionou na reunião. "O que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo de que os serviços de inteligência prestados por esse serviço particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais", afirmou.

Críticas à gestão da epidemia

Ainda sobre o governo, Moro disse que considera controversas outras trocas em postos-chave, como as que ocorreram no Ministério da Saúde em meio à epidemia de coronavírus. "Claro que o presidente escolhe seus ministros, mas são substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico", afirmou.

O ex-ministro comentou que se sentia "desconfortável" com a gestão da crise da covid-19 por parte do governo federal, a qual considera "muito pouco construtiva", e afirmou que Bolsonaro "tem uma posição negacionista em relação à pandemia".

"Eu acho que a minha própria lealdade, ao próprio presidente, demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso. E não apenas concordando com a posição do presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, precisa de um papagaio. Em nenhuma circunstância se pode concordar que o armamento sirva de alguma forma para que as pessoas possam se opor, de forma armada, contra medidas sanitárias."

Moro se referia à declaração do presidente durante a reunião de 22 de abril sobre desejos de armar a população para que ela "vá às ruas" contra governadores e prefeitos que impõem medidas de isolamento contra o coronavírus.

Sobre intenções de se candidatar à Presidência, como pedem muitos apoiadores, Moro afirmou apenas que deseja "de alguma forma continuar contribuindo, seja na área privada, seja no debate público, com essa discussões que envolvem o país". "Estamos no meio de uma pandemia muito grave, muito séria [...]. Eu vou ter que reinventar a minha vida", acrescentou.

LE/ots

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