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Bolsonaro oficializa candidatura à reeleição e ataca STF

24 de julho de 2022

Ao lado de caciques do Centrão, militares saudosos da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores e figuras da extrema direita, presidente convocou apoiadores para novo ato golpista contra o STF.

Bolsonaro no Maracanãzinho
Bolsonaro usou palco do Maracanãzinho para incitar apoiadores contra STF e espalhar mentiras sobre LulaFoto: Ricardo Moraes/REUTERS

Com a presença de caciques do Centrão, militares saudosistas da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores, políticos e influenciadores de extrema direita, o PL oficializou em convenção realizada neste domingo (24/07), no Rio de Janeiro, a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro e a escolha do general Walter Braga Netto como vice na chapa.

O evento, num ginásio do Rio de Janeiro repleto de apoiadores com as cores verde e amarelo, também foi usado como palco pelo presidente para lançar novos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e convocar um novo ato golpista contra o Judiciário.

A abertura da convenção coube ao deputado pastor Marco Feliciano (PL-SP), que comandou uma oração. Depois, o microfone foi passado para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem trânsito entre igrejas evangélicas conservadoras e cuja imagem vem sendo instrumentalizada pela campanha como forma de diminuir a forte rejeição que o presidente sofre entre o eleitorado feminino.

"A reeleição não é por um projeto de poder, como muitos pensam, não é por status, porque é muito difícil estar desse lado. A reeleição é por um projeto de libertação", disse Michelle, numa fala carregada de tom religioso. "Declaramos que o Brasil é do Senhor. (...) Ele [Bolsonaro] é o escolhido de Deus."

Falando pouco depois, Jair Bolsonaro também fez uso de linguagem religiosa, adicionando ainda retórica anticomunista e elogios às Forças Armadas. "Esse é um país cristão, de valores, do presente e do futuro."

Na sequência, Bolsonaro passou a repetir falas golpistas e incitou seus apoiadores contra o STF. "Nós temos que respeitar a Constituição", disse Bolsonaro, em um primeiro momento. Pouco depois, uma primeira menção ao STF feita por Bolsonaro provocou fortes vaias e gritos entre os apoiadores. "Supremo é o povo", gritou o público. 

Era apenas um ensaio. Minutos depois, Bolsonaro foi mais explícito, convocando seus apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no feriado de 7 de Setembro, tal como ocorreu na data de 2021, quando o presidente atacou o Tribunal em eventos que reuniram milhares de pessoas em Brasília e São Paulo.

"Convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de Setembro vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse.

"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da constituição", disse Bolsonaro, que passou a distribuir ataques ao STF depois que ministros da Corte ordenaram a prisão de aliados do governo e tomaram algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições.

Em outro momento, ao se voltar para Braga Netto, Bolsonaro ecoou seu discurso que tenta minar a confiança no sistema eleitoral. Após afirmar que seus apoiadores "são nosso exército", ele disse: "É o exército que não aceita fraude. É o exército que quer, merece e terá respeito, formado por 210 milhões de brasileiros."

O presidente ainda chegou a pedir que seus apoiadores gritassem "juro dar minha vida pela minha liberdade". "Repitam", disse Bolsonaro, que foi atendido pelos presentes.

A convenção do PL ocorre 70 dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. No momento, o presidente de extrema direita aparece em grande desvantagem nas pesquisas e seu governo é reprovado por 48% dos brasileiros - somente 26% têm uma visão positiva. Levantamento Datafolha divulgado no final de junho mostra que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está 19 pontos à frente de Bolsonaro, marcando 47% contra 28%, e com chances de ganhar já no primeiro turno. O PT oficializou a chapa de Lula na última quarta-feira.

Durante o evento deste domingo, Bolsonaro atacou Lula, repetindo várias mentiras e elementos da cartilha bolsonarista, demonstrando que deve continuar a apostar na propagação de fake news contra adversários nesta campanha. Bolsonaro, por exemplo, afirmou falsamente neste domingo que Lula quer "desconstruir a heteronormatividade" e que "criou a ideologia de gênero" para que "crianças a partir dos 5 anos de idade" sejam estimuladas a "fazer sexo".

Convenção mais "recheada" que em 2018

Entre os participantes da convenção estavam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro; o ex-presidente e senador Fernando Collor; o ex-ministros Eduardo Pazuello, Onyx Lorenzoni e Tarcísio de Freitas; o senador Romário; e figuras do baixo clero da extrema direita bolsonarista como os deputados Daniel Silveira, Hélio Lopes e Carla Zambelli, além do advogado Frederick Wassef, que ganhou notoriedade em 2020 após esconder o antigo "faz-tudo" do presidente, Fabrício Queiroz, em um sítio em Atibaia quando este era investigado pela Justiça. O ex-PM Queiroz, por sua vez,  chegou a publicar nesta semana nas redes sociais convocações para a convenção deste domingo, mas não apareceu no evento.

A convenção que oficializou a candidatura à reeleição neste domingo contrastou com o evento que marcou o lançamento do nome de Bolsonaro em 2018. No último pleito, o ato foi organizado pelo então nanico PSL e não contou com a participação de figuras políticas relevantes, acabando por ser dominado por uma mistura de militares da reserva e membros desconhecidos da extrema direita que ainda projetavam seus nomes. Naquela campanha, Bolsonaro só viria a conseguir fechar uma aliança com o também insignificante PRTB, sigla que à época abrigava seu atual vice, Hamilton Mourão, hoje no Republicanos.

Desta vez, com o poder da máquina federal, Bolsonaro oficializou um leque de alianças mais robusto. Saiu de cena o nanico PRTB, entraram o PL, PP, Republicanos e PTB - siglas que somam 179 deputados federais e 19 senadores no Congresso. Caciques do Centrão - grupo de legendas sem ideologia definida que se aproxima de governantes em busca de cargos e verbas - também marcaram presença, entre eles Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Ciro Nogueira, (presidente licenciado do PP); e Marcos Pereira (presidente do Republicanos).

Em 2018, vários desses partidos apoiaram a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin à Presidência. Na ocasião, Bolsonaro atacou o ex-governador, afirmando que sua aliança reunia "a nata do que há de pior do Brasil". Uma das cenas mais célebres da convenção de 2018 foi o registro do general Augusto Heleno, no palco, ao lado de Bolsonaro, cantarolando "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão". Desta vez, Heleno nem participou da convenção.

Embora a rejeição retórica contra o Centrão tenha arrefecido nas fileiras bolsonaristas, isso está longe de ser um sinal de moderação do presidente. Diante da desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro tem multiplicado ataques ao sistema eleitoral, especialmente às urnas eletrônicas, espalhando mentiras sobre a segurança dos equipamentos e direcionando críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao STF.

A estratégia vem sendo encarada por observadores como um ensaio para uma eventual tentativa de golpe de Estado no caso de uma derrota, a exemplo do que ocorreu nos EUA após o pleito de 2020, quando o republicano Donald Trump - ídolo de Bolsonaro - espalhou falsas acusações de fraude na votação e instigou uma violenta insurreição contra o Congresso americano após fracassar na sua tentativa de reeleição.

Embora os principais políticos do Centrão tenham evitado abraçar na totalidade os ataques às urnas e a retórica golpista de Bolsonaro, os caciques partidários têm mostrado pouco incômodo com as ações do presidente. Ciro Nogueira, por exemplo, chegou a afirmar nesta semana que Bolsonaro tem o "direito de criticar" as urnas eletrônicas.

Braga Netto oficializado como vice

Enquanto a modesta convenção de 2018 foi marcada pela ausência de anúncio do companheiro de chapa presidencial, o evento deste domingo tratou logo de oficializar quem será o vice de Bolsonaro: o general Walter Braga Netto. Desta vez, o presidente decidiu não concorrer ao lado do atual vice, general Hamilton Mourão.

General quatro estrelas de 65 anos, Braga Netto ganhou projeção quando chefiou a operação militar de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, durante o governo do presidente Michel Temer. No período, o estado registrou melhora em alguns índices de criminalidade, mas o saldo final foi alvo de críticas: o número de tiroteios teve um aumento robusto e o número de mortes causadas pela polícia explodiu. A intervenção também foi marcada por episódios trágicos como o assassinato da vereadora de esquerda Marielle Franco por dois ex-policiais ligados ao crime organizado.

Braga Netto (esq.) defendeu ditadura militar de 1964 quando comandou pasta da DefesaFoto: EVARISTO SA/AFP

Sob o governo Bolsonaro, Braga Netto ganhou ainda mais destaque. Em 2020, ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo. Na pasta, coordenou as ações do governo federal no primeiro ano da pandemia, período que foi marcado pela explosão de casos da doença, atrasos na compra de vacinas e promoção de tratamentos ineficazes e até potencialmente perigosos.

Braga Netto, no entanto, foi em grande medida poupado pela CPI da Pandemia, que evitou antagonizar de frente com as Forças Armadas cooptadas por Bolsonaro. Em 2021, quando passou para a comandar o Ministério da Defesa, o general chegou a divulgar uma nota em tom de ameaça contra o presidente da CPI, senador Omar Aziz, após este apontar que "membros da parte podre das Forças Armadas" estavam "envolvidos com falcatrua dentro do governo".

Ainda em 2021, dez dias após assumir a pasta da Defesa, Braga Netto divulgou uma ordem do dia direcionada aos quartéis no qual defendeu a celebração do golpe militar de 1964. No texto, o então ministro chamou o golpe de "movimento de 31 de março de 1964" e não fez qualquer menção à ditadura que foi instalada posteriormente ou à dura repressão ocorrida neste período, onde reinou a censura e perseguição política.

Braga Netto repetiu a dose em 2022, desta vez afirmando que o golpe "fortaleceu a democracia" e foi "um marco histórico da evolução da política brasileira".

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